Discurso durante a 29ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre Proposta de Emenda à Constituição que extingue o foro por prerrogativa de função.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Comentários sobre Proposta de Emenda à Constituição que extingue o foro por prerrogativa de função.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2017 - Página 25
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • COMENTARIO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ASSUNTO, EXTINÇÃO, FORO ESPECIAL, PRERROGATIVA DE FUNÇÃO, OBJETIVO, COMBATE, CORRUPÇÃO, NECESSIDADE, AJUSTAMENTO, LEGISLAÇÃO, CONTROLE, CUMPRIMENTO, JUSTIÇA, OBJETO, LUTA, IMPUNIDADE, PERSEGUIÇÃO, POLITICA.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes que nos acompanham pela Rádio Senado, aqueles que nos acompanham pelas redes sociais, nós começamos a contar, a partir da tarde desta quarta-feira, o prazo de cinco sessões para a votação da proposta de emenda à Constituição que vai pôr fim ao foro especial, vulgarmente denominado foro privilegiado, para autoridades.

    É uma matéria extremamente simpática à larga maioria da população brasileira, que tem se manifestado por diversos meios, especialmente pelas redes sociais, para pedir apoio à extinção dessa previsão constitucional.

    O foro privilegiado é atualmente um guarda-chuva sob o qual estão não só Deputados Federais e Senadores, como muitos acreditam, mas cerca de 22 mil autoridades em todo o País, como governadores, magistrados e membros do Ministério Público. É preciso dizer que ele foi introduzido na Constituição cidadã de 1988 com o espírito principalmente de resguardar alguns agentes do Estado de eventuais perseguições políticas, muito comuns no regime militar que antecedeu a redemocratização. Mas parece ter perdido a sua finalidade, particularmente por não ser mais compreendido e aceito pela maioria dos brasileiros.

    Votei, na Comissão de Constituição e Justiça, pela aprovação do fim do foro especial. Assinei também o requerimento de regime de urgência para sua votação em plenário.

    Quero aqui fazer algumas considerações que me parecem pertinentes sobre esse tema. Em primeiro lugar, não podemos estreitar o debate, jogar para a plateia e utilizar um discurso demagógico para tratar de um assunto dessa natureza. O foro privilegiado, por si só, não pode ser associado à impunidade. A impunidade é algo que impera no nosso sistema judicial há muito tempo em todos os níveis, da primeira instância ao Supremo Tribunal Federal, seja porque há no Brasil uma imensa leniência em punir, seja porque a Justiça esbarra em uma série de obstáculos processuais e chega tardiamente, quando muitos crimes já estão prescritos. Então, não é apenas pondo um fim ao foro privilegiado que vamos acabar com a impunidade.

    Vejam, por exemplo, o caso do ex-Governador de Minas Gerais, ex-Deputado e Senador Eduardo Azeredo, considerado mentor do mensalão tucano. Condenado a 20 anos de prisão pelos crimes que, segundo a Justiça, cometeu, ele renunciou ao próprio mandato na Câmara Federal, com a finalidade de escapar do foro privilegiado. Ele queria deixar de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, porque sabia que seria condenado. E o que aconteceu? Com a sua renúncia, o caso foi mandado para a primeira instância, em Minas Gerais, passaram-se meses sem que um único juiz fosse designado a cuidar dele, e até hoje não chegou ao fim, havendo concretamente a possibilidade de que ele seja acolhido pela impunidade, pelo fato de os crimes prescreverem em breve.

    Por outro lado, aqueles que foram envolvidos e julgados na Ação Penal 470, o chamado mensalão, foram todos condenados com extrema velocidade pelo STF e, sentenciados, cumpriram e cumprem as penas que lhes foram atribuídas naquele mesmo foro privilegiado.

    De forma que não podemos simplesmente substituir o foro privilegiado pelo fórum privilegiado, onde alguém que é amigo do juiz e dos promotores ou procuradores, na primeira instância, vai empurrando com a barriga os processos a que responde, graças ao compadrio e às conveniências políticas arranjadas nas suas cidades ou nos seus Estados.

    Todos sabemos que governadores, por exemplo, nomeiam desembargadores, nomeiam o Procurador-Geral de Justiça, que guardam suas influências junto a eles, assim como prefeitos, como Parlamentares, como os juízes que são julgados pelos seus próprios pares.

