Discurso durante a 29ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 21 de 2017, de relatoria de S. Exª, que amplia a proteção social a crianças e adolescentes vítimas de violência.

Comentário sobre a aprovação de Proposta de Emenda à Constituição 43, de 2012, acerca da proteção da mulher.

Autor
Marta Suplicy (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Defesa da aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 21 de 2017, de relatoria de S. Exª, que amplia a proteção social a crianças e adolescentes vítimas de violência.
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Comentário sobre a aprovação de Proposta de Emenda à Constituição 43, de 2012, acerca da proteção da mulher.
Aparteantes
Garibaldi Alves Filho.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2017 - Página 88
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI DA CAMARA (PLC), ASSUNTO, AMPLIAÇÃO, PROTEÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, TESTEMUNHA, VITIMA, VIOLENCIA, MOTIVO, SITUAÇÃO, NEGLIGENCIA, MAUS-TRATOS, ABANDONO, ABUSO SEXUAL, RESULTADO, PREJUIZO, SAUDE, DESENVOLVIMENTO, RELEVANCIA, INFANCIA, IMPORTANCIA, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, VIGILANCIA, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO, OBJETIVO, MELHORAMENTO.
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ASSUNTO, INCLUSÃO, MULHER, VITIMA, VIOLENCIA, BENEFICIARIO, POLITICA, ASSISTENCIA SOCIAL, NECESSIDADE, DESTAQUE, VOTAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, OBJETIVO, PROTEÇÃO, REINTEGRAÇÃO, SOCIEDADE.

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – No meu pronunciamento não vai haver nenhum aparte, não é? Está bem, então. Vou subir à tribuna. 

    Obrigada, Sr. Presidente.

    Antes, eu gostaria de parabenizar o Senador Renan Calheiros pela brilhante exposição sobre a exceção do Estado de direito que hoje estamos vivendo.

    Sou Relatora, na Comissão de Assuntos Sociais, do Projeto de Lei da Câmara nº 21, de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos de crianças e de adolescentes vítimas e testemunhas de violência. Esse projeto traz contribuições relevantes para o enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes: primeiro, caracteriza as modalidades de violência; segundo, delimita atribuições institucionais para o atendimento das vítimas; terceiro, prevê direitos e garantias específicos a crianças e a adolescentes, a vítimas e a testemunhas; quarto, prevê mecanismos e princípios de integração de políticas de atendimento, que poderão ser exigidos, inclusive judicialmente; quinto, aprofunda atribuições específicas entre saúde, assistência social e segurança pública.

    Há outros pontos igualmente relevantes no projeto, mas eu gostaria, a partir de agora, de me ater ao tema que originou esse projeto e que também me é muito caro: a violência contra crianças e contra adolescentes. Essa é a razão pela qual subo a esta tribuna para fazer uma reflexão.

    A violência contra crianças e contra adolescentes não tem fronteiras, não escolhe raça nem escolhe cor, não possui religião nem cultura; ela está presente em lares, em escolas, nas ruas, em lugares de trabalho e em centros de detenção. E os agressores? Eles vão desde uma criança ou de um adolescente, de uma babá ou um professor até um pai, uma mãe, um familiar. Infelizmente, até mesmo aqueles que conceberam a criança a maltratam. Esta é a nossa realidade.

    Falo de violência de forma generalizada, mas eu vou aqui discriminá-la para que todos tenham noção do que pode acontecer com as crianças em todo o mundo: elas são exploradas, são molestadas, são espancadas, sofrem negligência e abandono, sofrem abusos os mais variados e punições cruéis e humilhantes. Não é só no Brasil, isso ocorre no mundo.

    A título de exemplo, eu vou citar aqui um dado, que é brasileiro, do Disque 100, em 2015, que registrou 17.588 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, equivalentes a duas denúncias por hora. Foram 22.851 vítimas, 70% delas meninas.

    Além disso, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 11 minutos, uma pessoa é violentada sexualmente no País, e, de acordo com os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 70% das vítimas de violência sexual são crianças e adolescentes, e o crime é praticado por familiares ou pessoas próximas da família. Isso não pode continuar assim.

