Fala da Presidência durante a 58ª Sessão Especial, no Senado Federal

Abertura da sessão especial destinada a celebrar a passagem do ducentésimo ano da Revolução Pernambucana de 1817.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Abertura da sessão especial destinada a celebrar a passagem do ducentésimo ano da Revolução Pernambucana de 1817.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2017 - Página 8
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • ABERTURA, SESSÃO ESPECIAL, OBJETIVO, CELEBRAÇÃO, ANIVERSARIO, CENTENARIO, REVOLUÇÃO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).

    O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Declaro aberta a sessão.

    Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos.

    A presente Sessão Especial destina-se a celebrar a passagem do centésimo ano da Revolução Pernambucana de 1817, nos termos do Requerimento nº 110, de 2017, de nossa autoria e de outros Senadores.

    Convido para a composição da Mesa, desde já agradecendo a aceitação do nosso convite e a gentileza de suas presenças, o Prof. José Luiz Mota Menezes, arquiteto e doutor em História da Arte, membro da Academia Pernambucana de Letras.

    Convido também o Prof. Vamireh Chacon, doutor em Direito pela tradicional Faculdade de Direito do Recife e também pela Universidade de Munique, na Alemanha, com pós-doutorado na Universidade de Chicago, Estados Unidos.

    Convido o Dr. Leonardo Dantas Silva, conselheiro e consultor do Instituto Ricardo Brennand, Recife, e membro efetivo do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

    Convido o Dr. Paulo Santos de Oliveira, jornalista, escritor, autor dos romances históricos A Noiva da Revolução, sobre a república nordestina de 1817, e o General das Massas, sobre o General Abreu e Lima.

    Convido o Sr. Dr. George Félix Cabral de Souza, Presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, doutor em História pela Universidade de Salamanca, na Espanha, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco e acadêmico honorário da Academia Portuguesa de História.

    Convido o Sr. Dr. Flávio José Gomes Cabral, doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco, professor de história do curso de graduação e do programa de mestrado profissional de História da Universidade Católica de Pernambuco e atual coordenador do curso de História da referida universidade.

    Convido o Sr. Dr. Luiz Carlos Villalta, doutor em História pela USP, professor de história do Brasil colonial e de práticas de ensino da Universidade Federal de Minas Gerais e professor da Universidade Federal de Ouro Preto, também em Minas Gerais.

    Ao Sr. Ricardo Mello, da Companhia Editora de Pernambuco, quero agradecer por nos ter ajudado com as gravuras sobre a Revolução Pernambucana de 1817.

    Agradeço também ao setor de relações públicas do Senado pelo importante e indispensável apoio, bem como a todas as equipes de assessoria envolvidas neste trabalho.

    Estamos aqui no aguardo do Ministro da Cultura, Roberto Freire.

    Também gostaria de anunciar aqui as presenças do representante do Governador do Piauí, Sr. Roberto John Gonçalves da Silva, e da Deputada pernambucana, D. Creuza, de Serra Talhada.

    É uma alegria tê-la aqui conosco!

(Intervenção fora do microfone.)

    O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Sim, de Salgueiro.

    Está bom. Fazer essa confusão é grave! (Risos.)

    Convido todos para, em posição de respeito, acompanharmos a execução do Hino Nacional e o Hino do Estado de Pernambuco.

(Procede-se à execução do Hino Nacional.)

(Procede-se à execução do Hino do Estado de Pernambuco.)

    O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Srªs Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes que nos acompanham pela Rádio Senado e pelas redes sociais, esta sessão solene é uma oportunidade de um justo reencontro com a história. É uma oportunidade de grande significado para tomarmos lições do passado, entendermos melhor o nosso presente e termos mais base para projetar com altivez o nosso futuro.

    É uma oportunidade de revisitar a Revolução Pernambucana de 1817, um movimento libertário amalgamado pela coragem de um povo que não aceitou os arreios impostos pelo governo colonial de D. João VI. Ficou conhecida como a "Revolução dos Padres", porque tem boa parte de sua origem creditada ao Seminário de Olinda, na época recém­criado sob ideias iluministas e libertárias, mas também dos maçons, dos senhores de engenho, dos militares, artesãos, juízes. Mas foi, sobretudo, uma revolução do povo pernambucano.

    Questões econômicas e sociais estão na origem desse movimento histórico de emancipação. Pernambuco, que era uma das capitanias mais ricas do Brasil Colônia, sobretudo pela cultura do açúcar, era forte e pujante. Mas era, igualmente, a que mais transferia riquezas para a Corte. No Rio de Janeiro, a riqueza produzida em Pernambuco custeava as mordomias da Família Real e os dispendiosos serviços públicos, como a iluminação pública do Rio, que Pernambuco bancava sem que dispusesse do mesmo serviço.