    Então, não sejamos ingênuos em achar que o fim do foro privilegiado vai pôr fim à cultura de impunidade no Brasil. Vamos acabar com esse foro especial, mas vamos, também, ajustar os mecanismos legislativos e de controle necessários ao efetivo cumprimento da justiça, sem apadrinhamentos e compadrios, célere, mas com respeito aos ritos. Rui Barbosa nos ensinou que uma justiça tardia não é justiça, senão uma injustiça qualificada e manifesta.

    Da mesma maneira, não pode também o fim do foro privilegiado servir a que juízes e membros do Ministério Público – alguns cada vez mais imbuídos de um incompreensível espírito messiânico e tomados por um narcisismo absolutamente incompatível com a sobriedade que deveriam guardar como agentes do Estado – usem de suas funções para perseguir desafetos ou se autopromover, às custas do atropelo da lei e dos direitos e garantias assegurados aos cidadãos.

    O fim do foro especial não pode servir nem a uma coisa, nem a outra: nem ao privilégio de proteger aliados, nem à sanha de perseguir adversários. A Justiça e o Ministério Público, em todos os níveis, devem ser cegos a essas paixões, devem evitar ceder à espetacularização das suas ações, de transformá­las em eventos midiáticos, porque isso em nada contribui com o aperfeiçoamento da nossa democracia.

    E foi com esse espírito que, na reunião de Líderes, ontem, eu propus que, na chamada sessão temática que foi sugerida por um de nossos companheiros, para tratar sobre o tema antes da votação, que nós trouxéssemos aqui os representantes do Ministério Público, os representantes do Supremo Tribunal Federal, especialistas e vários outros que serão atingidos por essa mudança. Ou seja: nem o Senado, nem o Congresso Nacional podem fazer uma mudança tão ampla sem que todos aqueles abrangidos por esse instituto possam vir aqui se manifestar.

    E é nesse sentido que o Senado tomará essa importante decisão de colocar um fim ao foro especial, por acreditar que ele não se coaduna mais com os novos tempos, com a vontade e com aquilo a que os brasileiros aspiram dos seus representantes e do nosso País. E essa é uma responsabilidade...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... que deve ser assumida por todas as autoridades estatais.

    Espero, sinceramente, que esses bons ventos amainem a fogueira das vaidades, hoje muito comum, e sejam muito bem assimilados por todos os agentes públicos.

    Agradeço a V. Exª.

    O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) – Se possível, V. Exª poderia me conceder um aparte, com anuência do Presidente? 

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Com certeza, porque ainda me resta um tempo.

    O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) – Senador Humberto Costa, V. Exª se referiu a um tema, a um assunto da maior importância, que é a questão do foro privilegiado e, em cima disso, a questão do abuso de autoridade. Eu, inclusive, acho que são assuntos tão importantes, que eles devem ser considerados e debatidos em propostas diferentes e que não haja nenhuma ligação, na hora do voto, entre uma e outra proposta. 

(Soa a campainha.)

    O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) – O tema que foi ontem discutido aqui e aprovado pela própria Mesa, o foro de autoridade, é um tema quase consensual nesta Casa. V. Exª é favorável, como grande Líder que é nesta Casa, como um grande pensador. Eu também sou favorável ao fim do foro privilegiado. Quanto à questão do abuso de autoridade, que é um tema mais polêmico, isso deve ser visto com mais profundidade dentro da Comissão de Justiça, como já foi decidido aqui no Senado Federal. De forma que eu acho que juntar um tema consensual, como é o do fim do foro privilegiado, com um tema polêmico, como é o do abuso de autoridade, significa que nada vai mudar. Ou seja, é para se aproveitar da última proposta, que é o abuso de autoridade, para ajudar na aprovação da primeira proposta, que é o fim do foro privilegiado. Agradeço a V. Exª. 

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Agradeço o aparte de V. Exª e digo que também concordo com esse pensamento, mas entendo e acho que V. Exª compreende que esses dois assuntos são relevantes para serem objeto de votação, ainda que em momentos distintos, mas que sejam não tão distantes entre si.

    Muito obrigado, Sr. Presidente. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2017 - Página 25