Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca da Campanha da Fraternidade 2017.

Autor
Hélio José (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Hélio José da Silva Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
RELIGIÃO:
  • Considerações acerca da Campanha da Fraternidade 2017.
Publicação
Publicação no DSF de 07/04/2017 - Página 66
Assunto
Outros > RELIGIÃO
Indexação
  • ANALISE, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, AUTORIA, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), OBJETO, PRESERVAÇÃO, BIOMA, DEFESA, MEIO AMBIENTE, EQUILIBRIO ECOLOGICO.

  SENADO FEDERAL SF -

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06/04/2017


    O SR. HÉLIO JOSÉ (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, prezados convidados e convidadas e todas as pessoas que nos acompanham pelos sistemas de comunicação do Senado Federal.

    Iniciada a quaresma, um dia após a Quarta-Feira de Cinzas, temos outra tradição, após o Carnaval. Essa outra tradição é menos festeira e mais reflexiva que o Carnaval, mas aponta para a necessidade de uma movimentação da sociedade em igual intensidade. Trata-se da Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). E como nos ensina dom Leonardo Ulrich Steiner, bispo auxiliar de Brasília e secretário-geral da CNBB, "a Quaresma é um tempo precioso da vida da Igreja, das comunidades, mas também da vida da pessoa". O papa Francisco ressaltou que a iniciativa é "um convite a viver com mais consciência e determinação a espiritualidade pascal".

    Desde 1964, essas campanhas têm servido não apenas para despertar a comunidade católica brasileira para os temas e lemas anuais, mas, também, para alertar para questões que extrapolam a dimensão confessional. Católicos de todos os ritos, cristãos de todas as formas de congregação, religiões de matriz africana ou indígena e também os humanistas são também chamados, pois há uma dimensão ecumênica que tem sido ressaltada e elevada a cada ano que passa.

    Na primeira fase, na década de 1960, houve uma dimensão - digamos assim - mais voltada para dentro da própria instituição. Os temas e lemas foram, respectivamente, Igreja em Renovação e Você também é Igreja, em 1964; Paróquia em Renovação e Faça de sua paróquia uma comunidade de fé, culto e amor, em 1965.

    A dimensão profética, que se manifesta na Doutrina Social da Igreja, ganhou a compreensão do pecado como injustiça social e violência contra os fracos e oprimidos a partir do Concílio Vaticano Segundo. A Igreja se aproximou dos oprimidos e a caridade incorporou o sentido da responsabilidade política de libertação.

    Recordo muito bem, na condição de militante dos movimentos sociais e de trabalhadores, do quanto as campanhas da fraternidade nos auxiliavam, os lutadores pela liberdade, a encontrar mais respaldo em nossas demandas trabalhistas e políticas. Em 1985, por exemplo: Fraternidade e Fome, como tema; e Pão para quem tem fome, como lema. Na mesma tônica, no ano seguinte, Fraternidade e Terra, como tema; e Terra de Deus, Terra de irmãos, como lema. Em minha condição de sindicalista, uma campanha como a de 1991 foi fundamental para o reforço das posições dos trabalhadores frente à onda neoliberal de então: A Fraternidade e o Mundo do Trabalho, como tema; e Solidários na dignidade do Trabalho, como lema.

    

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Definitivamente, Srªs e Srs. Senadores, não há como desconsiderar a afinidade entre a CNBB e os movimentos sociais mais libertários brasileiros, nos últimos 50 anos. E isso tem ocorrido em função das campanhas da fraternidade, principalmente. Uma campanha que se firma na Quaresma, mas a ultrapassa, movimentando as juventudes escolares e trabalhistas, as comunidades cristãs, os movimentos sociais e os acampamentos de sem terras. Uma chama de esperança que expressa na reflexão coletiva e orienta todos os cristãs a buscarem o lado dos oprimidos.

    O tema deste ano é Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida; e o lema, Cultivar e guardar a criação, numa citação do Gênesis.

    Não poderíamos imaginar uma proposição mais atual, tendo em vista a necessidade de defendermos os nossos biomas contra o uso predatório. Nossas sociedades estão abusando da Natureza. Nossas economias que visam ao lucro imediato e a qualquer custo já estão mudando o clima do planeta. O aquecimento global irá aumentar a fome e a pobreza, mas pouco se fez até agora para evitar a catástrofe anunciada pelos cientistas.

    Srªs e Srs. Senadores, defendo o uso sustentável de nossos biomas. Não o seu isolamento, sem possibilidades de intervenção humana. Isso não seria sábio. O que temos que parar imediatamente é com o uso predatório e acabar com o endeusamento do dinheiro e do consumo. Transformaram o dinheiro em um deus que exige sempre e sempre mais veneração e subordinação, à custa da extinção de espécies animais e vegetais, à custa de guerras para conquista de minerais estratégicos e à custa da escravização de milhões de trabalhadores pelo mundo afora para que os mercados de roupas, telefones celulares e outras mercadorias prosperem vendendo produtos baratos.