    As fortes reações da Europa contra a escravidão foram outro fator que acelerou, entre os revolucionários pernambucanos, a necessidade de uma reação imediata ao cárcere dos negros no País, muito embora o movimento não tenha cogitado abolir a escravidão, chegando até mesmo a tranquilizar os produtores rurais quanto à inviolabilidade dos escravos de sua propriedade.

    Ao mesmo tempo, a capitania sofria os dramáticos efeitos de uma seca monumental, como foi a de 1816, que atingia as culturas agrícolas basilares do açúcar e do algodão. A sede e a fome se juntaram à indignação e à revolta com o rumo que as coisas seguiam. Tomava forma o cenário para a revolução.

    O embate contra a opressão e contra a injustiça, também fincado nos ideais políticos de "igualdade, fraternidade e liberdade" da Revolução Francesa de 1789, ganhava, naqueles tempos, contornos que impulsionariam os pernambucanos para uma reação firme e corajosa, revolucionária. Ali se fortalecia o espírito de luta contra injustiças que acompanharia os pernambucanos até os dias de hoje.

    Em1817, foi a revolução liderada por Domingos José Martins, pelos padres Roma e João Ribeiro, pelo Vigário Tenório. Iniciou na luta a lendária figura de Frei Caneca, que, sete anos depois, liderou a Revolução de 1824. Foi a revolução de Antônio Gonçalves da Cruz, o Cruz Cabugá, e de Gervásio Pires. Do advogado José Luís de Mendonça, do capitão Domingos Teotônio Jorge, do fazendeiro Manuel Correia de Araújo. Foi a revolução do capitão José de Barros Lima, o lendário Leão Coroado, cujo gesto de reagir e matar o comandante opressor que fora a Pernambuco prendê-lo "em nome do Rei" consolidaria o início do movimento, no dia 6 de março.

    É importante destacar que foi a única revolução emancipacionista que saiu da conspiração para a vitória, sendo vista com simpatia e respeito por governos estrangeiros. Foi o caso dos Estados Unidos, que haviam instalado o seu primeiro consulado no Brasil e chegaram a receber uma missão do governo provisório e revolucionário liderada por Cruz Cabugá. Foi o caso, também, dos capitães franceses de Napoleão Bonaparte, que, nos planos de resgatar o seu lendário general do exílio na ilha de Santa Helena, tinha Pernambuco libertado como ponto de passagem para levá-lo até a cidade norte-americana de Nova Orleans.

    A Revolução de 1817 também foi um movimento integrado ao seu tempo. Não só na Europa as guerras revolucionárias tomavam vulto. Aqui no continente, vários países passaram por experiências libertárias, como o Haiti, cujos próprios escravos declararam a independência em 1803, o Paraguai, em 1811, a Argentina, em 1816, e várias províncias espanholas a partir dos anos de 1820.

    No Brasil, teve a adesão de praticamente todas as províncias nordestinas, em especial da Paraíba e do Rio Grande do Norte, mas também do Ceará. Enfrentou as forças da Bahia, que, junto com as do Rio de Janeiro, foram enviadas às terras pernambucanas por ordem do rei, que determinou o enfrentamento feroz e sem tréguas.

    Vivemos, neste momento, a lembrança de um período em que a história do nosso País se enriquece e se engrandece.

    Há 200 anos, surgia no cenário brasileiro uma "nova Roma de bravos guerreiros", como bem diz um dos versos do Hino de Pernambuco, ou o Leão do Norte, como nosso Estado ficou conhecido ao longo dos anos, sendo cantado recentemente pelo compositor e poeta Paulo César Pinheiro e pelo seu parceiro, o músico pernambucano Lenine, numa canção que também já virou uma espécie de nosso hino extraoficial.

    Fôssemos um País de mais memória, o Brasil inteiro, não somente Pernambuco, estaria comemorando, neste momento, uma de suas datas mais significativas. Longe de ser um simples movimento nativista, a Revolução Pernambucana de 1817 foi um ato histórico da maior relevância. Afrontou a Coroa Portuguesa e, por um período, derrotou-a. Historiadores estão aí para analisar a questão, mas foi um movimento que, pelos seus motivos, ajudaria a desaguar na Independência do Brasil, que viria a chegar cinco anos mais tarde, em setembro de 1822.

    Foi quando Pernambuco tomou nas mãos o destino de uma região inteira, inconformada com a servidão política e com a cobrança extorsiva de impostos, quando se ergueu "a terra dos altos coqueiros", a mesma que, em 10 de novembro de 1710, já havia se feito República com o brado de Olinda, onde foi instituído o primeiro Senado, e que viveria, sete anos mais tarde, um "desdobramento" libertário por meio de Frei Caneca, na Confederação do Equador, em 1824, o mesmo Frei Caneca também herói da Revolução que hoje aqui saudamos em seu bicentenário.

