Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à reforma trabalhista.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Críticas à reforma trabalhista.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2017 - Página 31
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • CRITICA, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, MOTIVO, AUSENCIA, PROTEÇÃO, TRABALHADOR, RETIRADA, IMPORTANCIA, SINDICATO, REFERENCIA, EXTINÇÃO, CONTRIBUIÇÃO SINDICAL, DESNECESSIDADE, HOMOLOGAÇÃO, ENTIDADE, HIPOTESE, RESCISÃO, DEMISSÃO COLETIVA, LEITURA, TRECHO, NOTA, DIVULGAÇÃO, JUIZ, JUSTIÇA DO TRABALHO, ASSUNTO, MATERIA.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Vamos tentar expor essas ideias num tempo razoável.

(Soa a campainha.)

    O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Eu agradeço.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – Eu pretendo, Senadores, debater hoje a reforma da CLT proposta pelo Governo e lanço como premissa este conceito: a legislação trabalhista não se restringe a um conjunto de normas e prescrições legais que regulam relações de empregados e empresas. É muito mais do que isso. Sua filosofia básica é que, nas relações entre capital e trabalho, com interesses necessariamente conflitantes entre as partes, o Estado, através da Justiça do Trabalho, deve desempenhar um papel de protetor da parte mais fraca, a fim de equilibrar o jogo do poder entre elas.

    Mais adiante, discuto pontos específicos da reforma pretendida pelo Governo, que me parecem contrários aos interesses dos trabalhadores.

    Essa desfiguração da CLT, por si mesma, tem um conteúdo que merece ser prontamente rejeitado em sua maior parte, mas é o coração do projeto, baseado nos conceitos liberais – e agora chamados de neoliberais – de que trabalhadores e empresários são igualmente livres para contratar, que merece o mais absoluto e completo repúdio.

    Fixemos, pois, nesse ponto. O trabalhador não é livre para contratar. O empresário é que é dono do posto de trabalho, o especificador do trabalho, o organizador, em última instância, do sistema de trabalho. Em geral, salvo em épocas excepcionais de pleno emprego, ele é livre, sim, para escolher o trabalhador. A consequência disso é que o trabalhador entra, na relação de trabalho, já numa posição inferior, como demandante de trabalho, sem o qual não vive.

    O primeiro movimento destinado a assegurar aos trabalhadores o meio de equilibrar suas forças conjugadas com a do capital surgiu no âmbito da própria classe operária, surgiu com o sindicalismo, em grande parte sob influência socialista e anarquista. Na Europa, exceto pelas condições peculiares da Rússia, o sindicalismo evoluiu para formas não revolucionárias, até consolidar-se, pela ação de grandes líderes políticos, num grande pacto social-democrata. Os republicanos norte-americanos resistiram ferozmente ao sindicalismo desde o início do século XX até o New Deal dos anos 1930, quando a política de Roosevelt foi fortemente na proteção do trabalho. Entretanto, no começo dos anos 1980, com Ronald Reagan, o sindicalismo norte-americano foi de novo duramente reprimido, assim como na Inglaterra de Margaret Thatcher. Já na Europa, a despeito da forte crise econômica desde 2008, a estrutura básica social-democrata ainda funciona razoavelmente, inclusive na Inglaterra.

    Deve-se analisar o modelo sindical liberal dos Estados Unidos à luz da economia política do país. É um sistema econômico dinâmico, com ênfase no crescimento, resultando em fortes ondas de ascensão social, que funcionam como atenuador de conflitos de classe. Mais importante, o combate ao desemprego integra explicitamente a política fiscal monetária, de que é exemplo a política de Barack Obama após a crise de 2008. Em sete anos, o déficit fiscal acumulado, voltado para estimular investimento e emprego, chegou a US$7 trilhões.

    Estou fazendo esta digressão sumaríssima para chamar a atenção para o fato de que a reforma proposta pelo Governo Temer está solidamente ancorada no modelo do sindicalismo liberal norte-americano sem o crescimento americano e sem o comprometimento americano com o pleno emprego, que é uma das características que diferem o banco central americano, o Federal Reserve, do nosso Banco Central. Lá o trabalhador ligado a grandes estruturas sindicais, ditas democratas, goza de alguma proteção contratual; já o trabalhador "livre," entre aspas, com reduzida proteção, já que não pertence a sindicato, beneficia-se, de qualquer forma, de um dinamismo da economia que continua atraindo centenas de milhares de migrantes anualmente.

    Vou me ater inicialmente a dois pontos específicos da reforma proposta que ferem o princípio de intervenção do Estado para equilibrar relações trabalhista.

    O primeiro ponto é a contribuição sindical obrigatória, instituída nos primórdios da legislação trabalhista. Ela foi introduzida na legislação em vista à óbvia presunção de que trabalhadores de salários mais baixos e de baixo nível de conscientização política dificilmente contribuiriam para seus sindicatos. De um ponto de vista liberal, isso seria um anacronismo. Mas acaso o trabalhador médio brasileiro já adquiriu consciência de classe suficiente para destinar a seu sindicato 1% de seu salário por ano voluntariamente? Ou ele terá apenas a visão de curto prazo, só contribuindo para o sindicato quando efetivamente precisar dele? O que se pretende com a reforma, sem sofisma, é enfraquecer financeiramente a estrutura sindical de um ponto de vista sociopolítico.

