Discurso durante a 45ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com as ameaças às áreas indígenas, com ênfase à Área Indígena Waiãpi no Estado do Amapá (AP).

Autor
Randolfe Rodrigues (REDE - Rede Sustentabilidade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Preocupação com as ameaças às áreas indígenas, com ênfase à Área Indígena Waiãpi no Estado do Amapá (AP).
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2017 - Página 105
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • APREENSÃO, EXPANSÃO, ATIVIDADE EXTRATIVA, AMEAÇA, LIMITAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ENFASE, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DO AMAPA (AP), CRITICA, PORTARIA, AUTORIA, MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), GOVERNO FEDERAL, MICHEL TEMER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBJETO, EXTINÇÃO, RESERVA FLORESTAL, COBRE, AUTORIZAÇÃO, EXTRATIVISMO, EMPRESA DE MINERAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, RESULTADO, PREJUIZO, GRUPO INDIGENA, NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO, MEIO AMBIENTE.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/REDE - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Agradeço a V. Exª, Presidente Paulo Paim.

    Sr. Presidente, trago à tribuna dois temas da maior preocupação para as populações tradicionais, em especial para os povos indígenas da Região Amazônica.

    O primeiro tema se refere à Terra Indígena Waiãpi.

    Sr. Presidente, o povo waiãpi foi o último povo indígena oficialmente conectado no Amapá. O contato com esse povo só ocorreu na década de 1970. E há de se destacar que o contato com esse povo foi, por parte do homem branco e, em especial, do governo da ditadura naquele momento, devastador.

    A população waiãpi era de mais de cinco mil indígenas, para ser exato, mais de dez mil naquele período. Em 20 anos, a população waiãpi foi reduzida para menos de 300 indígenas. Foi necessário ao longo do tempo um trabalho de antropólogos da Apina, que é a associação dos povos indígenas waiãpi de recuperação.

    Hoje, para orgulho da Rede Sustentabilidade, no Amapá, no Município de Pedra Branca do Amapari, o povo waiãpi não só voltou a crescer, como conseguiu, na Casa dos brancos, na Câmara Municipal de Vereadores do Município de Pedra Branca do Amapari, colocar um representante seu, o Vereador Jawaruwa Waiãpi.

    Entretanto, Sr. Presidente, várias ameaças recentemente pairam sobre o povo indígena waiãpi. Essas ameaças são de diferentes ordens. Na verdade, desde a década de 1970, os waiãpi lutam para garantir que o contato com a nossa cultura, a cultura não indígena, a cultura branca, aconteça sem impor a eles a destruição de sua própria cultura. A sabedoria waiãpi, Presidente, lhes ensinou que é necessário dialogar com todos para explicar a importância que tem o território. Para o povo waiãpi, o território é a marca de um povo que não vive em um único lugar, que pessoas diferentes podem ter objetivos comuns e lutar em defesa desses objetivos comuns.

    É com esse espírito que, desde o ano 2000, o Conselho das Aldeias Indígenas Waiãpi, Apina, instância máxima e legítima de representação desses povos, vem alertando as autoridades brasileiras sobre o processo desordenado de licitação de lotes ao longo da BR-210.

    É por isso que o povo waiãpi há algum tempo tem proposto às autoridades brancas, às autoridades brasileiras, a constituição de uma faixa de amizade, onde seja possível a convivência com os assentamentos e, ao mesmo tempo, com o povo indígena waiãpi.

    Entretanto, é importante destacar que o objetivo da constituição dessa faixa de amizade ao largo da Área Indígena Waiãpi existe para evitar a expansão de lotes além do limite oficial da própria área indígena e dos próprios assentamentos rurais.

    Ao longo desse diálogo, no ano de 2006, foi criada a Floresta Estadual do Amapá, a Flota, que se estendia pela área que os waiãpi queriam definir como faixa da amizade entre a terra indígena e o assentamento agrícola. Os waiãpi pensaram que poderia ser uma ideia excelente a criação de uma unidade de conservação em seu entorno, que essa mesma unidade de conservação poderia ajudar a evitar a expansão do assentamento e a pressão no seu território.

