Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Publicação
Publicação no DSF de 27/04/2017 - Página 131

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SECRETARIA DE REGISTRO E REDAÇÃO PARLAMENTAR - SERERP

COORDENAÇÃO DE REDAÇÃO E MONTAGEM - COREM

26/04/2017


    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Socialismo e Democracia/PSB - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o Congresso Nacional votará, em breve, essa que deve ser uma das maiores injustiças já cometidas contra os trabalhadores brasileiros nos últimos anos. A reforma da Previdência, da forma como foi acordada pelo governo, ignora direitos sociais conquistados a duras penas pela população brasileira desde a redemocratização e atende somente aos interesses do sistema financeiro. É preciso frear esta verdadeira arbitrariedade.

    Apesar do desinteresse de parte da grande imprensa pelo tema, que insiste em divulgar somente os supostos benefícios dessa reforma, a lista de desplantes na proposta do Executivo é extensa. A começar pelos termos básicos do texto: estabelecer idades mínimas de 65 e 62 anos para aposentadoria é ignorar a realidade de boa parte de nossa população. Em alguns estados, principalmente do Norte e Nordeste, a expectativa de vida dos homens chega somente aos 68 anos. Que aposentadoria este governo espera que os brasileiros tenham?

    Quanto ao tempo de contribuição necessário para se ter direito ao benefício integral, pouco adiantou o recuo do governo para 40 anos, já que o trabalhador terá de continuar na ativa pelo menos até os 65 anos de idade para ter acesso a uma aposentadoria que, na maioria das vezes, não é sequer suficiente para a subsistência da família. Isso se esse trabalhador tiver a absolutamente invulgar sorte de alcançar toda uma vida laboral na formalidade, em um mercado de trabalho como o brasileiro, caracterizado por elevada rotatividade e informalidade.

    É importante que fique claro aqui que estamos tratando principalmente dos trabalhadores mais vulneráveis, que labutam de sol a sol em atividades extenuantes, mas parece que o governo federal fez questão de se esquecer desses cidadãos. Prova disso é o que se pretende fazer com o Benefício de Prestação Continuada, conhecido como BPC. As atuais regras do programa já são bastante rigorosas: pessoas com deficiência e idosos com mais de 65 anos ganham um salário mínimo, desde que comprovem receber menos de um quarto do salário mínimo por membro da família por mês, ou seja, menos de 234 reais per capita mensais.

    O governo, porém, não considera suficiente tamanho rigor - pretende aumentar para 68 anos a idade mínima para o recebimento do BPC, talvez por considerar que o combate à desigualdade social não seja prioridade.

    Assim, na proposta de reforma da Previdência o governo não somente ignora a necessidade do fortalecimento de instrumentos que promovam equidade, como também esquece que, na grande maioria dos municípios brasileiros, os benefícios pagos pela Previdência superam a arrecadação municipal e o repasse do Fundo de Participação dos Municípios. O ataque ao sistema, portanto, não somente prejudica seus beneficiários, mas toda a economia local, que é em grande medida sustentada por essas verbas.

    A sanha do governo por esta reforma é tão grande que ele se esquece, inclusive, de direitos adquiridos e resguardados pela própria Constituição, como é o caso das alterações propostas para as regras dos servidores públicos. Da mesma forma, o governo ignora - ou aparenta ignorar- que faltam números que comprovem o tão propalado "rombo da Previdência".

    Os dados apresentados no último dia 15 de março pelo Ministério da Fazenda aos parlamentares na Comissão Especial da Reforma da Previdência, por exemplo, contêm erros graves de cálculos e projeções.

    As informações fornecidas pelo governo são insuficientes e não permitem estimar minimamente os impactos da reforma proposta, conforme mostra análise feita pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), junto com o Departamento lntersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e o Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindCT). Faltaram fontes e os dados apresentados deixaram de considerar uma série de cenários possíveis.

    A nós, parlamentares, cabe sermos firmes na busca pela verdade. Não podemos nos deixar levar por análises prontas. Na próxima sexta-feira - 28 de abril - haverá uma greve geral em todo o Brasil contra as propostas do governo federal para a reforma da Previdência, na forma como o acordo está costurado hoje, e também contra a reforma trabalhista e contra qualquer retrocesso aos direitos humanos e sociais dos trabalhadores e cidadãos do nosso País. Todas as categorias profissionais estão se mobilizando para este dia, para uma justa manifestação, que esperamos seja pacífica e sem repressão.