    O segundo ponto é a proposta da prevalência do contratado sobre o legislado. A combinação desse item com o item anterior configura a intenção manifesta de liquidar a proteção ao trabalhador: por um lado, enfraquece-se o sindicato; por outro, o sindicato enfraquecido vai para a mesa de negociação com os representantes patronais para estabelecer um contrato de trabalho que pode simplesmente ignorar os mais desfavorecidos. Quem garante que um sindicato enfraquecido não vá ceder direitos aos trabalhadores na negociação?

    Sabemos que a contribuição compulsória não configura um sistema perfeito. Sabemos que dá margem à burocratização e corrupção de dirigentes. Sabemos que tende a desfigurar a representação autêntica dos trabalhadores. Mas qual instituição humana que não é sujeita a distorções? Essa, em particular, pode ser aperfeiçoada segundo seus objetivos – estabelecer equilíbrio de força entre trabalhadores e patrões –, para não ser simplesmente destruída. Pelo menos que haja um período adequado de transição para um novo sistema.

    Por certo que há um anacronismo no sistema de contribuições sindicais compulsórias que pode ser imediatamente removido. É esse anacronismo a contribuição sindical do patronato. Na origem, isso pode ter sido justificado pelo despreparo do empresariado nascente para uma ação coletiva, o que tornava razoável a imposição de uma taxa sindical comum, a exemplo da que existia do lado trabalhista.

    Hoje isso não mais se justifica. O empresariado sabe perfeitamente como financiar seus interesses comuns. A propósito, as grandes campanhas empresariais dos últimos tempos não estão relacionadas especificamente com questões trabalhistas, mas, sim, com questões políticas. Por exemplo, foi noticiado, na época da votação do impeachment, que a Fiesp fez um caixa de R$500 milhões, junto com outras federações de indústria, a fim de comprar apoio para a derrubada da então Presidenta. Por trás desse dinheiro, provavelmente estava a contribuição sindical de natureza parafiscal. Contribuição que também financia...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... campanhas empresariais contra impostos.

    Sobre pontos específicos da reforma, peço licença à Juíza do Trabalho Tamara Hiss para reproduzir trechos de uma nota recentemente publicada por ela na internet. São esclarecedores. Ei-los:

Sabia que está autorizada pela Reforma a blindagem patrimonial? Ou seja, seu “patrão” poderá criar uma nova empresa, com os mesmos sócios, e mesmo que ela seja sócia majoritária da empresa em que você trabalha, ela não responderá por nenhuma verba trabalhista? Novo artigo 2º, §3º da CLT.

Você sabe que se o seu “patrão” vender a empresa, ele não será mais responsável por suas verbas trabalhistas, mesmo que você trabalhe 5 anos para ele, e 1 dia para a empresa nova? Novo artigo 448 da CLT

[...]

Você sabia que passa a existir a modalidade de dispensa “por acordo”, em que o empregado receberá metade do aviso prévio e da multa do FGTS, saca 80% do FGTS, e não tem direito ao seguro desemprego, e o sindicato não precisará mais homologar para saber se o acerto está certo? Na prática, o “acordo” será: assina ou não recebe... Novo artigo 458 da CLT

[...] contaram [aos trabalhadores] que se [...] [tiverem] formação superior e [...] [receberem] mais do que R$11.062,62, não poderá questionar cláusulas que considere injustas do seu contrato na Justiça do Trabalho? Seu contrato terá o mesmo valor que uma Convenção Coletiva firmada por sindicato, e terá prevalência também sobre a lei. Novos artigos 444 e 611-A da CLT

Alguém disse [aos trabalhadores] que [...] [poderão] ser contratados sempre como “autônomo”, independente de sua função, ainda que trabalhe exclusivamente para seu patrão todos os dias? Vai sobrar algum empregado? [É o que exprime o] novo artigo 442-B da CLT

[...] [Sabem os trabalhadores] que agora você poderá ser contratado de forma intermitente? Nesse contrato, se a empresa quiser que você trabalhe menos dias ou menos horas em uma semana de menor movimento, você só receberá pelas horas trabalhadas, e não um salário mensal ajustado. Ou seja, não poderá programar adequadamente nem os dias e horários de trabalho, e nem saberá quanto receberá ao final do mês. Novos artigos 443 e 452-A da CLT

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) –

Sabia que o valor do dano moral do trabalhador será medido de acordo com seu salário? Ou seja, se houver morte, lesão, humilhação por culpa da empresa, a vida de quem ganha mais terá maior valor, e a de quem ganha menos, menor valor? Novo artigo 223-G §1º da CLT.

    Vejamos alguns outros pontos da reforma, esses apontados pelo advogado trabalhista Marcelo Mascaro. Eu iria elencar isso. Tenho ou não tempo?

