Discurso durante a 39ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão especial destinada a comemorar o lançamento da Campanha da Fraternidade de 2017.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão especial destinada a comemorar o lançamento da Campanha da Fraternidade de 2017.
Publicação
Publicação no DSF de 07/04/2017 - Página 12
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, OBJETIVO, COMEMORAÇÃO, LANÇAMENTO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Bom dia a cada uma e a cada um presente.

    Eu quero cumprimentar muito especialmente a Senadora Regina Sousa, que teve a iniciativa de fazer esta sessão, e eu quero parabenizar a fala que fez para nós – eu ouvi uma parte pela rádio e uma parte aqui.

    Quero cumprimentar o Revmo Sr. D. Marcony Vinícius Ferreira, o Rev. Sr. Padre Luis Fernando da Silva, o Prof. Ivo Poletto, o Núncio Apostólico e os Srs. Embaixadores aqui presentes.

    Quando a gente olha a história dos grandes movimentos acontecidos no mundo, creio que dá para dizer que nenhum teve um slogan tão revolucionário e progressista quanto a Revolução Francesa, quando falou em igualdade, liberdade e fraternidade. Eu costumo dizer que não precisavam usar três palavras, pois bastava dizer fraternidade ou até repetir fraternidade, fraternidade, fraternidade.

    A fraternidade leva à igualdade.

    A fraternidade é uma prática que vem com a liberdade. Por isso a importância da escolha da CNBB do tema da fraternidade, especialmente sobre os biomas, os nossos jardins. As pessoas ficam sem saber direito o que é bioma. Bioma é um jardim, um jardim natural e grande. E o progresso não gosta de jardim. É uma tendência que a gente vê do progresso dos últimos 200 anos: os jardins são desfeitos, jardins no sentido metafórico, geral, das plantas no estado natural.

    Fico muito satisfeito, porque, mesmo que aquela Revolução Francesa tivesse feito fraternidade, fraternidade, fraternidade, seria a fraternidade entre as pessoas da geração vigente. E nós precisamos, nos tempos de hoje, em que o homem adquiriu o poder de transformar a natureza inteira, que botaram até o nome de antropoceno, a era do poder do homem para mudar a própria geologia e não só a biologia, nesse tempo nós precisamos pensar, refletir e adotar a fraternidade intergeracional. E essa é uma novidade dos nossos tempos. Até pouco tempo não era preciso pensar em fraternidade entre gerações. A fraternidade era intrageração. Hoje, sem uma fraternidade intergeracional, nós não temos como deixar um Planeta melhor para os nossos descendentes.

    Nesse sentido, entre os líderes mundiais, o único eu diria que captou essa ideia foi o Papa Francisco. Temos muitos intelectuais, até ex-Presidentes que se dedicam a essa preocupação, mas é o Para Francisco, entre os líderes que nós temos em atividade, o único que deixa com clareza a mensagem da necessidade de uma fraternidade intergeracional.

    Essa fraternidade intergeracional exige um respeito muito grande, um cuidado muito grande com a natureza, que é a mãe aonde nós todos caminhamos, é a mãe de cujo útero nós não saímos, nem depois de mortos. Então, é preciso zelar por ela, mas é preciso pensar também por que nós precisamos nos preocupar com isso. Onde está a raiz dessa preocupação? Está num conceito de progresso que é destruidor da natureza por uma razão muito simples: tem por propósito atender à voracidade do consumo. É essa voracidade que leva à destruição dos nossos biomas, das nossas florestas. É essa ânsia de transformar as pedras, as plantas e os animais em produtos para o consumo dos homens.

    Se nós não fizermos a revolução cultural mental, mais do que cultural, de entender que os homens não existem para consumir o que produzem, que o propósito da existência de uma pessoa e da sociedade onde ela está é transformar com a máxima velocidade possível, para aumentar o tal Produto Interno Bruto, as pedras, as plantas e os animais em produtos, se não fizermos essa revolução, a fraternidade intergeracional não virá.

    Nós vamos precisar disso. Por isso a importância do tema que foi escolhido: a fraternidade zelando pelos biomas.

    Mas há outra também. É preciso que despertemos – e não é hoje, não é aqui, não é neste ano – a intergeracional entre as pessoas de uma geração para outra, porque muitas vezes nós nos apegamos ao consumo nosso, hoje, através da renda que cada um quer ter, o maior possível, sem perceber que para aumentar R$1,00 na renda de alguém tem que diminuir R$1,00 da renda de alguém, a não ser que aumente o Produto Interno Bruto e a renda de todos, o que destrói a natureza. Há uma contradição aí dentro: ou a gente destrói a natureza, para todo mundo enriquecer, ou, se queremos um equilíbrio ecológico, é preciso entender que alguns têm que abrir mão da sua renda, do seu padrão de consumo, para que outros cheguem a um padrão de consumo satisfatório, e não destrutivo.

