Discurso durante a 60ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de audiência realizada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, com a participação de representantes da Organização Internacional do Trabalho-OIT, quando trataram sobre a assinatura de protocolo que visa reafirmar compromisso previsto na Convençao 29, que trata do combate ao trabalho escravo.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Registro de audiência realizada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, com a participação de representantes da Organização Internacional do Trabalho-OIT, quando trataram sobre a assinatura de protocolo que visa reafirmar compromisso previsto na Convençao 29, que trata do combate ao trabalho escravo.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2017 - Página 96
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • REGISTRO, AUDIENCIA, COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS (CDH), PARTICIPAÇÃO, REPRESENTANTE, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), ASSUNTO, RATIFICAÇÃO, PROTOCOLO, CONVENÇÃO, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado.

    As pessoas, às vezes, dizem assim: "Vocês só sabem falar isso". Mas a gente tem de falar, nós somos poucos para combater isso. Então, temos de falar disso. Então, mais uma vez, as reformas, não especificamente a reforma em si, mas vou falar de um evento, realizado hoje, na Comissão de Direitos Humanos, com a Organização Internacional do Trabalho. E é exatamente a OIT descobrindo que o trabalho forçado, como ele bota em seu texto, escravidão moderna, está avançando, tem uma visibilidade maior, parece aumentando. Então, eles estão fazendo um protocolo reafirmando a Convenção 29, que é de 1930, e que já combatia o trabalho escravo.

    E, aí, foi uma solenidade muito bonita, porque contou com a participação de membros da OIT. Veio de Genebra o diretor responsável pelo combate ao trabalho escravo.

(Soa a campainha.)

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Vieram os representantes da OIT aqui no Brasil e representantes do Governo – através do Ministério do Trabalho e da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Representantes da Justiça do Trabalho – havia um Ministro, não me recordo o nome, um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Procuradoria do Trabalho. Entidades de trabalhadores. Entidades empresariais – a indústria têxtil estava lá para prestar constas e aderir ao protocolo.

    Trata-se de um protocolo que o Brasil está sendo convidado a assinar. E o Brasil sinalizou, a Casa Civil sinalizou que vai assinar, que o Brasil vai ratificar o protocolo. E, ratificando esse protocolo, o Brasil entra numa contradição muito grande: porque o protocolo é exatamente o contrário do que está aqui e foi enviado por esse mesmo Governo, que são as reformas trabalhista e da previdência. O protocolo tem ações muito ousadas, de governo, para combater o trabalho escravo.

    E a campanha Assina Brasil – que é uma campanha que a OIT está fazendo para o Brasil ser o próximo país a assinar (treze países já assinaram). A OIT lançou aqui hoje a campanha Assina Brasil. Tem o símbolo dela ali no espaço Ivandro Cunha Lima, perto da agência do Banco do Brasil.

    É exatamente uma tecnologia muito interessante, porque a cada pessoa que assina no equipamento cai uma gota de tinta para a caneta que será a caneta com que o Brasil vai usar para assinar o protocolo.

    Então, é muito interessante. É o aplicativo #AssinaBrasil. Você assina e aí você colabora. E, além disso, há essa novidade tecnológica em frente à agência do Banco do Brasil.

    E a gente tem que estar responsável para fazer essa campanha. Todo mundo que foi lá se comprometeu em fazer a campanha para que o Brasil seja o próximo país a assinar esse protocolo.

    Mas aí a gente vê, além da contradição, e hoje lá, quem esteve, viu a contradição com a lei trabalhista, porque nós tivemos depoimentos de trabalhadores. Um vídeo feito pelo Wagner Moura, aquele ator da Globo, que é o embaixador do Brasil na ONU para o combate ao trabalho escravo. Ele entrevistou trabalhadores recém-saídos do trabalho escravo no Brasil. E um dos meninos – Rafael Ferreira da Silva – veio fazer um depoimento. E ele deixou uma carta da qual vou ler um trecho. Ele diz:

Comecei a trabalhar em uma fazenda aos 12 anos no interior do Mato Grosso, por causa das dificuldades financeiras do meu pai. A gente levava uma vida muito simples. O meu pai se separou da minha mãe e eu fiquei com ele, que me mandou trabalhar porque era preciso. Eu trabalhava levando água para os braçais do roçado, debaixo de um sol de 40 graus [um menino de 12 anos], para ganhar R$5,00 a diária [era 2005, parece-me].

À noite eu dormia em um barraco de lona no meio do mato. Se o tempo virasse, tomava chuva e passava frio. Comia o que me davam, arroz e feijão, e tomava água de um córrego onde bois e outros animais também bebiam.

Não tinha banheiro. O pior de tudo é que eu estava endividado, não podia ir embora quando quisesse. Tinha que trabalhar mais para pagar o que devia.