(Intervenção fora do microfone.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – Então, prossigo.

    A ajuda de custo não vai integrar salário. Valores relativos a prêmios, importâncias pagas habitualmente sob o título de ajuda de custo, diária para viagens e abonos, assim como os valores relativos à assistência médica ou odontológica, não integrarão o salário. Na prática, isso significa que boa parte do salário do empregado poderá ser paga por meio dessas modalidades, sem incidir nas verbas do INSS e do Fundo de Garantia.

    Segundo, vai ficar mais difícil pedir equiparação salarial. O requisito para equiparação salarial da prestação do serviço precisa ser na mesma localidade. Isso será alterado para o mesmo estabelecimento empresarial, devendo ser prestado para o mesmo empregador por tempo não superior a quatro anos.

    Tal alteração diminui as chances de se pedir equiparação nos casos de empregados que exercerem a mesma função, mas recebem salários diferentes, pois trabalham em empresas diferentes do grupo econômico. Além disso, exclui-se a possibilidade de reconhecimento do paradigma remoto, quando o pedido de equiparação se dá com um colega que teve reconhecida, por via judicial, a equiparação com outro colega.

    Terceiro, gratificação para quem tem cargo de confiança não vai integrar salário depois de dez anos. Atualmente a gratificação paga para quem está em cargo de confiança, que hoje é em torno de 40% do salário básico, é incorporada ao salário do empregado, caso este fique no cargo por mais de dez anos. A proposta remove essa exigência...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... temporal, não incorporando mais gratificação à remuneração quando o empregado é revertido ao cargo anterior.

    Quarto, homologação de rescisão pelo sindicato deixa de ser obrigatória para quem tem mais de um ano de casa. Não haverá mais necessidade de homologação do termo de rescisão pelo sindicato ou pelo Ministério Público para os empregados que trabalharem por mais de um ano. Vale a assinatura firmada somente entre empregado e empregador.

    Quinto, demissão em massa não precisará mais ter a concordância do sindicato. As dispensas coletivas, também conhecidas como demissões em massa, não precisarão mais de concordância do sindicato. Elas podem ser feitas diretamente pela empresa, da mesma forma que se procederia na dispensa individual. Quem aderir a plano de demissão voluntária não poderá reclamar direitos depois.

    Perder habilitação profissional vai render demissão por justa causa.

    Acordo poderá permitir que trabalhador receba metade do aviso prévio. Foi criada a possibilidade de se realizar acordo, na demissão do empregado, para recebimento de metade do aviso prévio indenizado.

    O trabalhador poderá movimentar 80% do valor depositado na conta do FGTS, mas não poderá receber o benefício do seguro-desemprego.

    A arbitragem poderá ser usada para conflitos trabalhistas.

    A contribuição sindical será facultativa. A contribuição sindical deixa de ser obrigatória e passa a ser facultativa tanto para empregados quanto para empregadores.

    A duração da jornada e dos intervalos poderá ser negociada. As regras sobre duração do trabalho e intervalos passam a não serem consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins da negociação individual. Isso significa que poderão ser negociadas, ao contrário do que ocorre atualmente.

    Negociações deixam de valer após atingirem prazo de validade. Atualmente, uma vez atingido o prazo de validade da norma coletiva, convenção ou acordo, caso não haja nova norma, a negociação antiga continua valendo.

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – Pela proposta reformista, isso deixa de acontecer e o acordo coletivo vai prevalecer sobre a convenção coletiva.

    Fica garantida a prevalência do acordo coletivo, negociação entre empresa e sindicato sobre as convenções coletivas. Atualmente, isso só acontece nas normas que sejam mais benéficas para o empregado. Agora, será o contrário. Quem perder ação vai pagar honorários entre 5 e 15% do valor do processo. Isso passa a valer até mesmo para beneficiário da Justiça gratuita, que ficará com a obrigação em suspenso por até dois anos após a condenação.

    Srªs e Srs. Senadores, este é o escopo da reforma trabalhista proposta. Ela remete ao capitalismo selvagem do fim do século XIX e início do século XX. Votar por esta reforma...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... é votar pela convulsão social. Não se vai esperar que o trabalhador que criou com a sua luta as condições para um sistema de relações trabalhistas que, bem ou mal, evitou maiores turbulências sociais nos últimos 50 anos ficará inerte diante do esbulho que se prepara contra ele.

    É o nosso desafio, a nossa obrigação como Parlamentares evitar o retrocesso e recolocar o País no rumo de um novo pacto social com uma legislação trabalhista e previdenciária avançada e não com essas falácias que está nos impondo descaradamente esse Governo, ao qual, decididamente, como disse o Presidente Temer numa entrevista recente, falta mesmo um marido. Para eles, falta um marido, falta a sensibilidade social, falta reconhecimento dos avanços civilizatórios do Brasil...

(Interrupção do som.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... e da luta dos trabalhadores, não só no País, (Fora do microfone.)

    mas, pelos últimos séculos, em todo o Planeta Terra.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2017 - Página 31