Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da rejeição do Substitutivo ao Projeto de Lei do Senado nº 85, de 2017, de autoria do Senador Roberto Requião, que define os crimes de abuso de autoridade.

Autor
Lasier Martins (PSD - Partido Social Democrático/RS)
Nome completo: Lasier Costa Martins
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Defesa da rejeição do Substitutivo ao Projeto de Lei do Senado nº 85, de 2017, de autoria do Senador Roberto Requião, que define os crimes de abuso de autoridade.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/2017 - Página 20
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • DEFESA, REJEIÇÃO, SUBSTITUTIVO, PROJETO DE LEI DO SENADO (PLS), AUTORIA, ROBERTO REQUIÃO, SENADOR, OBJETO, DEFINIÇÃO, CRIME, ABUSO DE AUTORIDADE.

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, meu prezado conterrâneo, brilhante Senador Paulo Paim, Senadores e Senadoras, telespectadores, ouvintes, nesta avalanche de suspeitas que vem atualmente marcando a política nacional, chama a atenção hoje, Sr. Presidente, o que escreve o respeitado jornal O Estado de São Paulo, que nos traz a notícia, também já comentada há pouco aqui por nossa conterrânea Ana Amélia, a respeito de o que pode estar ocorrendo, numa tentativa, intencional ou não, de sabotagem – é a expressão que usa o editorial de hoje do jornal O Estado de São Paulo – contra a Operação Lava Jato. A notícia procede do Conselho Nacional do Ministério Público, onde a Procuradora da República Raquel Dodge apresentou um projeto de resolução que obriga o Procurador-Geral da República a ter que mudar – ter que mudar, vejam só, logo nesta hora – a equipe que o assessora, justamente no momento em que a Operação Lava Jato se encontra em uma de suas fases mais importantes.

    Não fosse um pedido de vista apresentado pelo Procurador-Geral, Rodrigo Janot, que se disse perplexo, como está hoje nos noticiários, essa surpreendente resolução da Procuradora Raquel Dodge poderia concorrer para prejudicar o andamento da Operação Lava Jato.

    Vejam quantas adversidades estamos vivendo nesses dias que correm, porque essas atitudes atrapalham, concorrem contra a boa ordem da Operação Lava Jato, tão bem dirigida pelo Procurador Janot.

    Então, queria, primeiro, fazer esse registro e inclusive pedir que chegue ao conhecimento da Procuradora Raquel para que ela nos mande dizer qual é o motivo, qual é a razão de limitar o poder do procurador de formar a sua equipe, de manter a sua equipe, de convocar outros procuradores do Brasil, como até bem pouco convocava um dos melhores procuradores que nós temos no Rio Grande do Sul, Douglas Fischer, que agora não poderia ser chamado, porque existe tempo limitado para isso. Um obstáculo que está sendo tentado.

    Agora, eu quero tratar também de outro assunto, Sr. Presidente. Eu não quero me deter apenas nisso, embora também devesse, mas eu quero ir adiante de uma das outras grandes adversidades que estamos vivendo, que é essa malsinada proposta contra o tal abuso de autoridade, que outra coisa não é senão uma tentativa de embaraçar, de melar – para usar uma expressão circulante no momento – a Operação Lava Jato. Aliás, sobre esse rumoroso projeto, bastaria atentar para o que está dizendo a sociedade brasileira num veículo de comunicação, mais exatamente numa plataforma importante das redes sociais, que é daqui desta Casa, Presidente, a que nós devemos respeito, que é o portal e-Cidadania.

    Ainda agora há pouco, eu pedi à minha assessoria para atualizar os números a respeito do projeto de abuso de autoridade, e vejam, Srs. Senadores, telespectadores de todo o Brasil e ouvintes da Rádio Senado, o número de rejeição de cidadãos brasileiros com relação ao tal abuso de autoridade.

    Neste momento, o placar está nos seguintes números: 260.242 registros contra o projeto de abuso de autoridade – contra! –, enquanto a aprovação se limita ao inexpressivo número de 4.390. Sr. Presidente, 260.242, 260 mil contra 4 mil. São 65 vezes mais de brasileiros que estão se manifestando, pelo e-Cidadania, contra esse projeto.

    Aí pergunto aos Srs. Senadores que amanhã vão discutir esse tema na CCJ: devemos ou não devemos levar em conta o portal e-Cidadania? Devemos respeitar ou não? Se não vamos respeitar essa vontade da cidadania brasileira, que se feche o portal. Agora, se queremos respeitar a vontade da sociedade brasileira, que maciçamente é contra esse projeto, então que não se aprove esse projeto, que estará em discussão amanhã.