    A natureza existe para o bem-estar do Planeta. Incluindo o nosso, o dos humanos.

    O dom do livre arbítrio significa que podemos, com inteligência, alterar nossos comportamentos. Podemos mudar o rumo das coisas e parar de destruir.

    Nós sabemos que, apesar dos mais de 500 anos de ocupação, a maior biodiversidade da América do Sul ainda é a da Mata Atlântica. Mesmo que restem apenas 6% da floresta original, é ali onde vive, ainda, parte importante de nossa riqueza: 20 mil espécies de plantas, o que é mais de 7% do total mundial; 263 espécies de mamíferos, mais de 5% das de todo o planeta; 963 espécies de aves, o que representa quase 10% da variedade da Terra; 475 espécies de anfíbios, também próximo dos 10%; 306 espécies de répteis - 3,7% dos disponíveis no mundo; e 350 espécies de peixes de água doce, o equivalente a 3% dos que habitam o Globo.

    E a Caatinga? Ela equivale a 11% do território nacional. Engloba todos os estados do Nordeste e mais o Norte de Minas. Seu bioma abriga 178 espécies de mamíferos; 591 de aves; 177 de répteis; 79 espécies de anfíbios; 241 de peixes; e 221 de abelhas.

    O Semiárido, onde se situa a Caatinga, abriga cerca de 27 milhões de brasileiros, numa experiência ímpar no planeta. Vá ver se em outros semiáridos há tanta gente assim. Como dizia o grande Euclides da Cunha, "o sertanejo é, antes de tudo, um forte". Terra de homens e de mulheres que têm sempre esperança em um futuro melhor.

    Por isso, todas as políticas públicas brasileiras devem ter esse olhar amoroso, cauteloso, preservador para o Nordeste e seus habitantes. A Caatinga tem um imenso potencial para a conservação de serviços ambientais, uso sustentável e bioprospecção. Esses recursos, se bem explorados, serão fundamentais não apenas para o desenvolvimento da região, mas de todo o País.

    Comecemos pelo consenso: o de que, no Nordeste, há abundância de sol. Todo o sertão foi considerado tão bom para gerar energia solar quanto o Deserto do Saara, no continente africano. Entretanto, esse potencial ainda não está sendo utilizado.

    Para se ter ideia, o consumo de energia dos 3,8 milhões de habitantes do Estado da Paraíba poderia ser suprido com a instalação de 2,5 milhões de placas de energia solar, capazes de gerar 633 Megawatts. Para isso, seria necessária a ocupação de uma área de 4.433 hectares com as usinas fotovoltaicas, um espaço que equivale a apenas 0,07% do território paraibano. E esse é só um pequeno exemplo de como podemos lidar com a conservação do bioma, simultaneamente, gerar riquezas.

    Mas alguns avanços já podem ser notados: vem sendo construído, desde dezembro de 2015, um complexo fotovoltaico, com capacidade de produção anual de 500 Gigawatts-hora, que constituirá a maior usina solar da América Latina. E onde está localizada? Na cidade de Tabocas do Brejo Velho, na Bahia, em pleno Semiárido. Esse é um exemplo de bom uso para aquele bioma.

    O Cerrado é considerado hoje o bioma mais frágil, o que está mais ameaçado. Desde o início da ocupação do Centro-Oeste brasileiro e até os dias de hoje, o Cerrado é visto como 'mato', uma vegetação sem valor que precisa ser extirpada para dar lugar ao desenvolvimento representado pela agropecuária.

    Além de uma rica biodiversidade, o Cerrado tem um papel de destaque no fornecimento de água para o país. Localizado principalmente no Planalto Central Brasileiro, um divisor continental de águas, fornece águas para as três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: São Francisco, Tocantins-Araguaia e Paraná, daí as referências como o "Berço das Águas do Brasil". Todos os biomas do país de alguma forma, bebem das águas do Cerrado.

    Se não cuidarmos das nascentes e se não tivermos rigor no ordenamento do uso das águas, o Cerrado será a próxima fronteira da desertificação acelerada que já atinge várias áreas do País. Precisamos urgentemente discutir a crise hídrica como produto humano e não como castigo divino. A ganância desmata a Amazônia e seca o Centro­ Oeste e o Sul do país. Está tudo interligado. A destruição das nascentes seca rios e empobrece as comunidades ribeirinhas e de agricultura familiar.

    Este é o olhar crítico e reflexivo que a Campanha da Fraternidade 2017 nos traz. Espero que possamos ir localizando, de maneira cuidadosa, todas as maneiras pelas quais poderemos, ao mesmo tempo, gerar desenvolvimento econômico e cultivar e guardar a criação, como quer a CNBB, no lema de sua campanha. O Senado pode participar disso, pode transformar nossas Comissões Permanentes em fóruns privilegiados e podemos melhorar a legislação vigente e produzir novas leis a partir desse olhar que a Campanha da Fraternidade nos motiva.

    Grato pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/04/2017 - Página 66