Discurso durante a 22ª Sessão Especial, no Senado Federal

Abertura da Sessão especial destinada a comemorar o centenário do poeta Manoel de Barros.

Autor
Pedro Chaves (PSC - Partido Social Cristão/MS)
Nome completo: Pedro Chaves dos Santos Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Abertura da Sessão especial destinada a comemorar o centenário do poeta Manoel de Barros.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/2017 - Página 8
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • ABERTURA, SESSÃO ESPECIAL, OBJETIVO, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, NASCIMENTO, POETA, MANOEL DE BARROS.

    O SR. PEDRO CHAVES (Bloco Moderador/PSC - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Exmo Sr. Presidente, Senador Waldemir Moka, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, familiares do homenageado, amigas e amigos que participam desta sessão histórica.

    Eu gostaria inicialmente de agradecer ao Presidente desta Casa, Senador Eunício Oliveira, por atender a nossa proposição para a realização desta sessão especial, em comemoração ao centenário de nascimento do poeta Manoel de Barros.

    É uma honra ser um dos propositores desta homenagem que o Senado Federal faz a um dos mais importantes poetas do Brasil: Manoel Wenceslau Leite de Barros ou, simplesmente, Manoel de Barros, como ele gostava de ser chamado.

    O poeta nasceu em Cuiabá, no dia 19 de novembro de 1916, mas, ainda criança, sua família se transferiu para Corumbá, cidade importante que hoje pertence a Mato Grosso do Sul, e, depois, mudou-se para uma fazenda no pantanal da Nhecolândia, onde o menino Manoel passou a ter contato com as criaturas que povoam sua poesia, como sapos, formigas, passarinhos, borboletas, aves, peixes, árvores, flores, a chuva, os rios e os povos pantaneiros.

    Esse universo mágico, fantástico, que Manoel guardou na memória, foi muito bem retratado, anos mais tarde, na rica, plural e universal linguagem poética do nosso homenageado.

    Manoel de Barros iniciou seus estudos no ambiente pantaneiro, em 1922, com o apoio da família. A alfabetização foi feita com uma tia que visitou a casa onde a família morava e que levou cartilhas, cadernos e lápis.

    O garoto pantaneiro completou o primário (hoje ensino fundamental I) em 1928, num colégio interno de Campo Grande, atual capital de Mato Grosso do Sul.

    Ainda em 1928, para aprofundar os estudos, Manoel de Barros pegou a Maria Fumaça na estação de Campo Grande e rumou em direção ao Rio de Janeiro, numa viagem de mais de três dias, para cursar o ginásio e o colegial (hoje ensino básico), em regime de internato, no tradicional Colégio São José, dos Irmãos Maristas, no Bairro da Tijuca,

    O Rio de Janeiro era o centro político e cultural do Brasil. Os grandes nomes da literatura moravam na cidade ou a visitavam constantemente. As bibliotecas e livrarias ofertavam o que de mais precioso havia para Manoel na produção política e literária da década de 1930.

    Essa atmosfera nova e encantadora da então capital da República foi explorada com astúcia e competência por nosso poeta.

    A produção de autores modernistas, como Raul Bopp, Mario de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Guimarães Rosa, e os escritos de Camões – poeta português –, inspirados no século XIV, se converteram na base importante e segura para que Manoel de Barros se tornasse poeta dos grandes e intelectual brilhante.

    Em 1935, um ano depois de entrar para a faculdade de Direito, ainda muito jovem, no Rio de Janeiro, ele entrou para o Partido Comunista do Brasil (PCB), numa época marcada por forte repressão. Viu o manuscrito do seu primeiro livro, Nossa Senhora da Minha Escuridão, ser apreendido pela polícia política de Getúlio Vargas, em represália por ele ter pichado uma obra pública da Cidade Maravilhosa, com a frase "Viva o comunismo!"