    Lamentavelmente, após a criação da Flota, não foi isso que aconteceu. Sem um acompanhamento adequado por parte dos órgãos estaduais e do Incra, e muitas vezes por estímulo do próprio Incra, muitos lotes foram demarcados para fora do perímetro do assentamento, na área da floresta estadual, chegando ao limite da Terra Indígena Waiãpi.

    Muitas reuniões têm sido feitas com os órgãos e muitas vezes os Waiãpis denunciaram essa situação, até que, em 2013, Sr. Presidente, foi instaurado um inquérito civil público pelo Ministério Público Federal, que buscou intermediar, encontrar soluções para o conflito de limites entre os assentamentos da Perimetral Norte e a Floresta Estadual do Amapá, além de resolver o gravíssimo problema da pressão sobre a Terra Indígena Waiãpi.

    Como os Waiãpis já estavam tentando dialogar com os órgãos públicos há muitos anos, sem que nada tivesse sido encaminhado concretamente, eles decidiram encaminhar um protocolo de consulta e consentimento, fazendo valer o direito garantido pela Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais, da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário pelo Decreto Presidencial nº 5.051.

    O Artigo 6º dessa Convenção diz o seguinte:

1. Na aplicação das disposições da presente convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.

    Sobre essas medidas, o povo waiãpi não foi consultado, portanto o dispositivo da Convenção foi claramente ferido.

    Assim, os Waiãpis disseram para o Governo que eles deveriam ser consultados sobre as decisões que afetam o seu território e também disseram que queriam ser consultados para que esse protocolo pudesse ser usado no inquérito civil público instaurado no âmbito do Ministério Público Federal.

    Ocorre, Sr. Presidente, que o Governo do Estado e os órgãos do Governo do Estado que anteriormente haviam se comprometido com o Ministério Público Federal em respeitar o protocolo e conversar com os Waiãpis têm seguidamente descumprido os dispositivos desse protocolo. Como se não bastasse essa pressão existente sobre o povo waiãpi...

    E eu quero reiterar aqui a história desse povo, Sr. Presidente. É um povo que só foi contatado nos anos 1970. Esse povo praticamente foi aniquilado e devastado pelo governo da ditadura. Esse povo resistiu, subsistiu e voltou a crescer populacionalmente nos anos 90. E esse povo, graças a sua resistência histórica, conseguiu, na última eleição, colocar inclusive um representante seu na Casa dos brancos, a Câmara Municipal de Pedra Branca.

    Mas esse povo tem recebido um conjunto de ameaças à conquista elementar, que é a demarcação do seu território, uma conquista que já tem pelo menos três décadas. Essa pressão vem dos assentamentos, mas, em relação aos assentamentos, o povo waiãpi consegue ainda estabelecer diálogo. Ocorre que a pressão agora tem vindo por parte das mineradoras, da atividade de mineração. O caso mais recente é a instalação de uma empresa de mineração no limite da Terra Indígena Waiãpi, na área da Floresta Estadual do Amapá.

    Mais assustador é que a instalação dessa empresa teve licença e autorização por parte do Instituto do Meio Ambiente estadual. E a autorização consiste na abertura de um longo ramal, que quase se encontra nos limites da Terra Indígena Waiãpi. A área onde está essa mineradora, Sr. Presidente, é uma unidade de conservação cujo plano de manejo não prevê atividades minerais naquela zona, que é considerada uma zona de uso especial justamente por estar perto da Terra Indígena Waiãpi.

    Os Waiãpis já fizeram, há algum tempo, a devida denúncia dessa mineradora junto ao Ministério Público Federal. Os Waiãpis já fizeram protesto contra a instalação dela no local. Alguns Waiãpis chegaram a relatar situações de ameaça por parte de funcionários da mineradora.

    Perguntas elementares são necessárias.