    Mas, Srs. Senadores, o substitutivo, de autoria do Senador Requião, que alterou o Projeto nº 280, a pretexto de regularizar o direito de representação e o processo de responsabilidade em casos de abuso, se caracteriza num malefício muito grande à ordem jurídica do Brasil. E diga-se, desde logo, que não estamos falando de ausência de normas preexistentes no Direito brasileiro para casos de abuso. Não é bem assim. Normas contra abuso já existem, há vários tipos que preveem as hipóteses. Estão no Código Penal. E aquilo que não está no Código Penal está em várias em leis esparsas.

    Alega-se que, pelo fato de o projeto ser oriundo do II Pacto Republicano de Estado, ainda no ano de 2009, não se trata de medida casuística contra qualquer operação de combate à corrupção da atualidade. Não é bem assim.

    Não custa lembrar que o Projeto de Lei do Senado 280 é do ano passado, é de 2016. Foi protocolado como projeto de lei, mais precisamente, no dia 5 de julho do ano passado. Ora, em termos de processo legislativo, isso é muito recente. E, dadas as circunstâncias, é plenamente razoável que o Senado leve mais algum tempo para estudar, para debater, para aprofundar, uma vez que ele só existe formalmente há menos de um ano.

    Aliás, matérias que têm o apreço popular não têm encontrado aqui o mesmo empenho para a sua aprovação, como, por exemplo, a PEC nº 10, de 2013, que acaba com o foro privilegiado no Brasil. Mas uma manobra política nesta Casa tenta vincular, Sr. Presidente, nesta hora, o projeto de abuso à PEC do foro. Isso também não é um abuso de poder? É evidente que é um abuso...

(Soa a campainha.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – ... tentar condicionar, tentar juntar as duas.

    Como nos obrigar a colocar no mesmo pacote dois temas tão antagônicos? Conjugar um projeto ruim, que é o do abuso, a um projeto bom, que é o do foro privilegiado, para acabar com o foro, para que o ruim pegue uma carona, já que tem dificuldades?

    Então, Sr. Presidente, sobre esse projeto do abuso, existem claros problemas de subjetividade. São inúmeras as subjetividades nesse projeto. Alguns dos seus artigos contrariam as supostas boas intenções da proposta.

    Já no art. 1º, que comanda todo o projeto, o texto proposto pelo Senador Roberto Requião, no seu último substitutivo, diz o seguinte – e é bom transmitirmos aqui a todo o Brasil, porque disse, há pouco ainda, num aparte, à Senadora Ana Amélia que, visitando o meu Estado no fim de semana, eu percebi o quanto as pessoas ignoram o conteúdo desse projeto do abuso: "Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agentes públicos, servidores ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído."

    Mas, aí, vêm os dois parágrafos problemáticos. Peço atenção de todos para a leitura do §1º do art. 1º dessa triste lei do abuso: "§1º As condutas descritas nesta lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem, beneficiar a si próprio ou a terceiro ou ainda por mero capricho ou satisfação pessoal".

    Grifamos o "mero capricho" e a "satisfação pessoal". Isso é extremamente subjetivo. Quando é que vamos saber o que é capricho e o que é satisfação pessoal? Se eu disser que determinado juiz deu uma sentença por satisfação pessoal, o outro dirá: "não é verdade". E essa discussão se torna interminável. Numa lei não pode haver subjetivismo, mas, sim, objetividade.

    E aí vem o §2º, que é pior ainda: "§2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, necessariamente razoável [grifo nosso] e fundamentada, não configura, por si só, abuso de autoridade." Mas quem é que vai dizer que há uma necessidade razoável ou não? Isso é subjetivismo. Isso não cabe numa lei. Isso é de uma deficiência grotesca.

    A Lei Complementar nº 95, de 1998, é a lei que dispõe como as leis devem ser feitas. E aqui está a lição: o art. 11 dessa lei complementar de 1998 diz que as disposições normativas devem ser redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis.

    Ora, o substitutivo afronta, colide exatamente contra o art. 11 da Lei Complementar 95, porque nele só há subjetivismo.

    Não parece que expressões como "mero capricho" ou "satisfação pessoal" caibam num texto legal. A subjetividade que esses termos carregam não se ajustam a uma norma legal, sobretudo do direito penal, que deve privilegiar a objetividade.

    O fato é que essa falta de clareza, logo no primeiro artigo de uma lei tão complexa, traz insegurança sobre o seu alcance no tocante à tutela da liberdade de interpretação da lei por parte dos magistrados, por exemplo. Por isso, apresentei uma emenda para tornar esse dispositivo mais claro e evitar a criminalização da hermenêutica, que é o que está ocorrendo até este momento.

    Agora, o mais espantoso, Sr. Presidente...