    Ora, essa é uma prática. As pessoas levam os trabalhadores, e aí, na hora em que eles querem sair daquela situação, elas inventam uma dívida. Botam tudo lá: a comida; o facão que ele usa; os instrumentos todos que ele possa usar; quando há, os equipamentos de segurança; a moradia, como ele falou aqui, é um barraco de lona, mas eles colocam na nota e você está devendo tanto. Então, ainda tem que trabalhar mais um tanto para poder receber o seu dinheiro.

    Ele trabalha, mas aquele período que ele trabalha de novo é debitado na conta. Então, ele nunca paga a dívida. Esse menino fez um depoimento lá que foi aplaudidíssimo, sem falar no depoimento que o Wagner fez nas entrevistas – o Wagner Moura fez no vídeo.

    Eu até quero ver se é possível, nessas audiências que nós vamos fazer, abrir mão de uma fala para passar o vídeo. Vamos ver se é possível, porque o vídeo diz tudo. Eu quero ver a cara de alguns Senadores, depois de ver aquele vídeo. Porque, infelizmente, na Comissão de Direitos Humanos, pouca gente vai. Mas o vídeo está lá e é importantíssimo que a gente o passe, porque é o depoimento de trabalhadores sobre como são tratados.

    Isso tudo sob uma lei que proíbe. Imaginem agora uma lei que permite? Porque aqui, ontem, houve um debate. Até chamaram o Senador de mentiroso quando ele falou que a lei diz que o salário pode ser pago com a moradia, com a comida – e aí, claro, se tiver equipamentos, vão colocar equipamentos.

    E eu quero dizer que a primeira crítica a esse projeto, que eu vi e fiquei espantada, foi da Miriam Leitão. Inclusive ela falando que foi falar com o autor, e ele negou, que não era isso, e ela contestava com ele. Ela disse: "Mas está aqui, escrito assim. Então, o senhor não leu o projeto que o senhor mesmo apresentou." Ela, Miriam Leitão, que, convenhamos, não tem nenhuma simpatia pelo nosso lado. Então... E ela colocando muito claro que é um absurdo aquilo que está escrito naquele projeto. E aí a gente constata que, se essa lei for aprovada, é a permissão de explorar o trabalhador, tirar a última gota de sangue que ele tiver.

    E aí realmente não vai ter aposentadoria, não, porque ele vai morrer antes. E aí a previdência vai ser superavitária, porque pouca gente vai se aposentar. Acho que o objetivo deve ser esse, dessas duas reformas juntas, da previdência e trabalhista.

    E, nos dados da OIT e do Brasil, a questão... Eu já falei ontem aqui que os trabalhadores foram libertados, mas ainda existem 21 milhões de pessoas, no mundo, vítimas do trabalho escravo. Por isso esse protocolo da OIT, para despertar para essa campanha.

    Agora, o protocolo é meio ousado. Ele fala que o país que aderir tem que fazer um plano nacional de combate ao trabalho escravo junto com as empresas, com os empregadores e com os empregados. Quero ver isso acontecer. O Brasil, através da Casa Civil, sinalizou que vai assinar o protocolo. Então, vão mandar para cá alguma coisa, algum projeto nesse sentido. Mas aqui, no protocolo, diz que isso tem que ser discutido com os trabalhadores e com os empregadores. Vamos ver como é que isso vai acontecer. Sem falar que tem que ter toda uma garantia para as vítimas, que o Estado tem que assumir isso, um processo educativo de empregadores e de empregados, tem que informar, educar... Está lá, textualmente, no protocolo da OIT, dizendo isso.

    Então, eu acho que é um avanço para o Brasil assinar, para os trabalhadores, mas entra em uma contradição tremenda com o que está aqui. O senhor já falou que a lei saiu com sete artigos e já tem mais de cem. Então, quer dizer, é o Parlamento que está fazendo isso. Eu não lembro exatamente os sete pontos que vieram, mas vou dar uma olhada – que vieram originalmente –, porque, realmente, a gente percebe isto aqui: medida provisória que chegava com três artigos saía com 50, 60. E todo mundo querendo colocar lá, às vezes, até uns jabutis que não têm nada a ver.

    Mas o certo é que eu estou torcendo para que o Brasil assine esse protocolo. E, se ele já sinalizou para a Organização Internacional do Trabalho, acho que não vai voltar atrás. Mas o principal é a gente, é o cidadão – e aí Senadores e Senadoras –, passar lá. Aliás, não passar, mas se quiser passar para ver como funciona, assinar lá, na hora, para ver a sua gotinha de tinta caindo lá, na caneta. Para cada um que assina cai uma gotinha, e pode assinar onde estiver, mas é interessante fazer lá, para você ver a sua gotinha de tinta caindo na caneta que vai assinar o protocolo.

    Então, quanto a essa carta do Rafael, eu gostaria de que ela ficasse nos Anais, porque é uma carta comovente de um menino que hoje tem 24 anos e que passou por essa situação. O protocolo está em francês, mas é uma leitura muito fácil, e ele vai vir depois, aqui, para ser anexado.

    E eu queria concluir, Presidente, mostrando as contradições do Brasil.