    Devemos estar atentos às vozes das ruas e saber que nosso papel aqui é levar adiante um projeto de País que enfrente as desigualdades sociais e o desrespeito que acomete os cidadãos diariamente. Queremos um Brasil justo e equânime. É esse o País que devemos buscar, com o olhar voltado para o presente e para o futuro. É por esses valores que devemos guiar nosso trabalho.

    Muito obrigada.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Socialismo e Democracia/PSB - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, quero registrar que nosso mandato recebeu algumas manifestações de repúdio à proposta de reforma da Previdência.

    Andaraí

    O presidente da Câmara Municipal de Andaraí, vereador Edgard Paes Coelho Neto, do PSB, encaminhou o Ofício Número 12/2017, assinado por ele e mais oito vereadores de vários partidos, acompanhado da Moção Popular de Repúdio Número 001/2017, com a assinatura de 429 cidadãos de Andaraí. Diz o ofício:

    Importante salientar, Excelência, que conforme já demasiadamente debatido pelo povo e estudiosos do assunto, tal projeto visa reduzir direitos dos trabalhadores, direitos estes que foram conquistados com tanta luta ao longo da história. Sua aprovação caracterizará um grande retrocesso aos direitos dos trabalhadores e penalizará, sobretudo a população mais carente deste país.

    A Moção de Repúdio, por sua vez, aponta, entre outros aspectos negativos da proposta da reforma, dois que eu quero destacar, ao mesmo tempo que solicito o registro destes documentos nos Anais desta Casa junto com meu pronunciamento.

    O documento destaca:

    [...] lamentavelmente, querem provar um regime com base na idade, sem considerar o que já foi pago. O argumento do governo que existe um 'rombo' na previdência não decorre de embasamento consistente, tendo em vista que esta dúvida não foi devidamente auditada. Baseia-se, tão somente, em números do próprio governo. Por outro lado, poderíamos aumentar e muito os valores arrecadados pela previdência. Bastava que o Governo Federal fosse mais rigoroso com os grandes sonegadores...

    Diz ainda a Moção, encaminhada pelo vereador e presidente da Câmara de Andaraí:

    Estamos convictos e acreditamos que o bom senso levará Vossas Excelências a acompanhar nosso posicionamento para que, doravante, seja ecoada nossa voz por todo este País amado. Aproveitamos e solicitamos que esta Moção seja encaminhada a todos os Deputados (a) e Senadores (a) que foram votados nesse município. Andaraí, Bahia, 17 de março de 2017.

    Assinam o documento da Câmara de Andaraí os vereadores:

    - Edgard Paes Coelho Neto (presidente, vereador pelo PSB);

    - Manoel Wilson Gonçalves de Oliveira (PSD);

    - José Pereira Lessa III (PMB);

    - Creildo dos Santos Souza (PSD);

    - Fernando Nogueira Neves (PTC);

    - Camélia Pereira dos Santos (PT);

    - Edinorman Santos de Jesus (PSB);

    - Vilmar Moura da Silva (PTC); e

    - Renato Costa Silva Júnior (PSL).

    Valente

    Outra moção, Sr. Presidente, nos foi encaminhada ontem (25 de abril) pelo presidente da Câmara do município baiano de Valente, vereador Djalma Santana da Silva Neto, nosso companheiro do PSB conhecido como Netinho Tur. O documento é assinado pelos seguintes vereadores:

    - Djalma Santana da Silva Neto (presidente, vereador pelo PSB);

    - Antonio Aloizio de Araújo Oliveira;

    - Elenildo de Oliveira Mota;

    - José Robson Duarte Cunha;

    - Lomanto Queiroz da Cunha;

    - Maria Madalena Oliveira Firmo;

    - Antônio Cézar Oliveira Rios;

    - Luervaldo Araújo Silva;

    - Mabel Amaral de Oliveira; e

    - Romilson Cedraz Mascarenhas.