    Nenhuma nação está imune a essa realidade. Não há exceção, países ricos, países pobres, somos todos vulneráveis à violência contra criança e adolescente. Suas consequências são devastadoras: morte precoce ou cicatrizes físicas e emocionais, que raramente se apagam. Além disso, a violência contra criança e contra adolescente é, sem sombra de dúvida, uma das maiores ameaças ao desenvolvimento de qualquer nação.

    Um estudo publicado pela Revista da Associação Médica Brasileira afirma que experiências de violência ocorrida durante a infância poderão interferir de modo significativo no desenvolvimento futuro, produzindo transtornos mentais graves, déficit emocional, comportamento impulsivo, transtorno de hiperatividade, problemas de aprendizado escolar, bem como transtornos de conduta e abuso de substâncias psicoativas na adolescência. Como psicanalista que sou e que, durante anos, exerceu a profissão, atesto – dessa observação – a importância fundamental da primeira infância.

    Tema atual e de extrema importância, a violência contra crianças e contra adolescentes adquiriu proporções alarmantes, tornando-se um problema de saúde pública no Brasil. Aqui no Brasil, isso passa a merecer a maior atenção das autoridades competentes somente no final dos anos 1980, com a Constituição Federal em 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que foi promulgado em 1990. A legislação tornou obrigatória a notificação de casos suspeitos ou confirmados, prevendo penas para médicos, para professores e por responsáveis por estabelecimentos de saúde e educação que não notifiquem o caso.

    Segundo dados da Unicef, que são de 2009, o Brasil possui cerca de 24% de sua população na faixa etária entre 0 e 18 anos. Nota-se, então, que, aproximadamente, um quarto de nossa população necessita de um olhar diferenciado para se desenvolver plenamente e que, ao mesmo tempo, pode estar exposto à violência e à violação de direitos, precisando, portanto, de uma atenção especial de governos e da sociedade.

    Lamentavelmente, no Brasil, a violência contra crianças e contra adolescentes ainda é tolerada, é considerada normal. Uma das razões é que, por ser algo aparentemente tão comum, mas tão comum, tornou-se banal. Às vezes, você está em qualquer situação, seja num supermercado, seja numa feira, e vê um tapa numa criança. Estou falando de uma situação leve, para não se falar de abusos de que nós temos ciência e que são extremamente mais complicados e penosos.

    Outra razão para essa banalidade é que nós temos poucos dados confiáveis. Para fazer esse trabalho aqui, hoje, nós tentamos de várias maneiras. São pouquíssimos os dados de casos de como os jovens e as crianças brasileiras percebem o seu ambiente de segurança.

    A notificação dos casos de violência praticada contra crianças e contra adolescentes é extremamente deficitária. Isso dificulta imensamente a sua quantificação e, portanto, o conhecimento da real extensão do problema.

    Esse problema de "desinformação" – entre aspas – não é recente. Quando eu estava relatando, na Comissão de Direitos Humanos, o PLS 450, de 2013, que alterava o Estatuto da Criança e do Adolescente, eu me deparei com o mesmo problema. Eu pedi à consultoria da Casa que elaborasse uma nota técnica e que coletasse dados que nós não estávamos conseguindo ter. Foi aí que me defrontei com a verdade nua e crua: a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça disse não possuir compilações ou sínteses nacionais dos dados estaduais que eu havia pedido.

    A Unicef também corrobora esse fato, relatando-nos que, no Brasil, os sistemas de notificação e de informação sobre violência contra crianças e adolescentes são fracos e insuficientes. Contudo, sabe-se que 96% dos casos de violência física e 64% das notificações de abuso sexual contra crianças até seis anos são cometidos pelos próprios familiares. Esses dados são estarrecedores!

    Em 2014, foram realizadas 24.575 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes em todo o Brasil, segundo a Fundação Abrinq. Nem todos esses casos, contudo, foram revelados, pois envolvem sentimentos de medo, de vergonha e de culpa.

    Essa...

(Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) – Sr. Presidente, eu vou precisar de mais uns minutos para conseguir concluir.

