Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao foro especial por prerrogativa de função em casos de crimes comuns.

Autor
Alvaro Dias (PV - Partido Verde/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
  • Críticas ao foro especial por prerrogativa de função em casos de crimes comuns.
Aparteantes
Ana Amélia, Reguffe.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2017 - Página 32
Assunto
Outros > CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Indexação
  • CRITICA, FORO ESPECIAL, PRERROGATIVA DE FUNÇÃO, HIPOTESE, CRIME COMUM, MOTIVO, AUSENCIA, APLICAÇÃO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, IGUALDADE, DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, AUMENTO, CORRUPÇÃO, ENFASE, DESCUMPRIMENTO, TRATADO, AMBITO INTERNACIONAL, DEFESA, APROVAÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ASSUNTO, EXTINÇÃO, PRIVILEGIO.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, relembro aqui o art. 5º da Constituição Federal: Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

    Diz o art. 5º da Constituição:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"

    Portanto, somos todos iguais perante a lei. É o que institui a Constituição promulgada por Ulysses Guimarães no dia 5 de outubro de 1988, quando se celebrou o reencontro da Nação brasileira com o Estado de direito democrático.

    Mas há um equívoco nessa Constituição. Esse equívoco contraria frontalmente o art. 5º. O equívoco é o foro privilegiado das autoridades. Se somos todos iguais perante a lei, como justificar a existência desse privilégio? Privilégio que alcança, é bom repetir, mais de 37 mil autoridades no País.

    O que devemos fazer? Extirpar da Constituição esse privilégio ou o art. 5º e assumir que não somos todos iguais perante a lei? Ou extirpamos da Constituição o dispositivo que assegura o foro privilegiado, que denominaram de foro por prerrogativa de função, ou rasgamos a Constituição Federal.

    Nós a rasgamos, na prática, todos os dias, por permitirmos a existência desse privilégio, colocando brasileiros num pedestal para que olhem, de cima para baixo, milhões de cidadãos que constroem a grandeza deste País.

    Nós já dissemos, várias vezes, que será um avanço civilizatório o fim do foro privilegiado. E não há dúvida de que isso ocorrerá, já que o Senado Federal está diante da responsabilidade de atender as expectativas desta Nação.

    É verdade que há aqui uma tentativa de apresentação de emendas que podem desfigurar a proposta original, preservando o privilégio. Há a tentativa de transferir o endereço do privilégio do Supremo Tribunal Federal para a denominada Vara Especial.

    O que estamos presenciando é que esse tratamento desigual, essa sensação de liberdade no exercício de suas funções e de seus interesses, que sempre se pretendeu garantir às autoridades e aos Parlamentares, não deu bom resultado em nosso sistema político-jurídico.

    Se há constrangimento para qualquer autoridade a existência de um privilégio, nesse caso, o constrangimento deve ser maior aos Parlamentares, já que somos os responsáveis pela legislação vigente no País.

    Se nós conferimos à Nação uma Justiça que queremos seja a Justiça de todos, menos a nossa Justiça, é porque não acreditamos ser esta a Justiça adequada. Nós queremos uma Justiça para todos, menos para nós. Com que autoridade deveremos defender a existência de uma Justiça que atenda a todos menos a nós?

    É evidente que essa não é a única, mas, seguramente, é uma das principais causas pelo aprofundamento sem limites da corrupção no universo do relacionamento entre o público e o privado. Tornou-se uma praga para a República. Inclusive, cabe ressaltar que, pela composição manifestamente politizada decorrente do processo de indicação e aprovação de seus membros, os tribunais superiores não podem ser indicados, sem contestações, como os órgãos mais imparciais e independentes.

    Quando alega-se que há o risco da perseguição política no julgamento em primeira instância, a lógica seria alegar que há risco de perseguição política no julgamento em instância superior, já que os magistrados dos tribunais superiores são indicados politicamente.

    Outra questão que tem de ser lembrada: a Constituição Federal esposa o princípio da igualdade perante a lei e a garantia do duplo grau de jurisdição, e a manutenção do foro privilegiado não justifica a ruptura desses princípios, não justifica a fragmentação da hermenêutica constitucional.

    No caso do duplo grau de jurisdição, a situação é ainda mais grave, pois, além de fragmentar a interpretação de princípios constitucionais, impede que se cumpra tratado internacional.

    E é esse o ponto que quero destacar: nós estamos descumprindo tratado internacional. Por meio do Decreto 592, de julho de 92, o Governo brasileiro promulgou o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, para ser executado e cumprido inteiramente como ele se contém. No texto do pacto, os arts. 2º e 9º impõem a observância do duplo grau de jurisdição. Como o pacto foi assinado sem reservas, resta claro que o Governo brasileiro não se atentou para o fato de que não pode cumprir inteiramente o que exige o tratado internacional para o qual depositou Carta de Adesão.

