Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à atuação das empresas aéreas brasileiras e da Agência Nacional de Aviação Civil.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRANSPORTE:
  • Críticas à atuação das empresas aéreas brasileiras e da Agência Nacional de Aviação Civil.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2017 - Página 231
Assunto
Outros > TRANSPORTE
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, EMPRESA DE TRANSPORTE AEREO, AGENCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC), MOTIVO, MANIPULAÇÃO, PREÇO, PASSAGEM AEREA, FALTA, OPÇÃO, HORARIO, VOO, COBRANÇA, BAGAGEM, OCORRENCIA, VIOLAÇÃO, CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ENFASE, EXISTENCIA, OLIGOPOLIO, INTERESSE ECONOMICO, AGENCIA REGULADORA.

  SENADO FEDERAL SF -

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DISCURSO ENCAMINHADO À PUBLICAÇÃO, NA FORMA DO DISPOSTO NO ART. 203 DO REGIMENTO INTERNO.

    A SRª ÂNGELA PORTELA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o oligopólio das empresas aéreas brasileiras, aliado à ação do órgão que deveria fiscalizá-la, a Agência Nacional da Aviação Civil, passou a criar constrangimentos cada vez maiores aos consumidores brasileiros.

    Esses constrangimentos acumulam-se ao longo dos anos. Manifestam-se na manipulação dos preços das passagens aéreas, alavancados em períodos de alta demanda como os feriados de final de ano.

    Manifestam-se na adoção de frequências de voos pautadas não pelas necessidades dos usuários, mas pela busca de rentabilidade. É por isso que regiões inteiras se veem condenadas à escassez de voos e a horários absurdos, ditados pela imposição de malha aérea que levam em conta apenas a lucratividade das empresas.

    O transporte aéreo é um serviço público. Sim, estamos em regime capitalista o que significa que as empresas operadoras devem perseguir sua viabilidade econômica. Nem por isso essa busca pode ignorar as necessidades dos cidadãos ou o papel da mobilidade na integração nacional.

    Para a adequação do transporte aéreo a seu papel social, o que inclui a defesa do consumidor, criou-se a Agência Nacional da Aviação Civil.

    Diz a lei que a criou em 2005, a de número 11.182, que cabe à ANAC adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infraestrutura aeronáutica e aeroportuária do País. Destaco: atendimento do interesse público.

    Por isso mesmo figura, entre suas competências fixadas no artigo 8º da lei, “reprimir infrações à legislação, inclusive quanto aos direitos dos usuários”. e nesse sentido “aplicar as sanções cabíveis”. Não é, absolutamente, o que vemos, antes muito pelo contrário.

    A busca de rentabilidade pelo oligopólio que hoje domina o transporte aéreo brasileiro impôs frequências absurdas aos voos que atendem a Região Norte.

    Há capitais de estados que só podem contar com voos que partem na alta madrugada. Isso significa que para se viajar para outras regiões do País é necessário submeter-se a toda uma noite em claro. Só assim é possível viajar.

    Seria difícil imaginar desrespeito maior ao consumidor brasileiro, ao usuário do transporte aéreo nacional.

    O desrespeito da ANAC aos consumidores e sua submissão aos designíos do duopólio que controla a aviação comercial brasileira teve seu ponto mais visível na decisão de permitir a cobrança pelo despacho de bagagem.

    O absurdo da medida é de tal ordem que, de imediato, o Judiciário a suspendeu. A sentença mostra que os passageiros de companhias aéreas não podem ser obrigados a pagar, além da passagem, pelo despacho de malas, pois não há cálculo que prove que não despachar bagagem reduz os custos do voo, ao contrário do que alega a ANAC.

    Além disso, a cobrança não faz sentido, uma vez que alguns itens precisam ser despachados obrigatoriamente. Ponderou o juiz José Henrique Prescendo, da 22ª Vara Cível Federal de São Paulo, que a cobrança extra por bagagens despachadas afeta o consumidor, a parte mais vulnerável da relação.

    O papel de defender o consumidor, que competiria à ANAC, acabou desempenhado pelo juiz.

    Ele demonstrou: “Não existem parâmetros seguros que permitam calcular os percentuais que correspondem ao custo do transporte do passageiro e ao custo do transporte da bagagem, que impossibilitem uma cobrança separada, sem prejuízo para o consumidor, o que o torna vulnerável a eventuais práticas abusivas por parte das grandes companhias aéreas brasileiras, que dominam o mercado”, diz o julgador na decisão.

    O irônico é que a ANAC justificou a mudança alegando que seria proporcionada uma redução de preços das passagens, mas não há nenhuma garantia de que isso realmente aconteça.

    O Ministério Público Federal e a Ordem dos Advogados do Brasil questionaram a medida, afirmando que as alterações desequilibram a relação de consumo.

    Há assim uma violação do Código de Defesa do Consumidor, por se estar retirando uma prestação de serviço sem que se retire concomitantemente a contrapartida, o que agride também a Constituição. art 170, inciso V.

    Esse desequilíbrio foi citado pelo juiz federal na decisão mais de uma vez. Segundo o juiz Prescendo, a ANAC, ao tomar tal atitude, descumpriu sua função reguladora como integrante do Executivo, que é defender o interesse dos consumidores.

    O juiz federal destaca que a agência não pode “editar resolução que ignore esse dever do Estado, cuja eficácia presume a existência de normas que assegurem ao consumidor um mínimo de direitos que não dependam das boas intenções dos fornecedores ou prestadores de serviços”.

    O juiz federal também questionou se há informações que comprovem o suposto barateamento das passagens aéreas. Para o magistrado, condicionar um serviço adicional o despacho da bagagem é uma espécie de venda casada, prática proibida pelo artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor.

    O presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia, comemorou a decisão, afirmando que esse entendimento só reforça que o argumento pelo barateamento das passagens aéreas é uma "falácia". Parecer técnico da OAB divulgado no fim do ano passado mostrou ser falso o argumento de quem afirma que os preços das passagens cairão em decorrência da nova fonte de arrecadação.

    O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil denunciou justamente o quadro que aqui estou apresentando. Disse, textualmente:

    "A agência reguladora da aviação civil deveria defender os interesses da sociedade e fiscalizar o setor aéreo. Mas, o que vemos, é a agência atuando em favor das empresas e contra os consumidores".

    Alega-se que a cobrança de bagagem separado da passagem por companhias aéreas é prática corriqueira na maioria dos países e que isto não trouxe qualquer prejuízo ao consumidor. Ao contrário, permite que as empresas utilizem várias alternativas para atraí-lo, criando ‘nichos’ de mercado com preços mais interessantes.

    Pode até ser verdade. Mas vale apenas para países em que existe competitividade no setor aéreo. Lá, sim, pode-se falar em “nichos de mercado”. Não no mercado brasileiro, controlado por duas ou três empresas.

    O que se verifica, portanto, é uma combinação tóxica. Temos um oligopólio que controla preços e frequências aéreas. E temos uma agência que deveria regular o setor e defender o consumidor, mas se alia às empresas em detrimento dos interesses nacionais.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2017 - Página 231