    O documento traz, entre outros pontos, o seguinte teor:

    A Câmara Municipal de Valente, Estado da Bahia, faz inserir na at6a de seus trabalhos, a pedido do Vereador Djalma Santana da Silva Neto, a presente MOÇÃO DE REPÚDIO à PEC 28712016 - Reforma da Previdência, em face dos seus impactos negativos na vida dos trabalhadores e trabalhadoras do nosso País, do nosso Estado e do nosso Município. Refutamos a Proposta de Emenda Constitucional PEC 287, que 'altera dispositivos da Magna Carta Política do Brasil, para dispor sobre a seguridade social, estabelece regras de transição e dá outras providências', não bastando as alterações e ajustes já realizados no seu texto original, por entendermos a necessidade de dizer não às novas proposições que ferem de morte aspectos essenciais à sustentabilidade da previdência social pública brasileira...

    Como se pode verificar, Senhor Presidente, são vereadores de vários partidos e tenho a alegria de ver que o PSB da Bahia está na vanguarda desta importante mobilização dos legisladores municipais em nosso Estado e, esperamos, em todo o Brasil.

    Nossos vereadores estão mobilizados e preocupados com o impacto que tais medidas, caso aprovadas, possam representar para a população e para seus municípios.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Socialismo e Democracia/PSB - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, a APLB - Sindicado dos Professores da Bahia completou esta semana 65 anos de atividades. É uma instituição que inscreveu seu nome na história da Bahia e do Brasil, como entidade de luta contra todas as formas de autoritarismo, pela democracia e em defesa da educação pública de qualidade, dos professores e de todos os profissionais de educação.

    Quem esquecerá as marchas em Salvador, reunindo dezenas de milhares de professores em defesa da escola pública de qualidade? Quem esquecerá as combativas e criativas greves dos professores baianos?

    Eu pude acompanhar o gigantesco crescimento a APLB, como entidade associativa que se transformou numa das maiores organizações sindicais da Bahia e do Brasil.

    Como deputada federal, lembro-me muito bem da atuação nacional da APLB durante a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e por uma lei que fixasse o piso salarial profissional nacional para os professores e por uma carreira nacional para o magistério, que eu tive a honra de apresentar, como projeto, no meu primeiro mandato como deputada federal.

    Sei que a luta dos professores é marcada por muitos reveses: momentos de conquistas seguidos de momentos de perdas, uma vez que ainda carecemos de uma consciência nacional que valorize verdadeiramente a educação; e que eleve os professores e os profissionais de educação.

    Hoje é dia de celebrar as lutas e as vitórias, mas é também dia de anunciar as novas jornadas de luta, uma vez que vivemos tempos sombrios e de retrocesso.

    Sei que a APLB saberá resistir e lutará mais uma vez contra as ameaças aos direitos e para manter a aposentadoria especial dos professores. A entidade saberá enfrentar as lutas contra todas as formas de autoritarismo e contra o retrocesso nos direitos dos professores, dos profissionais de educação e da educação nacional. Viva a APLB!

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Socialismo e Democracia/PSB - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, na semana passada, nesta tribuna, defendi a alfabetização das crianças das classes populares aos seis anos de idade, ou seja, já na primeira série do ensino fundamental. Isso porque, todos sabemos, as crianças das classes média e alta aos seis anos já estão todas alfabetizadas. Fiz esta defesa e desejo sustentá-la, considerando que não podemos mais adiar a alfabetização das crianças da escola pública. É preciso agir. Por isso, proponho que o Senado Federal se envolva diretamente na discussão sobre a alfabetização na Base Nacional Comum Curricular, visando à construção de uma nova consciência nacional sobre esta questão e propondo a reprofissionalização e a valorização dos professores alfabetizadores.

    Neste momento em que o Conselho Nacional de Educação analisa a Base Nacional Comum Curricular para homologação pelo Ministério da Educação, o Senado tem a rara oportunidade de se inserir neste debate, de modo a redefinir os rumos da alfabetização no Brasil. As crianças brasileiras não podem mais esperar.

    Quando se trata da alfabetização das crianças, o tempo é um inimigo poderoso. E uma das formas de sustentar essa proposta de alfabetização aos seis anos é justamente repensar profundamente a concepção sobre alfabetização; superar as visões anacrônicas sobre alfabetização; e, sobretudo, redefinir a formação e a remuneração do professor alfabetizador. É preciso elevar a questão da alfabetização na hierarquia dos problemas educacionais, como queriam os pioneiros da Educação, em 1932, destacadamente Anísio Teixeira. Estávamos, secularmente, acostumados a falar do custo das ações de alfabetização, mas, hoje em dia, em âmbito mundial, se fala do custo do analfabetismo.