    Na década de 1940, Manoel de Barros já era poeta festejado nas rodas intelectuais do Rio de Janeiro. Seus livros Poemas concebidos sem pecado, lançado em 1937, e Face imóvel, de 1942, mostravam a força e a originalidade da sua poesia.

    Ainda jovem, ele integrava a seleta turma dos poetas modernistas, que abriam novos horizontes para a poética nacional.

    O jornalista Gustavo Vilela, na edição de 5 de novembro de 1942, do jornal O Globo, destacou que Manoel de Barros, então com 25 anos, já era um poeta modernista. A matéria também assinalava que alguns dos seus poemas tinham virtudes maiores, como a síntese.

    Antes de sair do Brasil para conhecer a literatura e seus mestres em outros países, Manoel trabalhou como advogado do Sindicato dos Pescadores do Rio de Janeiro.

    Provavelmente foi essa a forma que ele encontrou, como humanista, para colaborar com o processo de organização da classe trabalhadora e de voltar às suas raízes, quando convivia naturalmente com as comunidades ribeirinhas do Pantanal.

    O poeta e sua poesia ganhavam asas e voaram para conquistar o mundo. Tanto que, entre 1943 e 1945, ele esteve em Nova Iorque, Paris, Roma, Lisboa e em algumas metrópoles da América Latina, onde se desenvolvia cultura de primeira grandeza.

    Nesse périplo, em busca de cultura universal, visitou museus, estudou cinema e pintura e conheceu de perto a produção de autores consagrados, como Picasso, Fellini, García Lorca, Thomas Stearns, Ezra Pound, Stephen Spender e outros não menos importantes, que escolheram a literatura e as artes para falar das suas angústias e de todos os seus sonhos.

    Em 1947, no Rio de Janeiro, escolheu Stela dos Santos Cruz para ser sua esposa e companheira por toda a vida. Com ela teve três filhos: Pedro, Martha e João Leite de Barros.

    Na década seguinte, depois de ter lançado o livro Poesias, Manoel voltou a dividir seu tempo entre a fazenda no Pantanal e o Rio de Janeiro.

    Nas idas e vindas do Pantanal ao Rio de Janeiro, lançou, em 1961, uma de suas obras mais famosas, Compêndio para Uso dos Pássaros, que conquistou o Prêmio Orlando Dantas, do Diário de Notícias do Rio de Janeiro.

    Oito anos depois, em 1969, ele presenteia seus leitores e leitoras com a obra Gramática Expositiva do Chão. O livro conquistou o Prêmio de Poesia de Brasília e o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal.

    Nessa época, eu morava no Rio de Janeiro, no final da década de 60, e ficava orgulhoso com o sucesso editorial – porque Manoel escrevia em diversos jornais – e de crítica do meu conterrâneo, que falava do Pantanal com leveza, clareza e simplicidade.

    Na década de 70, em Campo Grande, tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente. Falamos do Rio de Janeiro, de Campo Grande, de poesia, política, educação, de música e das belezas naturais e culturais do nosso rico e frágil bioma Pantanal.

    Aos poucos, selamos uma amizade sincera e profunda. Sempre que podia, eu me dirigia a sua casa para beber da sua sabedoria. Ele gostava de falar que sua matéria era a palavra...

(Soa a campainha.)

    O SR. PEDRO CHAVES (Bloco Moderador/PSC - MS) – ... não era a paisagem, nem a ecologia. Seu universo era o de "desencantar as palavras".

    Certa feita, ele falou sobre a força das manifestações artísticas. Disse: "Conheça o mundo, leia os grandes poetas, os grandes escritores, nunca passe correndo por uma obra de arte. Você só poderá ser grande se conhecer os grandes."

    Manoel era um homem cosmopolita. Sabia de tudo e tinha uma cabeça privilegiada que encantava a todos. Era talento e simplicidade, uma coisa rara de se ver em um só homem.