    Houve, na semana passada, em Genebra, um evento da ONU em que ela analisa as políticas de direitos humanos dos países. E o Brasil mandou para lá um relatório que era uma ilha da fantasia. E o Deputado Paulão, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, resolveu ir, mas foi impedido pelo Governo brasileiro. Ele só entrou porque as entidades internacionais se juntaram e o credenciaram. Mas o Governo brasileiro impediu o credenciamento dele. E ele foi credenciado pelas entidades. E aí ele desmontou o relatório brasileiro, lá no discurso na ONU. Isso para você perceber onde nós estamos. Como é que um governo proíbe o credenciamento de um Deputado que é Presidente da Comissão de Direitos Humanos num fórum onde se iria discutir direitos humanos?

    E houve outro acontecimento hoje. Acabo de ler que mandaram fechar o Instituto Lula. Essa foi uma decisão tomada na sexta-feira, mas soltaram hoje. Agora você imagine por que soltaram hoje. E ainda dizem que essa Justiça não é parcial. Eu não compreendo isso, porque aqui há Senador que é campeão de denúncia, mas foi depor e ninguém viu, não houve espetáculo, durou menos de uma hora e não vazou uma vírgula. E a única fala que vazou foi a do advogado, dizendo: "Eu tenho certeza de que vai ser arquivado." Então, ele saiu de lá já com essa certeza. Certamente prometeram a ele lá que não iria dar em nada.

    E, quando é uma pessoa do PT, é esse estardalhaço. É o AI-5 voltando, o Ato Institucional voltando. Fechar um instituto cuja atividade é elaboração de projetos, é análise de conjuntura... Como é que se pode fazer isso em plena democracia? Que democracia é essa? Eu estou lembrando aqui o tempo da intervenção nos sindicatos. O senhor viveu isso também. O governo militar mandava fechar os sindicatos. E a gente alugava uma casinha do lado, para continuar fazendo o sindicato acontecer. Mas isso é impossível.

    É inexplicável e é inaceitável que, no Brasil, para prejudicar uma pessoa, seja preciso fazer tanta maldade, chegar ao ponto de fazer essa arbitrariedade. Se queriam vasculhar o instituto, já foram lá e vasculharam tudo que podiam. Então, fechar o instituto, só para criar um fato negativo para o Lula, porque ele vai depor amanhã, diante do Sérgio Moro. Chamaram testemunhas, dizem, voluntárias, que foram depôr. Tudo isso para fazer crescer o noticiário da rede preferida dele. Ele gravou, inclusive, vídeo. Onde já se viu um juiz que vai julgar ficar gravando vídeo para os seguidores?

    Eu não sei o que vai acontecer com este País se não houver uma revisão desses comportamentos. Ele é julgador. Ele não pode estar se manifestando assim. E, agora, um juiz mandou fechar o Instituto Lula. Eu acho uma arbitrariedade. Eu acho que a gente tem que buscar saber o que se pode fazer, buscar os organismos internacionais, porque isso é cerceamento de liberdade.

    Falam que a gente, que o Lula, que o governo é que defende isso, que defende a censura. Mas, durante os governos Lula e Dilma, não houve censura nenhuma a ninguém. Mas isso que fizeram agora, com o Instituto Lula... O menor nome que a gente pode dar é censura, é cerceamento de liberdade, porque é um instituto apenas de estudo, de um grupo de pessoas que trabalha para produzir análise de conjuntura, para produzir análise de dados e para produzir projetos para este País, que podem ser aplicados ou não, que podem ser aceitos ou não, mas é a visão de País que tem um grupo de trabalho naquele instituto, que já foi o Instituto do Trabalhador nos anos 70. Na Ditadura, já existia aquele instituto. Depois ele virou Instituto Cidadania, nos anos 80 e 90, e, depois que Lula saiu, virou Instituto Lula. Mas é o mesmo lugar, o mesmo instituto, a mesma casa. É inadmissível que isso aconteça no Brasil, nos dias de hoje!

    E, aí, todo mundo vem aqui falar da Venezuela. Há gente que vem aqui só para falar sobre isso e vai embora. Falar da Venezuela, da falta de democracia na Venezuela. E no Brasil? Ninguém fala! Eleição na Venezuela. E eleição no Brasil? Por que é que ninguém fala? Um Presidente ilegítimo, com menos de 10% de aprovação!

    Então, Senador, eu estava falando de um evento bonito da OIT, de que eu tive muito orgulho de presidir. O senhor esteve lá, como convidado também, porque é Vice-Presidente, e a OIT tem uma referência muito importante na sua pessoa. V. Exª foi uma das pessoas que eles procuraram para viabilizar esse evento. E a gente o viabilizou. E a gente convida, mais uma vez, a que todo mundo faça essa assinatura, para pressionar que o Brasil assine o Protocolo 29, da Organização Internacional do Trabalho, que trata do combate ao trabalho escravo.

    Então, era isso o que eu queria falar.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2017 - Página 96