    Os teóricos da alfabetização, como a estudiosa Emília Ferreiro, advertem­ nos que depois que experimentamos “tantos anos, nos quais se acreditou que a imagem transmitida pela televisão substituiria a necessidade de recorrer às mensagens escritas, o surgimento e a rápida difusão dos computadores e outras mídias restituíram a escrita ao seu lugar”.

    Sabemos que não é só isso que explica o novo interesse mundial pela alfabetização. Há outras razões relacionadas com a transnacionalização das economias e com as projeções econômicas para as próximas décadas. Esse interesse internacional é mais do que propício e nos anima a lutar pela alfabetização. “Alfabetizar, sim, mas não com os mínimos rudimentos e sim com altos níveis de exigência” como propõe Emília Ferrero, ela que é uma estudiosa da Psicogênese da Língua Escrita, e que defendeu que o funcionamento da sociedade global está a requerer indivíduos alfabetizados. Portanto, os indivíduos podem exigir o direito à alfabetização, o que não pode ser compreendido como um direito individual, mas como uma necessidade social. No entanto, ela sugere uma discussão: Que tipo de alfabetização se requer? Alfabetizar como e para quê?

    É fundamental que atentemos para uma certa tendência internacional, que parece admitir uma alfabetização rudimentar para alguns e uma alfabetização sofisticada para outros. Aqueles que não podem pagar por uma alfabetização de boa qualidade devem se conformar com uma ação assistencial do Estado que se limita a dar o mínimo necessário.

    Na área da alfabetização, essa situação é dramática, porque não garante resultados. E são os alunos que não se alfabetizam que vão nutrir os cursos de alfabetização de jovens e adultos; são as crianças não alfabetizadas no ensino fundamental, que foram reprovadas anos após anos, que acumulam vergonhas, sanções e rejeições, mas não conhecimentos.

    Na medida em que a escola primária continuar expulsando grupos consideráveis de crianças que não conseguem alfabetizar, continuará reproduzindo o analfabetismo dos adultos.

    A alfabetização é onde tudo começa. Uma criança que fracassa na alfabetização no primeiro ano escolar, frustra as expectativas sociais de aprendizagem e sofre muito com isto.

    De todos os grupos populacionais, as crianças são as mais facilmente alfabetizáveis. Elas têm mais tempo disponível, estão em processo contínuo de aprendizagem (dentro e fora do contexto escolar). Todas podem ser alfabetizadas.

    É preciso competência técnica, mas o conhecimento já está disponível. É preciso, da mesma forma, desvendar os mecanismos que operam no interior do sistema, encobertos de discriminação. As práticas tradicionais tornaram a alfabetização das crianças das classes populares algo penoso, produziram fracassos desnecessários, estigmatizaram boa parte da população e transformaram a experiência de alfabetização em traumática.

    Estou convencida de que não é fácil modificar a prática escolar, em grande escala e para todo o País. Os processos de mudança são lentos e penosos no Brasil. As mudanças superficiais servem pouco porque se convertem em moda e as modas passam rapidamente.

    Por tudo isto, proponho agir rápido. É preciso colocar a organização escolar de cabeça para baixo. Se hoje os novos professores, com pouca experiência, recebendo os mais baixos salários, vão para as classes de alfabetização, devemos inverter essa lógica, encaminhando para as classes de alfabetização os professores com melhor formação ou formação específica em alfabetização, bem pagos e mais experientes.

    O desafio é reprofissionalizar os professores, para que sejam tecnicamente competentes na complexa tarefa que é alfabetizar. Precisamos redefinir os currículos dos cursos de Pedagogia, além de fomentar cursos de especialização dos professores em alfabetização. Afinal, alfabetização não é tarefa para leigos.

    E precisamos, também, denunciar muito claramente e quantas vezes for necessário, até se criar uma consciência pública, uma nova consciência nacional de que não é possível alcançar os objetivos educativos compatíveis com a noção de democracia se não modificarmos rapidamente a própria concepção de alfabetização.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/04/2017 - Página 131