Discurso durante a 25ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à proposta de reforma previdenciária que pretende igualar o trabalhador rural ao trabalhador urbano.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Críticas à proposta de reforma previdenciária que pretende igualar o trabalhador rural ao trabalhador urbano.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2017 - Página 12
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Indexação
  • CRITICA, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO PREVIDENCIARIA, OBJETIVO, IGUALDADE, TRABALHADOR RURAL, TRABALHADOR URBANO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, LIMITE DE IDADE, APOSENTADORIA, DEFESA, DIFERENÇA, TRABALHADOR, ATIVIDADE RURAL, MOTIVO, PREVIDENCIA SOCIAL RURAL, REDUÇÃO, POBREZA, TRABALHO INFANTIL, REFERENCIA, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente Cássio Cunha Lima, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, subo à tribuna para cumprir com minha missão não só de Senador pelo Estado de Sergipe. Sobe a esta tribuna hoje um nordestino, que conhece de perto as agruras, os sacrifícios do sertanejo, do pequeno agricultor, do trabalhador rural para sobreviver e tirar da terra o alimento que chega à mesa dos brasileiros.

    Trago aqui a minha preocupação, porque vejo, no debate que se apresenta sobre a reforma da previdência, o sério risco de que a frieza dos números se sobreponha ao importante papel dos aposentados especiais na economia, notadamente pequenos agricultores e pescadores, pescadores artesanais, não obstante permanecerem ainda invisíveis para uma parcela da sociedade. Constituem os pequenos produtores rurais a parte mais fraca de um país ainda, infelizmente, desigual do ponto de vista econômico e social. Da defesa deles, não abrirei mão.

    O Governo – muito embora eu compreenda a situação do Presidente da República, que deseja equilibrar a nossa economia, apresentar saídas para a crise econômica e atrair a atenção do mercado de forma positiva, tanto o mercado interno como o mercado externo, para a geração de emprego e renda – fala do rombo da previdência e da necessidade extrema dessa reforma, diante da mudança do perfil de idade da nossa população e da sobrecarga do sistema. Não vamos fugir ao debate, é importante fazermos a travessia da crise para o crescimento, mas quero dizer que apoio essa discussão, mas não me furtarei a avaliar todos os aspectos da mudança proposta, incluindo os riscos de se tirar o colchão social dos menos assistidos. No campo, com reflexos nas cidades, receio que os efeitos da reforma proposta possam ser preocupantes.

    Talvez fosse interessante burocratas e Parlamentares visitarem uma pequena propriedade no Brasil, ouvirem histórias, viverem o cotidiano dos trabalhadores, especialmente dos trabalhadores do Nordeste. Veriam, então, a impossibilidade de se comparar contribuinte urbano com contribuinte rural.

    Na pequena propriedade rural, é comum aos 10 anos de idade já se cumprirem tarefas. A lida no campo começa, em geral, antes dos 14 anos de idade, apesar das proibições, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A jornada vai de 4 horas da manhã até o anoitecer. Trabalham-se 365 dias no ano, de sol a sol. A renda não é previsível; está associada às condições do clima. Está nas mãos de Deus, como diz o sertanejo. Ouve-se com frequência essa afirmação angustiada da boca do agricultor, que mantém os olhos sempre voltados para o céu, como acontece agora no meu querido Estado do Sergipe, que está vivendo uma seca inclemente, a mais grave dos últimos cem anos.

    É justamente por essas diferenças que a Constituição de 1988 igualou direitos, acolhendo, em suas diferenças, os que trabalham mais duramente e em ambientes muitas vezes insalubres. Pelas regras atuais, os trabalhadores rurais já contribuem com base em um percentual sobre a comercialização e precisam comprovar atividade por 15 anos. Aos 55 anos, a trabalhadora rural e, aos 60 anos, o trabalhador rural podem requerer a aposentadoria e passam a receber um salário mínimo. E é isso: 99% dos benefícios dos trabalhadores rurais são de apenas um salário mínimo.

    Com a reforma da previdência, o que se pretende é igualar o trabalhador rural ao trabalhador urbano, passando por cima das diferenças, que são gritantes, entre eles. A proposta que se apresenta de reforma institui contribuição sobre as mesmas bases do trabalhador urbano, ainda que com uma alíquota favorecida a ser definida em lei. Ou seja, eles passariam a contribuir mensalmente para o INSS, se aposentando a partir dos 65 anos, com 25 de contribuição. Será que não estaremos retrocedendo nas garantias da Constituição cidadã?

    Na Nota Técnica 25, publicada em 2016, o Ipea mostrou que a previdência rural, como é hoje, contribuiu para a redução de um terço da pobreza no campo e para a melhoria social. De fato, segundo os pesquisadores Alexandre Valadares – que não é meu parente, mas eu o admiro – e Marcelo Galiza, nas famílias com ao menos um beneficiário são maiores as taxas de frequência escolar. A incidência do trabalho infantil é quase 50% menor.

    Outro indicador de melhoria de qualidade de vida é a redução do trabalho infantil nas famílias em que existe ao menos um beneficiário da previdência rural. Houve uma contínua redução da taxa nesses domicílios, caindo de 3,68%, em 1993, para 0,75%, em 2014. Os pesquisadores enfatizam o potencial redistributivo da previdência no campo.