    Como é que um órgão estadual de licenciamento concede licença numa unidade de conservação sem consultar o plano de manejo dessa unidade? Como é concedida essa licença sem consultar os próprios Waiãpis, ferindo, inclusive, convenções internacionais de respeito aos povos indígenas e a Convenção Internacional da OIT que aqui citei, da qual o Brasil é signatário? Como é possível que esses povos há quase 20 anos, mesmo após avisar as autoridades que a região da Perimetral está sendo ocupada de forma desordenada e de que isso pode gerar um conflito, não obtêm nenhuma providência por parte das autoridades do Estado do Amapá e do Estado brasileiro em relação a isso?

    Sr. Presidente, os Waiãpis têm suficiente sabedoria para nos ensinar a dialogar. E eles têm uma sabedoria que a ameaça, principalmente da mineração, por parte dos brancos não tem tido para com eles. Essa ameaça se ampliou, Sr. Presidente, não só sobre os povos indígenas, sobre as áreas demarcadas dos povos indígenas do meu Estado, mas sobre as unidades de conservação do nosso Estado desde o último dia 7 de abril. É da mais alta gravidade a portaria que foi publicada pelo Ministério de Minas e Energia, no último dia 7 de abril, a Portaria nº 128 do Ministério de Minas e Energia.

    Para falar dessa portaria, que tem inter-relação com as ameaças que existem nos limites da Área Indígena Waiãpi e também sobre áreas indígenas, é importante destacarmos um decreto de 1984, ainda do governo da ditadura. Esse decreto de 1984 instituía, na região sul e central do Amapá e no norte do Estado do Pará, criava nessa região uma dita Reserva Nacional do Cobre.

    Essa Reserva Nacional do Cobre, uma área de 40 mil quilômetros quadrados, ao longo dos anos pós 1984, se transformou num conjunto de áreas indígenas e num conjunto de unidades de conservação. São florestas nacionais, são reservas extrativistas, são florestas estaduais, são áreas indígenas de diferentes povos.

    Pois bem, a criação do decreto foi uma medida que serviu para reforçar, nos anos seguintes, a criação de unidades de conservação e a demarcação de áreas indígenas de populações que ainda sequer foram conectadas por parte dos brancos. Essa área de 40 mil km², uma área que equivale às áreas do Estado de Alagoas e de Sergipe reunidas, é uma área de preservação ambiental do povo brasileiro.

    A Portaria 128, Sr. Presidente, abre caminho – pasmem! – para a extinção da Reserva Nacional do Cobre, escancarando as portas dessa região para a atividade minerária. Pergunto ao senhor: é para a atividade minerária de garimpeiros artesanais locais? Não, para os interesses de grandes grupos de mineradoras internacionais. É essa a intenção da Portaria 128, do Governo entreguista do Senhor Michel Temer. É para entregar uma área que corresponde a um Estado de Alagoas e a um Estado de Sergipe juntos, uma área de 40 mil km², de mãos beijadas, às mineradoras internacionais, ao capital internacional, para estabelecer, no coração da Floresta Amazônica, em áreas de preservação, a atividade de mineração, sem acumular um centavo sequer para as populações locais.

    Sr. Presidente, nós temos péssimos exemplos de grandes projetos na Amazônia que só geraram miséria. Nós anos 1940 e 1950, durante 30 anos, uma empresa chamada Bethlehem Stell Corporation, testa de ferro da indústria e comércio de minérios Income, esgotou as reservas de manganês que nós tínhamos no Estado do Amapá, deixou um gravíssimo problema social nas cidades de Pedra Branca do Amapari e de Serra do Navio. Não o bastante, recentemente, uma empresa – e já a denunciei aqui da tribuna – de capital britânico e indiano, a Zamin, deixou uma plêiade de trabalhadores e empresas prestadoras de serviços endividadas e miséria nas duas regiões.

    Agora o Governo do Senhor Temer insiste em uma receita que já fracassou em nossa Região, uma receita de devastar o meio ambiente, de devastar as nossas florestas e, ao mesmo tempo, de expandir as nossas florestas em uma área de reserva, onde era impedida qualquer tipo de exploração, para a exploração por parte do capital internacional.