    Essa falta de informação pode também estar diretamente relacionada à pouca relevância atribuída às crianças e aos adolescentes ao longo da história das sociedades. Até recentemente, sociedades concebiam crianças como seres limitados – eram vistas como pessoinhas que quase não tinham vontade própria. Depois, houve uma dita "evolução" social – muito entre aspas –, porque passaram considerar as crianças como adultos em miniatura. Então, podiam ser explorados sem limites.

    Atualmente, esse pensamento transformou-se, e esses pequenos seres humanos são considerados pessoas em desenvolvimento e com características próprias para as diferentes idades, com fragilidades e com necessidades...

    O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) – V. Exª me permite um aparte?

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) – Pois não, Senador Garibaldi. Com muita honra.

    O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) – Eu, na verdade, queria perguntar à Senadora Marta Suplicy, já que ela se aprofundou no tema, a respeito do Estatuto da Criança e do Adolescente. O que é que essa legislação tem feito pela criança e pelo adolescente?

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) – Isso vai precisar de outro estudo mais aprofundado, porque nós vamos precisar dos dados do que o ECA já conquistou. Eu acredito que muito foi conquistado. Se não tivéssemos o ECA, nós estaríamos numa situação de abandono absoluto. Nós não estamos, nós fizemos muitos progressos.

    Agora, quanto a essa situação que eu estou relatando da falta de números, o ECA também não fornece números. Então, nós temos um vazio enorme de informação, a não ser essas esparsas que nós estamos colocando aqui.

    Acredito que essa situação é uma das mais sérias que nós enfrentamos. Nós não podemos nos tornar uma Nação com essa situação de violência, não só de violência generalizada, de violência específica contra a mulher, como aqui, neste plenário, tem sido ressaltado inúmeras vezes, mas também de violência contra as crianças, sobre a qual nós falamos muito menos aqui – muito menos. É a violência de indefesos, que gera, depois, um tipo de transtorno de comportamento contra a sociedade e também uma enorme, gigantesca dor para a própria pessoa.

    Esse projeto que veio da Câmara e que vou relatar na CAS, para o qual estão pedindo urgência, é um projeto que gostaríamos todos de poder aprovar até o dia 6, quando ocorrerá a visita da Rainha Sílvia ao Brasil, uma das pioneiras na defesa de crianças e adolescentes. Infelizmente, o projeto não vai ser aprovado para sanção até lá, porque da CAS ele tem que ir para a CCJ. Parabenizo a Deputada Maria do Rosário, que teve enorme cuidado na elaboração desse projeto, que foi aprovado por unanimidade na Câmara. Eu acho que ele vai poder ajudar, principalmente as crianças. Quando elas são levadas para as oitivas, é uma verdadeira barbárie; elas falam com o juiz, depois são levadas para outro lugar, onde têm que repetir tudo, e, depois, têm que ir para outra oitiva, onde têm que repetir tudo. Isso não existe mais no mundo. Hoje, a primeira fala da criança abusada ou do adolescente é feita numa sala especial, onde tudo é filmado e enviado para outras instâncias, onde ela teria que se manifestar. Quem faz isso tem a ajuda de pessoas especializadas, inclusive de psicólogo, que sabem acomodar o tipo de pergunta feita a um adulto em situação de violência, violência sexual ou outro tipo de violência física, à criança, o que é feito de outra forma, para não traumatizá-la mais ainda.

    Continuando, o Estado brasileiro de hoje reconhece os direitos de crianças e de adolescentes, e a legislação vigente tem se mostrado mais a favor do que em períodos passados. Esse reconhecimento, contudo, claro, não é suficiente para garantir quase nada. Nós temos que avançar. No Legislativo, nós temos que fortalecer o arcabouço legal; na sociedade, a educação também e a vigilância permanente.

(Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) – Além da conscientização, os Executivos precisam estar atentos, nas cidades, nos Estados e no País, ao fortalecimento da rede de proteção social. Uma mulher espancada e filhos que apanham precisam de apoio material, locais para ficar, apoio psicológico, reinserção social. A própria questão da independência financeira da mulher é muitas vezes razão que poderia evitar grandes tragédias.