    Hoje nós esquecemos isso por uma razão direta e uma indireta. A direta é o individualismo, que também é um produto dos tempos de hoje, maior do que no período em que ele surge, que é o período do Iluminismo, quando surge a ideia do indivíduo e não do clã, da família, da coletividade. Então, um é o individualismo. E o outro é o individualismo disfarçado pelo corporativismo, que é uma forma de individualismo, só que em vez de só para mim, eu e o meu grupo.

    Essa visão da sociedade baseada no individualismo e sua realização plena ou no corporativismo, com uma realização plena de cada indivíduo combinando com os que estão ao seu redor, como é que eles abocanham o máximo, essa visão tem que ser rompida em nome de uma solidariedade mais ampla do que cada grupo, só a família, só a corporação. Até mesmo – e aqui algo que torna quase impossível o exercício político democrático –, até mesmo a Nação tem que ser analisada levando em conta o conjunto da humanidade.

    O nacionalismo que surge hoje no mundo, que constrói muros, como nos Estados Unidos, que usa o Mediterrâneo, como a Europa, esse nacionalismo não permite a fraternidade plena intergeracional, mesmo que as gerações contemporâneas... Quando fala da necessidade do equilíbrio ecológico, a gente está pensando nas gerações não contemporâneas, dos futuros seres humanos, mas há uma fraternidade intergeracional contemporânea, nós com as crianças. As crianças são contemporâneas nossas, mas não são da nossa geração.

    O que se vê hoje é o surgimento de um nacionalismo antifraternidade, que impede imigrantes de entrar, por conta do Mediterrâneo geográfico. Mas e os "mediterrâneos" invisíveis ao redor das casas nossas? E os "mediterrâneos" invisíveis ao redor dos hospitais que atendem a quem pode pagar? E os "mediterrâneos" invisíveis ao redor das escolas boas? Estamos cheios de "mediterrâneos" invisíveis. Por isso a gente nem vê. Por isso nos acostumamos com eles, tanto quanto a Europa geográfica se acostumou...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – ... com o Mediterrâneo geográfico, que impede a entrada dos povos do mundo que querem ali entrar.

    É preciso que a fraternidade leve a uma luta contra os "mediterrâneos" invisíveis e contra os muros visíveis que estão sendo construídos entre países e que nós construímos ao redor das nossas casas, dos nossos hospitais. Eu digo nós, as classes médias e abastadas do mundo inteiro.

    Nesse momento da fraternidade em que discutimos o bioma, eu queria chamar a atenção disso: nós precisamos fortalecer a ideia da fraternidade intergeracional, inclusive dentro do mundo contemporâneo, entre nós e as crianças, o que exige certos equilíbrios, eliminação dos desperdícios e equilíbrio nos nossos gastos.

    Não é possível ser solidário...

(Interrupção do som.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – ... não é possível ser fraterno sem abrir mão de alguma coisa. A fraternidade, você sai mais rico dela, não pelo que distribui, pelo que perde, mas pelo que adquire ao distribuir. É outra dimensão do ganho, diferente da dimensão da doação. A fraternidade exige uma doação que, no caso nosso, da nossa geração, é sairmos dessa visão de que o progresso é o consumo. O consumo exige renda, a renda vem da produção cada vez maior. Vamos quebrar esse mundo sem fraternidade, pelo egoísmo, o individualismo, o produtivismo e o consumismo a que nos acostumamos, e tentar entrar num mundo diferente.

    Eu fico feliz porque se alguém tem falado, com outras palavras que sejam, contra os "mediterrâneos" visíveis e invisíveis...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – ...é o Papa Francisco. Por isso a nossa homenagem a esse grande líder do mundo, não apenas dos católicos, que está trazendo uma visão nova de que basta fraternidade, fraternidade, fraternidade não só entre nós, da nossa geração, incluindo-se aí as crianças, mas também das gerações futuras.

    Por isso que fiz questão de vir aqui, Senadora Regina, aproveitando para saudar o Gilberto, que está ali, nosso grande amigo. Fiz questão de vir para dizer que este é o tema: como ser fraterno num mundo em que os homens têm o poder de destruir a natureza, apropriando-se dela e sacrificando as futuras gerações. Os biomas representam isso, representam os jardins do mundo destruídos pelo progresso insano dos últimos dois séculos.

    Muito obrigado, Senadora.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/04/2017 - Página 12