    Fiquei muito feliz em ver a poesia de Manoel de Barros conquistar novos e importantes espaços, com o apoio de intelectuais e admiradores como Millôr Fernandes, Fausto Wolff, Antônio Houaiss, José Mindlin, Siron Franco, e outros nomes da literatura nacional e internacional, que não mediram esforços para divulgar a sua genialidade.

    Eu me considero suspeito para falar sobre a brilhante carreira do nosso homenageado. Sou admirador da sua obra e de sua personalidade. Tanto que, em 1998, pouco tempo depois de ter fundado a Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, a Uniderp, decidi criar a Fundação Manoel de Barros, para fomentar a pesquisa e a extensão. E Manoel estava presente nessa inauguração, juntamente com sua esposa. Essa fundação se dedicava especialmente à pesquisa do Pantanal, lugar que o poeta amava e cantava nos seus lindos versos imortais.

    Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Senadores, familiares do nosso homenageado, amigos e amigas que participam desta solenidade, quando Manoel partiu, no dia 13 de novembro de 2014, deixou um imenso legado, um manancial de palavras só comparável à biodiversidade do Pantanal.

    A produção de 28 livros publicados – fora aquele levado pela polícia política, em sua juventude – mostra muito bem o poder criativo e a capacidade de trabalho do nosso poeta.

    O grande brasileiro Carlos Drummond de Andrade, de Itabira, em uma definição magistral, assinalou que Manoel de Barros era mesmo eterno. Drummond disse que a eternidade de Manoel vem desse tempo sem tempo de sua poesia; dessa geografia sem mapa, que nos orienta por regatos e percursos os mais escondidos nos desvãos da memória: matéria de poesia.

    Manoel de Barros recebeu duas vezes o Prêmio Jabuti, duas vezes o Prêmio Nestlé e também foi premiado pela Biblioteca Nacional e pela Associação Paulista de Críticos de Arte.

    Creio que, em sua modéstia, Manoel de Barros iria ficar extremamente feliz com essa homenagem, mas manteria sua serenidade. Como homem simples e culto, ele também tinha a capacidade de acolher todas as manifestações com imensa alegria, sabia celebrar a vida, embora tivesse discreta dificuldade para se manifestar publicamente. Ficava sempre realmente no anonimato quando ele podia. Não que ele fosse avesso a palavras de reconhecimento de seu talento e de sua obra, é que para ele o maior reconhecimento vinha daquelas pessoas anônimas, nas milhares de correspondências que recebia.

    Para ilustrar minha fala, quero dividir com os presentes este belo verso, do meu amigo Manoel, que ressalta muito bem a sua força poética. Dizia Manoel:

Venho de nobres que empobreceram.

Restou-me por fortuna a soberbia.

Com esta doença de grandezas:

Hei de monumentar os insetos!

(Cristo monumentou a Humildade

quando beijou os pés dos seus

discípulos)

São Francisco monumentou as aves;

Vieira, os peixes;

Shakespeare, o Amor;

A Dúvida, os tolos.

Charles Chaplin monumentou os vagabundos.

E eu, com esta mania de grandeza:

Hei de monumentar as pobres coisas do chão molhadas de orvalho.

    Por tudo isso, Srªs e Srs. Senadores, convidados, parentes, como parte das comemorações do centenário de nascimento de Manoel de Barros, fizemos essa importante homenagem, que, sem dúvida, ficará registrada nos Anais desta Casa de leis, que é o Senado Federal, a Casa de todos os Estados brasileiros.

    Por último, quero dizer, com muito orgulho e profunda admiração, que o poeta Manoel de Barros foi um dos grandes nomes da poética nacional e internacional. A força da sua poesia ultrapassou todas as fronteiras. Manoel virou um artista do mundo. Seu legado, para nossa imensa alegria, se tornou instrumento de reflexão para todos aqueles e aquelas que sonham com a construção de um mundo mais culto, mais justo, plural e fraterno.

    Era o que tinha a dizer.

    Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/2017 - Página 8