    Ainda sobre a questão da mulher e do amparo que o Estado pode lhe dar, eu lembro que o Senado aprovou, no ano passado, a Proposta de Emenda à Constituição 43, de 2012, de minha autoria, que inclui a mulher vítima de violência entre os beneficiários da política de assistência social estabelecida pela Constituição. Essa assistência já acolhe deficientes, crianças, adolescentes, idosos, mas havia deixado de fora a parcela da mulher que sofre violência. Espero que a Câmara dos Deputados dê celeridade e devida importância a essa PEC, que já foi aprovada numa comissão – lá tem que ter agora uma comissão especial.

    Eu gostaria de ressaltar também que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) aprovou, de forma unânime, a Resolução nº 163, que considera abusivas a publicidade e a comunicação mercadológica dirigidas a criança – pessoa de até 12 anos de idade, conforme art. 2º do ECA. Senador Garibaldi, já é fruto do ECA essa resolução que proíbe esse tipo de publicidade. Lembra que havia "um danoninho por um bifinho", coisas desse tipo? Também havia aquela propaganda ensandecida de coisas para as crianças comprarem, e as crianças enlouqueciam os pais pela vontade de comprar, porque estavam o dia inteiro nos programas infantis. Essa resolução conseguiu passar, já fruto de esforços do ECA, e definiu especificamente as características dessa prática, como o uso de linguagem infantil, de pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil vendendo produtos, de personagens ou apresentadores infantis, dentre outras. Temos de estar sempre alertas e reconhecermos que crianças e adolescentes são prioridade para o nosso País – deveriam ser, às vezes, são, mas é difícil, pois, na maioria das vezes, não são.

    Não podemos fechar os olhos para essas questões de violência contra crianças e contra adolescentes, mesmo em tempos de crise econômica. O orçamento de proteção às mulheres, em políticas públicas, é relativamente pequeno para ser suprimido. E, no caso das crianças e adolescentes, também a integração com a escola com acompanhamento social seria bem capaz de resolver em parte os problemas. Professores mais bem capacitados e com apoio também poderiam fazer muito.

    Eu tive a oportunidade de ter alguns encontros com a ex-Secretária de Educação do Rio de Janeiro Cláudia Costin, na época do ex-Prefeito Paes, e fiquei muito impressionada com as experiências bem-sucedidas na área de educação, quando colocaram pessoas dentro das escolas, professores com mais sensibilidade, adequados para aquela função, que iam como antenas detectando as crianças que estavam ou perturbando muito a sala de aula ou sendo muito tímidas, não conseguindo se relacionar, sempre com alguns sintomas que são ou de abuso sexual ou de abandono. E conseguiam acompanhar essas crianças, como prioridade para aquela professora destinada para isso, e resgatá-las. E muitas eram, com esse acompanhamento e visitas nas casas, crianças de rua, crianças que não tinham nem pai nem mãe.

    Aí lembrei de um assassinato que houve de dois meninos, em São Paulo, que estavam com marginais, e iam para a escola, saíam da escola – a mãe estava presa e o pai estava preso, as crianças estavam ao léu. E isso tem na escola. O que nós não temos é uma direção para essas escolas, que têm que fazer alguma coisa com essas crianças e têm que ter um encaminhamento, porque se nós formos ver também os conselhos tutelares, estão completamente abandonados: não têm carro, não têm telefone, não têm verba para atuar.

    Então, são preocupações que nós deixamos de lado, porque nós falamos da crise, dos assuntos econômicos,...

(Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) – ... de tanta coisa importante, inclusive tanto da mulher. E nós temos relegado a questão da criança e do adolescente. Na escola é sempre possível você poder fazer essa valorização do trabalho do professor e obter resultados fantásticos.

    Eu não poderia encerrar esse meu pronunciamento sem deixar de voltar a falar sobre o PLC 21, que vai ser debatido na CAS, acho que vai ser dia 5 de abril, que é de autoria da Deputada Maria do Carmo e outros, da Câmara, e que foi aprovado lá por unanimidade.

    Eu peço a todos os meus pares que, nesta Casa, nós façamos o mesmo. Muito obrigada.

    E obrigada, Sr. Presidente Elmano, pelos minutos a mais.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2017 - Página 88