Discurso durante a 42ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Solicitação de transcrição nos Anais do Senado de palestra do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso na Conferência sobre o Brasil, realizada na Universidade de Harvard, sobre ética e o jeitinho brasileiro.

Autor
Alvaro Dias (PV - Partido Verde/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
  • Solicitação de transcrição nos Anais do Senado de palestra do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso na Conferência sobre o Brasil, realizada na Universidade de Harvard, sobre ética e o jeitinho brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2017 - Página 14
Assunto
Outros > CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, AUTORIA, LUIS ROBERTO BARROSO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), CONFERENCIA, BRASIL, REALIZAÇÃO, UNIVERSIDADE ESTRANGEIRA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ASSUNTO, ETICA, POPULAÇÃO, BRASILEIRA (PI), COMENTARIO, ENTREVISTA, PERIODICO, VEJA, REU, BENEFICIARIO, FORO ESPECIAL, CONDENAÇÃO, RESULTADO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, faço hoje um registro sobre o último dia da Conferência sobre o Brasil, ocorrido em 8 de abril do corrente, na Universidade de Harvard. A palestra do Ministro Dr. Luís Roberto Barroso intitulada "Ética e jeitinho brasileiro: por que a gente é assim?", em que o Ministro destaca que o jeitinho brasileiro tem custos morais elevados, merece ser reproduzida desta tribuna do plenário, Sr. Presidente.

    Por exiguidade do tempo, eu destaco alguns trechos da importante palestra, mas já peço a V. Exª que permita a publicação na íntegra da palestra do Ministro Luís Roberto Barroso, que, por coincidência, também produz uma entrevista nas páginas amarelas da revista Veja desse final de semana.

    "Jeitinho e ética pública". Resumo aqui o que diz o Ministro:

No que diz respeito à ética pública, a verdade é que criamos um país devastado pela corrupção. Não foram falhas pontuais, individuais, pequenos deslizes ou acidentes. Foi um modelo institucionalizado, que envolve servidores públicos, empresas privadas, partidos políticos e parlamentares. Eram organizações criminosas, que captavam recursos ilícitos, pagavam propinas e distribuíam dinheiro público para campanhas eleitorais ou para o bolso. Isto é, para fraudar o processo democrático ou para fins de enriquecimento ilegítimo. É impossível não sentir vergonha pelo que aconteceu no Brasil.

O jeitinho brasileiro contribui para esse estado de coisas. Em primeiro lugar, o hábito de olhar para o outro lado para não ver o que está acontecendo. Como consequência, as pessoas no Brasil se surpreendem com o que já sabiam. Ou alguém imaginava que partidos políticos se engalfinhavam para indicar diretores de empresas estatais para fazerem coisas boas, para melhor servirem ao interesse público? Essa era uma tragédia previsível. Ainda assim, o país se deu conta, horrorizado, que quase todo o espaço público estava tomado pela corrupção: Petrobras, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, Fundos de Pensão. A corrupção virou meio de vida para alguns e modo de fazer negócios para outros. Não se trata de fenômeno de um governo específico, mas que vem acumulando desde muito longe. A corrupção favorece os piores. É a prevalência dos espertos e a derrota dos bons.

Uma das causas da corrupção é a impunidade. Temos uma dificuldade cultural em punir. A punição é incompatível com a cordialidade, supõe o imaginário social brasileiro. Há uma bela música do Chico Buarque, chamada “Fado Tropical”, em que uma voz portuguesa declama ao fundo um verso que diz: “E se a sentença se anuncia bruta, mais que depressa a mão cega a executa, pois que se não o coração perdoa”. Assim somos, sentimentais e lenientes. Daí os processos que não acabam nunca, mesmo depois de sucessivas condenações; a prescrição que extingue a punibilidade; a nulidade inventada ou “descoberta” ao final do processo, impedindo o desfecho; o foro privilegiado, impedindo ou retardando a punição dos poderosos ou, pior, usado para ajudar os amigos e perseguir os inimigos. E se tudo der errado, anistia-se o caixa 2.

    E sem abdicar do otimismo, o Ministro Barroso conclui sua exposição dizendo: "Eu concluo com o slogan pessoal que tem me animado nos bons e nos maus momentos: 'Não importa o que esteja acontecendo à sua volta: faça o melhor papel que puder. E seja bom e correto, mesmo quando ninguém estiver olhando'."

    Sr. Presidente, além dessa palestra, o Ministro Luís Roberto Barroso concedeu entrevista à revista Veja em que alerta para a hipótese de políticos não serem condenados, apesar da Operação Lava Jato. Isso evidentemente graças ao foro privilegiado, que os protege exatamente porque a adoção de expedientes protelatórios leva ações dessa natureza à prescrição, uma vez ser humanamente impossível, para o Supremo Tribunal Federal, julgar tantas ações com apenas 11 ministros.

    Eu quero aproveitar a oportunidade da palestra do Ministro Luís Roberto Barroso, a quem cumprimento pela profundidade dos seus conceitos, pela inteligência da sua exposição e pela coragem em dizer as verdades que pronunciou, para dizer que, muitas vezes, discutimos as consequências e esquecemos a causa dos males que nos afligem, dos males que açoitam o Brasil, nesta tempestade devastadora que provoca indignação e revolta nas pessoas de bem deste País, diante dos escândalos de corrupção, revelados a partir da Operação Lava Jato. A causa dessas mazelas tem sido pouco focalizada, a causa central, a causa especial, a causa transcendental, que é esse sistema promíscuo de governança que se instalou no Brasil.