(Soa a campainha.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – ... o mais negativo, e, portanto, perigoso do substitutivo está no art. 3º da tal de Lei de Abuso, porque cria – pasmem todos – a hipótese de o bandido processar o juiz. Essa lei cria a hipótese de o bandido processar o juiz, porque cria a hipótese de legitimidade concorrente do ofendido de promover ação penal quando não gostar ou se insurgir com o processo que tramita contra ele. Isso é um barbarismo jurídico, senhores! É um lamentável e assustador barbarismo jurídico no art. 3º dessa tal lei.

(Soa a campainha.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – Para o substitutivo, se passar aqui no Senado – e esperamos todos que não passe aqui –, esse preceito muda radicalmente o futuro da instrução penal no País, porque cria um poder paralelo de iniciativa privada contra o público, representado pelo Judiciário.

    Leia-se, então, o que está sendo proposto. Aqui está outro preceito do barbarismo: "Art. 3° Os crimes previstos na Lei são de ação penal pública incondicionada, admitindo-se [aqui vem a barbaridade] a legitimidade concorrente do ofendido para a promoção da ação penal privada." É alarmante esse dispositivo...

(Interrupção do som.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – ... no direito comparado. A legitimidade concorrente do ofendido com uma ação privada.

    Carrear essa construção, Sr. Presidente, uma construção normativa para uma Lei de Abuso de Autoridade, traz, no seu bojo, novas hipóteses de extinção de punibilidade, que vão, sim, criar mais dificuldades para a pretensão punitiva do Estado. Esse tipo de ação penal privada é incompatível com a relevância do bem jurídico a ser tutelado, que é o bom funcionamento da Administração Pública, além de ofender o princípio da proporcionalidade, que deve evitar a insuficiência da intervenção do Estado em favor da sociedade.

    Em outras palavras, viola a clausula pétrea da separação dos Poderes lei ou emenda constitucional que retire o poder de legislar do Legislativo...

(Interrupção do som.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – ... o poder de administrar do Executivo e o poder de julgar do Judiciário ou que retire do Ministério Público o poder de exercer privativamente a persecução penal em juízo.

    Por isso, apresentei emenda corroborando o entendimento do Ministério Público Federal de que essa ação penal privada, caso exista, seja só subsidiária da pública – só nessa hipótese, nunca autonomamente, só subsidiariamente da pública –, nos termos do que já determina o Código de Processo Penal.

    Se não tantos preceitos nocivos houvesse, e existem, só esse art. 3º da lei do abuso justificaria a rejeição do projeto. Nesta época de tanta criminalidade no Brasil...

(Interrupção do som.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – Já estou concluindo, Presidente.

    Nesta época de tanta criminalidade no Brasil, a partir de agora, se viesse lamentavelmente – mas não há de vir – essa lei, veríamos assaltantes, traficantes, estupradores, bandidos de toda natureza, o crime organizado se insurgindo contra o Judiciário através da ação penal privada concorrente. É isso que vai acontecer! Se passar essa lei, é isso que vai acontecer! Os bandidos ocuparão um espaço na vida jurídica do Brasil que nunca tiveram e estarão à vontade, deitando e rolando. Esse art. 3º é o absurdo dos absurdos!

    Eu já estou me encaminhando para o encerramento, porque não haverá tempo para examinar um a um, e são muitos, mas outros artigos...

(Soa a campainha.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – ... que também permeiam o projeto merecem repreensão, principalmente caracterizado o subjetivismo.

    Rapidamente, o art. 4º, por exemplo: em caso de errar duas vezes a autoridade em uma sentença, ratificada em instância superior, o juiz pode perder o cargo ou alguém pode perder o mandato ou a função. Não podem errar! A autoridade está proibida de errar mesmo tendo o direito de um segundo julgamento.

    O art. 10 é marcado de novo pelo subjetivismo, a tendência para considerar e avaliar as coisas de um ponto de vista meramente pessoal. Isso não cabe no Direito.

    Já os arts. 11, 12, 16, 18, 25, 28, 32 e 35 ferem o princípio da proporcionalidade entre a conduta infracional e a pena.

    Senhores, esse projeto...

(Interrupção do som.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – ... não presta. Ele é de uma ruindade assustadora.

    O art. 17, em seu parágrafo único, não tem sentido; ele invade competência do juiz que deve manter o direito estratégico para apurar responsabilidades.

    E poderíamos ir longe na análise, artigo por artigo, porque são muitos os pontos obscuros, subjetivos, inconvenientes para a boa ordem jurídica do País.

    A sociedade, Srª Presidente, tem o direito de contar com uma legislação boa, clara, tecnicamente correta, e é o que não encontramos em vários momentos nesse tal projeto de abuso de autoridade, um projeto oportunista, casuístico e que claramente ocorre para perturbar a liberdade investigatória, acusatória e condenatória das autoridades em relação à histórica e marcante Operação Lava Jato.

    Nós não podemos aprovar essa lei.

(Interrupção do som.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – ... a adesão e a responsabilidade do Senado.

    Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/2017 - Página 20