    Eu estou aqui dizendo isso e quero reproduzir parte da conclusão desse estudo:

O sistema de aposentadorias rurais, do ponto de vista de seu imenso potencial redistributivo e de seu protagonismo no combate à pobreza no campo, deve ser reconhecido como um sistema de direitos fundamentais, exatamente nos termos em que a Constituição de 1988 projetou ao colocá-lo ao lado do direito à saúde e à assistência no quadro geral da seguridade social.

    E o retrocesso pode acontecer, porque, volto a salientar, será difícil para o agricultor manter a contribuição mensal, considerando que, se o trabalhador urbano tem salário, a renda do trabalhador rural depende da produção. E qual é a situação atual? O Nordeste enfrenta atualmente uma estiagem, como eu falei inicialmente, que alguns dizem ser a pior dos últimos cem anos.

    Em Sergipe, enfrentamos uma seca sem tréguas. Nossa produção é destaque no Nordeste e está distribuída entre pequenos, médios e grandes produtores. No meu Estado, a agricultura familiar ocupa mais de 80% da mão de obra no meio rural. É geração de emprego e sustento de mais de 220 mil pessoas, conforme o IBGE.

    Apesar da estiagem que assola e destrói expectativas, o trabalhador rural no Sergipe e no País permanece na sua missão, até por conta, é muito importante registrar, do apoio governamental. São incentivos e iniciativas essenciais para fixar o homem na terra e permitir que continue produzindo, como, por exemplo, o seguro safra e as obras de construção de sistemas de irrigação, entre outros.

    Os pequenos agricultores reconhecem o grande apoio do Estado à produção, mas temem que a mudança de regras não leve em consideração suas peculiaridades.

    Não vamos retroceder, colocando os nossos produtores em situação de fragilidade. Não podemos voltar a ser exportadores de mão de obra barata.

(Soa a campainha.)

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) – Não podemos viver com essa situação novamente.

    Se aprovada a mudança da aposentadoria rural, prevejo uma geração de jovens desestimulados em permanecer no campo, já que as chances de conseguirem cumprir a idade mínima serão pequenas. Vejo uma grande evasão para as cidades, o inchamento das grandes metrópoles e o abandono da pequena produção.

    E o que dizer dos efeitos da mudança na economia local? Hoje a economia de muitos Municípios depende da renda da aposentadoria dos trabalhadores rurais. São os mercadinhos, o pequeno comércio, que se mantêm graças ao giro do dinheiro dos aposentados.

    Estima-se, por baixo, que mais de 1,6 mil Municípios brasileiros têm na aposentadoria rural a base de sua receita. Em alguns casos, esses recursos são maiores do que o recebido pelo Fundo de Participação dos Municípios.

    Será que não estaremos sendo draconianos...

(Soa a campainha.)

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) – ... com a parte mais fraca dos nossos trabalhadores reforçando a desigualdade social neste País? Temos que nos debruçar sobre a questão. Esse debate precisa ser aprofundado. E faremos isso, aqui, neste Senado Federal.

    Há uma necessidade de fazer mudanças na previdência, sem dúvida. Mas do jeito que está, o projeto na Câmara não vai passar.

    É preciso considerar o sistema como um todo. Se há, entre as aposentadorias rurais especiais brechas para fraudes, vamos legislar e fiscalizar para evitar irregularidades. Não podemos, contudo, punir de forma generalizada, evitando que uma população já fragilizada e fundamental para a retomada do crescimento, que vive no campo, que trabalha pelo crescimento do País, pague sem distinção o custo da crise.

    O SR. PRESIDENTE (Cássio Cunha Lima. Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Senador Valadares, vou solicitar, encarecidamente, a V. Exª que possa concluir o pronunciamento. Eu vou lhe dar mais dois minutos, além dos três que já foram dados, o que será, na verdade, o dobro do tempo regimental. Outros oradores estão inscritos. Então, gentilmente, somos todos iguais aqui, mas eu tenho essa função, que não é das mais agradáveis, de regular o tempo da sessão.

    Conclua com dois minutos. Pode ser?

    Então, eu lhe concederei mais dois minutos para a conclusão de seu pronunciamento.

    Muito obrigado.

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) – Eu agradeço a V. Exª a sua cordialidade, a sua paciência e compreensão.

    Eu já havia terminado o texto do meu discurso, mas aproveito para dizer o seguinte: a reforma da previdência foi feita durante vários governos aos saltos, aos pedaços, mas algumas providências foram tomadas ao longo desses anos, reformas que foram iniciadas por Fernando Henrique Cardoso, passando por Lula e até pela própria Presidenta Dilma. E, agora, o Governo do Presidente Temer, numa ação, digamos, corajosa ou ambiciosa, resolve fazer uma reforma da previdência, a mais profunda possível. E, a meu ver, conforme já foi evidenciado pelo Presidente do nosso Partido, Carlos Siqueira, e pelo próprio Líder do nosso Partido aqui no Senado, Fernando Bezerra,...

(Soa a campainha.)

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) – ... Sr. Presidente, diretamente ao Presidente da República, há direitos consagrados na nossa Constituição, direitos em favor do trabalhador, do hipossuficiente, daqueles mais pobres, que são bandeiras defendidas ao longo da nossa História pelo nosso Partido.

    Eu tenho certeza absoluta de que o Governo deverá compreender a posição do nosso Partido, que, na sua grande maioria, apoia os projetos do Presidente da República, mas, em relação à Previdência Social, estamos estudando alternativas para melhorar o projeto e colocar as conquistas sociais que foram feitas ao longo da História em primeiro lugar.

    Agradeço a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2017 - Página 12