    Sr. Presidente, hoje no Brasil – e é importante destacarmos isso, porque estamos no mês do Abril Indígena, no mês em que temos de destacar a luta dos povos indígenas – é importante aqui destacarmos as ameaças que os povos indígenas sofrem. Aliás, quase tivemos uma hoje no plenário do Senado, mas foi superada na votação. Veja, Sr. Presidente, hoje 34% das terras indígenas demarcadas sofrem especulação, principalmente por atividades minerárias. Se forem concretizadas as intenções, por parte do Governo Federal, de suprimir o decreto de demarcação da Reserva Nacional do Cobre, se prevalecer o caminho já traçado pela Portaria 128, se prevê, nessa região, a destruição de uma área 82 vezes maior do que a própria área estabelecida por parte da reserva. São oitenta e duas vezes! Está sendo aberta, escancarada no coração da Amazônia, uma porta para a maior experiência de devastação ambiental que a nossa Região já viu. Este decreto, por parte do Governo Temer, chega também ao limite da Terra Indígena Waiãpi.

    Portanto, Sr. Presidente, eu venho aqui na tribuna para, neste mês do Abril Indígena, trazer a preocupação sobre as ameaças que existem aos povos indígenas do meu Estado do Amapá e do norte do Pará, em especial a ameaça iminente de atividade minerária nos limites da Aldeia Indígena Waiãpi. E venho aqui à tribuna principalmente apelar para as ações por parte dos órgãos do Estado brasileiro e para as ações que são necessárias por parte também dos órgãos do Estado. Aliás, lamentavelmente, as ações dos órgãos estaduais têm sido no sentido de ofender os direitos dos povos indígenas, têm sido no sentido de apoiar as atividades que avançam e invadem o limite da Terra Indígena Waiãpi.

    Então, nós só podemos apelar. E é daqui da tribuna que eu apelo principalmente ao Ministério Público Federal. É necessária uma ação concreta e imediata por parte dos órgãos federais, do Ministério Público Federal, mobilizando a Polícia Federal, para impedir as atividades minerárias no limite da Terra Indígena Wajãpi, por uma razão concreta: essas atividades ameaçam a sobrevivência e a própria existência desse povo.

    E esse povo conseguiu subsistir, apesar da ocupação do homem branco; esse povo, quase extinto há mais de 40 anos, conseguiu ressurgir das cinzas como uma fênix e sua população voltou a crescer. Esse povo não pode novamente ser vítima da ambição desregulada. Não pode ser vítima, mais uma vez, dos interesses privados de alguns poucos, em benefício de poucos e contra os direitos e interesses dessa população milenar, que, muito antes da chegada do branco europeu, já ocupava aquela margem esquerda do Rio Amazonas. Aliás, o povo indígena Wajãpi tem relação direta com a história do Amapá. "Amapá" vem do indígena waiãpi e ama paba, "lugar da chuva". Então, a relação do nome do Amapá é, inclusive, diretamente ligada à origem indígena. É um desrespeito que não pode ser aceito.

    Portanto, é fundamental, urgente e necessário providências, e só restam providências por parte do Ministério Público às ameaças à Terra Indígena Waiãpi. Não somente providências em relação a isso, mas providências sobre essa famigerada Portaria 128, que ameaça terras indígenas, ameaça de devastação na Amazônia e entrega as vastas regiões da Amazônia principalmente ao capital internacional.

    Irei protocolizar requerimento na Comissão de Meio Ambiente daqui do Senado e nas comissões que forem necessárias, para que se tenha audiência pública sobre essa Portaria 128. Essa dita Portaria 128 é a maior ofensa dos últimos 50 anos. Eu acho que, desde a ditadura, Sr. Presidente, não havia uma ofensiva tão grande contra um interesse nacional na Amazônia, contra a proteção da Amazônia e a proteção de nossas florestas e contra os direitos dos povos indígenas. Esta ameaça, mais uma vez, não pode prosperar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2017 - Página 105