Discurso durante a 43ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 14/2017, de autoria de S. Exª., que determina que a submissão de pessoa a condição análoga à escravidão constitui crime imprescritível.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Defesa da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 14/2017, de autoria de S. Exª., que determina que a submissão de pessoa a condição análoga à escravidão constitui crime imprescritível.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2017 - Página 42
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), AUTORIA, ORADOR, OBJETO, DEFINIÇÃO, IMPRESCRITIBILIDADE, CRIME, TRABALHO ESCRAVO, REFERENCIA, JULGAMENTO, CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, CONDENAÇÃO, BRASIL, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), DADOS, ABERTURA, INQUERITO, CAMARA CRIMINAL, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL.

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, com o apoio dos nossos colegas aqui nesta Casa, obtivemos as assinaturas necessárias para apresentação da proposta de emenda à Constituição, de minha autoria, objetivando incluir a submissão de pessoa à condição análoga à escravidão no rol dos crimes imprescritíveis, elencados na Carta Magna em seu art. 5º.

    Trata-se de medida de extrema relevância para o combate a esse tipo de crime execrável, incompatível com uma sociedade moderna. Virá somar esforços à nossa já avançada legislação e ao que está estabelecido em tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil.

    É sobre essa proposta que eu gostaria de falar.

    Como todos sabem, em outubro de 2016, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em Costa Rica, julgou o Caso nº 12.066, cujas partes eram, de um lado, trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, no Sul do Pará, e, de outro, o Estado brasileiro. Nesse processo, entendeu a Corte Internacional que o nosso País violou o direito de liberdade, especificamente o direito de a pessoa não ser submetida a qualquer forma de escravidão ou servidão, e que não adotou medidas para prevenir a forma contemporânea de escravidão a que foram submetidos mais de uma centena de cidadãos, tampouco para interromper e punir os autores desses crimes.

    Não obstante termos alçado uma posição de destaque no cenário internacional em relação às normas de combate à escravidão, infelizmente nosso País terá de carregar a amarga condição de ter sido a primeira nação condenada pela OEA nessa matéria.

    No que se refere ao objeto da proposta de emenda à Constituição que ora apresentamos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos observou que a demora na tramitação do Processo Penal brasileiro levou à prescrição da pretensão punitiva do Estado, o que acarretou a impunidade dos autores do crime.

    Ocorre que, Sr. Presidente, a Corte Internacional, cuja jurisdição o Brasil reconhece e à qual se submete, nos termos do Decreto nº 4.463, de 8 de novembro de 2002, considera imprescritíveis os crimes de escravidão e suas formas análogas, tendo em conta sua natureza de crimes contra a humanidade. E é isso que a PEC pretende reforçar.

    Vale lembrar que, na parte dispositiva da sentença, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos determinou, entre outros, que: "O Estado deve, dentro de um prazo razoável a partir da notificação da presente sentença, adotar as medidas necessárias para garantir que a prescrição não seja aplicada ao delito de Direito Internacional de escravidão e suas formas análogas".

    Juridicamente, Sr. Presidente, há quem considere desnecessária a alteração legislativa, em face do caráter supralegal das disposições constantes de tratados e convenções internacionais de que o Brasil seja signatário.

    A despeito disso, o que se verificou no caso concreto da Fazenda Brasil Verde, assim como em outros episódios semelhantes, foi o reconhecimento da prescrição pelas autoridades judiciárias brasileiras, o que fundamentou a determinação emanada da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

    No sistema jurídico nacional, observamos que a prescrição da pretensão punitiva é regra, sendo que suas exceções estão dispostas na Constituição Federal (prática de racismo e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático).

    A prescrição não pode, contudo, ser obstáculo para investigação e responsabilização do crime gravíssimo de imposição de um ser ao trabalho análogo ao de escravo.

    No Brasil, há 459 inquéritos criminais ainda não concluídos contra pessoas suspeitas de submeter outras à condição análoga à escravidão, crime com pena de dois a oito anos de prisão, pelo art. 149 do Código Penal.

    O dado, que diz respeito a inquéritos abertos entre 2009 e 2016, foi divulgado em janeiro deste ano pela Câmara Criminal do Ministério Público Federal, por ocasião do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, dia 28. O número de ações penais já abertas ultrapassaria a casa de mil processos, todos pendentes de uma decisão final sobre a condenação ou não dos acusados.

    Reproduzo aqui o que disse, na ocasião, à mídia o Coordenador-Geral da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, Adilson Carvalho. Disse ele:

Além de ser uma violação gravíssima dos direitos humanos e uma infração na esfera [...] trabalhista, o trabalho escravo é também um crime. Do ponto de vista da política de repressão na esfera trabalhista, a gente tem números que dá para considerar que a política está funcionando normalmente, mas por outro lado [disse ele] há um déficit muito grande na efetividade da persecução penal [finalizou].

    Desse modo, ultrapassado o entendimento no sentido da desnecessidade de alteração legislativa, estamos convencidos de que o cumprimento da determinação da Corte Interamericana demanda emenda ao texto constitucional.

    Ressalte-se ainda que não podemos ser insensíveis à marca da escravidão na nossa história e na nossa cultura, tendo sido o Brasil o último país das Américas a abolir a escravidão legal. Ainda hoje, convivemos com as consequências sociais e econômicas do racismo e da servidão, presentes na moral, nos costumes, nas condutas e nas relações de trabalho. Combater a escravidão nas suas formas contemporâneas é um imperativo para superar esse triste legado, além de ser um compromisso humanitário. Enquanto houver vítimas cativas e fiscais do trabalho a arriscarem suas vidas para resgatá-las, é imperativo que o Estado brasileiro torne eficaz a repressão a esse crime contra a humanidade.

(Soa a campainha.)

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) – Já estou encerrando, Sr. Presidente.

    Nos últimos 20 anos, segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra, foram libertadas mais de 52 mil pessoas em condições descritas como análogas à de escravo, mas a falta de condenação dos responsáveis por essa violência faz parecer que há um crime sem autores. Promover a alteração proposta diretamente no Texto Constitucional é dar o devido reconhecimento ao problema que enfrentamos, além de ser solução adequada, sob a perspectiva técnico-jurídica, para criar nova hipótese de imprescritibilidade, evitando-se, assim, a impunidade.

    Em face da relevância da matéria, solicitamos o apoio, na Comissão de Justiça e, em seguida, no plenário, a essa proposta, que, sem dúvida alguma, vem preencher um vazio na nossa legislação: a obrigatoriedade de punir os culpados pelo crime de escravidão. A escravidão já acabou no Brasil, mas não se acabou de todo, ainda continua em determinados segmentos, em determinados escalões da sociedade brasileira. Isso precisa ser punido.

    Por isso, a saída, Sr. Presidente, é a mudança na nossa Carta Magna para conferir à legislação, aos juízes, ao Ministério Público a possibilidade de uma punição exemplar aos que praticam essa ação deletéria contra a nossa sociedade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/04/2017 - Página 42