    Alguém dirá: "Mas não foram apenas os últimos governantes que se valeram desse sistema. Historicamente, valem-se desse sistema". Ocorre, no entanto, que, os últimos governos, nos últimos 14 anos, institucionalizaram essa prática da promiscuidade, impondo o conceito de que governabilidade tem que rimar com promiscuidade.

    Eu vou repetir n vezes, o quanto for necessário, porque acho que é meu dever, que, enquanto esse sistema de governança prevalecer, o Brasil não vai alcançar os índices de crescimento compatíveis com sua grandeza e, sobretudo, com a grandeza do seu povo, porque esse sistema esgota a capacidade de o Poder Público investir em setores essenciais para o desenvolvimento econômico e social do País. Esvai-se a capacidade financeira de investir em educação, em saúde, em segurança pública, em geração de emprego, em desenvolvimento, enfim, porque os recursos públicos arrecadados de um sistema tributário perverso, que também inibe o processo de crescimento econômico em razão de extrapolar os limites das possibilidades de o setor produtivo brasileiro pagar impostos como pagamos todos nós...

    Enfim, não há dúvida de que esse sistema é que impõe também o aumento de impostos. Que sistema é esse? É o sistema do balcão de negócios, que se transformou na usina dos grandes escândalos de corrupção e na fábrica de governos corruptos e incompetentes; é esse sistema do aparelhamento do Estado, em que os partidos políticos é que nomeiam.

    Quem se elege para governar o País perde autoridade ao permitir que os partidos políticos se digladiem, como disse o Ministro Barroso, na disputa pelos cargos mais importantes da República. Eles disputam os espaços e obrigam o governante, inclusive, a ampliar as estruturas existentes, criando ministérios, diretorias, departamentos, secretarias, empresas estatais, agências reguladoras, cargos comissionados, estabelecendo o que chamamos de paralelismo, de superposição de ações, desperdiçando os recursos públicos com o crescimento exagerado das despesas correntes, as chamadas despesas de custeio, e impossibilitando os investimentos produtivos, sobretudo porque, com esse sistema, abrem-se as portas para a corrupção como se vê agora, com a Operação Lava Jato. Essa operação está revelando os mistérios de um complexo e sofisticado esquema de corrupção que nasceu em nome de um projeto de poder de longo prazo, mas que passou a ser utilizado para o enriquecimento ilícito de grandes empresários, de grandes empresas empreiteiras e também certamente de políticos que se envolveram nesse esquema de corrupção. Aliás, quando se deu o mensalão, já se denunciou que o complexo e sofisticado esquema de corrupção foi idealizado exatamente por uma organização criminosa em nome de um projeto de poder de longo prazo. Essa assertiva foi incorporada à denúncia do Procurador-Geral da República à época, o Dr. Antonio Fernando. Esse aparelhamento do Estado, com o loteamento dos cargos públicos da administração direta e indireta, como se deu na Petrobras, é a causa fundamental da crise econômica avassaladora que leva o povo brasileiro ao sofrimento nos dias de hoje.

    E uma das consequências maiores desse sistema de governança é o crescimento exagerado da dívida pública brasileira. Ela se multiplica a cada ano. Neste ano, por exemplo, 52% da receita pública são para o pagamento de juros e encargos da dívida. Chegaremos a R$1,722 trilhão para juros e encargos da dívida pública e consequente rolagem dessa monumental dívida brasileira. É bom lembrar que, no ano passado, foi um pouco menos: R$1,3 trilhão foram destinados a juros e serviços da dívida pública brasileira. A cada ano, crescemos em matéria de dívida. Neste ano, o que se pleiteia é 27% a mais do que se destinou no ano passado exatamente para o pagamento de juros e encargos da dívida. A consequência é agora um rombo anunciado de mais de R$58 bilhões, além dos R$139 bilhões já anunciados anteriormente. E, por essa razão, fala-se em aumento de impostos. A causa fundamental é esse sistema.

    E o Presidente Michel Temer, ao assumir o Governo transitoriamente, manteve o sistema. Não há nenhuma alteração de conduta. O atual Governo é composto também no balcão de negócios, o que puxa para baixo, é claro, a qualidade administrativa. O desempenho administrativo sofre as consequências, porque as indicações não acontecem com aqueles critérios essenciais da probidade, da competência, da qualificação técnica. Não! As indicações ocorrem para atender aos interesses político-partidários, e, obviamente, no desdobramento, a corrupção leva ao atendimento de outros interesses escusos. Quando o Governo admite que uma empresa estatal de natureza eminentemente técnica seja constituída por indicados de políticos... Vamos citar um exemplo: a Itaipu Binacional teve uma composição renovada agora, e seis partidos participaram das indicações para o preenchimento de cargos de diretores da Itaipu Binacional, uma empresa de natureza eminentemente técnica, num setor essencial para a vida dos brasileiros e para o desenvolvimento do País, que é o setor de energia. Enfim, esse modelo é um desastre completo. Esse modelo é o que sustenta também o chamado foro privilegiado, porque as autoridades são protegidas por esse guarda-chuva. É por essa razão que o Ministro Barroso o cita na sua palestra em Harvard – e, pelo brilhantismo dela, estamos exatamente nesta hora pedindo seu registro nos Anais do Senado Federal.

    Para concluir, Sr. Presidente, enquanto nós não derrubarmos esse balcão de negócios, enquanto nós não sepultarmos esse sistema de governança, nós não colocaremos o Brasil nos trilhos do progresso e do desenvolvimento e nós não teremos o respeito do povo brasileiro.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR ALVARO DIAS.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

    Matéria referida:

     – Palestra do Ministro Luís Roberto Barroso: "Ética e Jeitinho Brasileiro: Por que a gente é assim."


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2017 - Página 14