    A pernambucana foi a única revolução anticolonial que logrou êxito no Brasil, a única que venceu, mesmo que temporariamente, mesmo que por apenas 75 dias, quando a força desproporcional da Coroa suplantou o movimento. Nesse curto tempo de Governo Provisório, foram reduzidos os impostos, foram postos em liberdade presos políticos, foram valorizados os soldados da Capitania, ações que renderam forte empatia popular. É a Revolução de 1817 um marco não só para a história do nosso Estado, mas para o sentimento de valorização que constitui uma verdadeira marca do seu povo.

    Costuma-se dizer, lá na minha terra, que o pernambucano é quem detém o mais arraigado orgulho "em linha reta" do universo. Uma das rádios de lá, a Jornal do Commercio, adotou até hoje o slogan, famoso e nada modesto: "Pernambuco falando para o mundo". A bandeira azul e branca, herança direta de 1817, é exibida com altivez e com charme nos carnavais, nos campos de futebol, nas roupas de uso diário dos homens e mulheres. Tudo resulta de um sentimento de amor ao seu Estado e à sua história, plantado por movimentos dos quais a Revolução de 1817 é o mais representativo de todos.

    Mais do que esse sentimento, digamos, pátrio, o pernambucano herdou de sua grande Revolução o espírito de luta que sempre o caracterizou, o espírito altaneiro e rebelde, que vai atrás de seus direitos e que luta como um leão pelo que entende ser justo, como o Leão do Norte que é. Um antigo político do nosso Estado, o ex-Governador Manoel Borba, costumava dizer que "o pernambucano só se curva para agradecer".

    A herança de 1817 legou ao Estado esse espírito insurgente, esse sentido de democracia e de combate às injustiças que acompanha suas lutas e seus filhos. Desde sempre, têm partido de Pernambuco movimentos históricos e reações firmes a todo o tipo de tirania e de malfeito: das revoluções coloniais, como o emblemático movimento do qual hoje tratamos, como de vários outros momentos históricos quando seus filhos foram perseguidos, torturados e mortos por lutar pelo que é certo e pelo que é direito.

    A luta de 1817 reflete a luta dos últimos tempos, da Revolução de 1930, do movimento de 1935, da resistência ao Estado Novo, ao golpe de 1964, ao golpe do ano passado. Esse é o espírito que, presente em todos os momentos mais dramáticos da nossa história, caracteriza Pernambuco.

    Particularmente nesse período iniciado em 1964 que perdurou até a anistia, em 1979, não foi à toa que a repressão em Pernambuco atingiu níveis de barbárie tão alarmantes. Foi um tempo de quadros políticos arrastados a correntes pelas ruas do Recife, de governantes depostos e exilados, de militantes massacrados por causa de suas ideias e desaparecidos. Pernambuco, com o espírito libertário herdado dos seus heróis do passado, sempre foi alvo preferencial dos tiranos, dos ditadores, sejam eles explícitos ou disfarçados de democráticos ou de salvadores da Pátria.

    Também nos dias de hoje, os ideais dos revolucionários pernambucanos nos legam o mesmo sentimento, a mesma vontade política e a mesma convicção histórica para lutar contra ideias que atentem contra a liberdade e contra o Estado de direito. Eles nos fazem lutar diante de pautas nefastas, muitas vezes indecentes, que atentam contra o povo e contra as suas conquistas históricas, sejam elas democráticas, sociais ou trabalhistas.

    Por tudo isso, precisamos ter a Revolução Pernambucana de 1817 como um momento histórico do qual não devemos apenas nos lembrar e a ele prestar um justificado tributo – como fazemos, hoje, aqui neste Senado –, mas precisamos guardá-la como um balizador de tudo o que ainda temos que enfrentar, males ainda tão presentes, como a exploração econômica, a injustiça social, o ataque aos direitos dos trabalhadores, a existência do trabalho escravo.

    Enfim, é preciso ter, em movimentos libertários, como a Revolução de 1817, a inspiração para não permitir retrocessos, para lutar contra todo o tipo de ação que não represente nem respeite os ideais democráticos e a vontade soberana do povo.

    Viva a Revolução de 1817! Viva o povo pernambucano!

    Muito obrigado a todos e a todas. (Palmas.)

    Quero aqui registrar, com muita alegria, a presença do nosso querido Senador por Brasília, que é também um grande pernambucano, Senador Cristovam Buarque.

    Eu queria registrar aqui também a presença dos professores e professoras da Universidade de Brasília, Marcilio de Brito, Maria Alice Guimarães Borges e Salviano Guimarães.

    Concedo a palavra... Há algum Senador inscrito? (Pausa.)

    Não havendo Senadores inscritos, quero convidar...

(Intervenção fora do microfone.)

    O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Com muita alegria, V. Exª... Vou seguir aqui o protocolo: V. Exª está com a palavra.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2017 - Página 8