    Temos, portanto, uma tensão entre a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição e o cumprimento do tratado internacional, com a manutenção do instituto do foro privilegiado.

    Devemos, sim, na atualidade, colocar em questão o fim do foro privilegiado. Não encontramos mais justificativas plausíveis para dar guarida a esse instituto em uma sociedade do século XXI. E repito: contrariando o tratado internacional celebrado pelo nosso País.

    Eu concedo à Senadora Ana Amélia o aparte que solicita, com satisfação, já que a Senadora gaúcha tem sido artífice nessa luta contra esse privilégio de autoridades.

    A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – Sr. Presidente Cássio Cunha Lima, eu queria apenas, Senador Alvaro Dias, congratular-me com a manifestação de V. Exª. Este tema está junto com as outras providências que nesta Casa também estamos debatendo, que têm igual risco e igual relevância, que é a Lei do Abuso de Autoridade, o PLS 280, que está em discussão na CCJ. Esta matéria V. Exª vem trabalhando há muito tempo, é o autor do projeto, cujo Relator é o Senador Randolfe Rodrigues, e nós temos, de fato, de cumprir os acordos internacionais, como V. Exª muito bem referiu. Então, eu agradeço a gentileza deste aparte, que é apenas para reafirmar o meu apoio a esta causa tão bem defendida por V. Exª.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – Muito obrigado, Senadora Ana Amélia.

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – E, certamente, Senadores e Senadoras como V. Exª assumirão a responsabilidade desse julgamento com a manutenção dos termos originais dessa proposta, que pode ser considerada uma proposta radical, porque elimina o privilégio para qualquer autoridade no País, mas é o que nos resta fazer.

    O ex-Ministro Velloso afirmou, falando a verdade nua e crua, que, se nós queremos mudar as regras do foro privilegiado, devemos acabar com ele e não instituir outras alternativas que o representem, e não buscar alternativas que signifiquem apenas a mudança de endereço do privilégio.

    Sabemos que estamos vivendo uma experiência traumática da nossa democracia, que não está conseguindo resolver nossos problemas econômicos e políticos. Não podemos ignorar que, em regra, a alternativa mais próxima para uma democracia frágil é a formação de um Estado autoritário. Sempre que as liberdades afrontam os limites, a história ensina que o povo convoca o tirano para restabelecer a ordem. No caso do Brasil, o abuso das liberdades, especialmente por parte da classe política, já afrontou todos os limites toleráveis pela população.

    Não é porque a população não saiu em massa às ruas na última manifestação que os políticos podem fazer a leitura de que foram absolvidos. O povo pode sempre retornar às ruas.

    Eu concedo, com satisfação, um aparte ao Senador Reguffe, que tem reiterado desta tribuna a sua posição...

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – ... favorável ao fim do foro privilegiado.

    O Sr. Reguffe (S/Partido - DF) – Obrigado, Senador Alvaro Dias. Eu parabenizo V. Exª pelo pronunciamento. E eu quero reiterar, mais uma vez, que o meu voto aqui, como representante da população do Distrito Federal, será favorável ao projeto original de V. Exª, que acaba com foro privilegiado, com foro por prerrogativa de função para todos os cargos. Eu considero que o foro, como nós temos hoje no Brasil, é apenas fermento e instrumento da enorme impunidade que temos neste País. Os Estados Unidos, a França, a Alemanha, a Itália não têm foro por prerrogativa de função para Parlamentares. A Inglaterra, a Argentina e o Chile não têm foro para ninguém, não têm foro por prerrogativa de função para nenhum cargo, exatamente como V. Exª está propondo na sua proposta de emenda à Constituição. Então, penso que nós temos que aprovar aqui o projeto na forma como V. Exª apresentou, o projeto original de V. Exª, que trata todos os brasileiros de forma igual perante a Justiça e acaba com o foro por prerrogativa de função para todos os cargos, para que todos os brasileiros...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Reguffe (S/Partido - DF) – ... tenham tratamento igual perante a Justiça brasileira. Então, este será o meu voto aqui: pelo fim do foro privilegiado, do foro por prerrogativa de função para todos os cargos. Acho que esse é o caminho. Poderia haver até uma discussão sobre o Chefe de Estado ter, mas eu considero que a melhor proposta é a de V. Exª, que trata todos os brasileiros de forma igual e acaba com o foro para todos os cargos.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – Muito obrigado, Senador Reguffe. Apoio de liderança de alta credibilidade como V. Exª é fundamental para aumentar a pressão popular sobre um projeto dessa natureza, que, aprovado e promulgado, certamente estabelecerá o marco de um novo rumo para a Justiça brasileira. No dia em que esse projeto estiver sendo aprovado, e a lei, promulgada, reformando a nossa Constituição, nós poderemos afirmar: está nascendo uma nova Justiça no nosso País.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2017 - Página 32