Discurso durante a 62ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão de debates temáticos destinada a discutir o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 38/2017, que trata da reforma trabalhista.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Sessão de debates temáticos destinada a discutir o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 38/2017, que trata da reforma trabalhista.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2017 - Página 66
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • SESSÃO DE DEBATES TEMATICOS, INICIATIVA, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, OBJETIVO, DISCUSSÃO, PROJETO DE LEI DA CAMARA (PLC), AUTORIA, GOVERNO, MICHEL TEMER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBJETO, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, DEFESA, REJEIÇÃO, PROJETO DE LEI.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, senhores convidados, Senadores e Senadoras, primeiro, eu quero pedir desculpas por não estar aqui para ouvir os convidados. Eu estava na Comissão de Direitos Humanos, da qual sou Presidente, fazendo uma audiência pública sobre o Dia Internacional da Mãe Terra, estabelecido pela ONU.

    Os dados são alarmantes. Nós estamos consumindo um planeta e meio. Como nós só temos um planeta, por isso há fome; por isso uns comem todo dia e outros passam o dia sem comer. E nós não vemos providência nesse sentido. Foi uma audiência com o Embaixador da Bolívia; com a Secretária-Geral da Embaixada do Chile; com a CNBB; com o Cimi, o conselho indigenista; e com mais outros convidados.

    Anteontem, a Comissão de Direitos Humanos lançou, com a OIT, o Protocolo 29, que é uma ampliação da Convenção 29, de 1930, que trata exatamente do trabalho escravo. Então, os assuntos se encontram. No Brasil, em 20 anos, 52 mil trabalhadores foram resgatados do trabalho escravo, porque não há fiscal. Se houvesse mais fiscais, teriam resgatado muito mais. Então, é a mentalidade do patronato brasileiro, principalmente no campo – e nós estamos falando aqui do patrão brasileiro –, dizer que é moderno flexibilizar tudo isso que está aqui.

    O Brasil vai assinar o protocolo. A Casa Civil já sinalizou. O Brasil vai entrar numa encrenca, porque ao mesmo tempo em que assina o protocolo, porque, ali sim, é moderno, é contra o trabalho escravo, ele manda uma legislação dessa aqui que permite o trabalho escravo, porque se já se fazia o trabalho escravo sem ser permitido, imagine agora com essa legislação.

    Há uma contradição também: o Ministro do Trabalho disse que fez um acordo com os sindicatos, com as centrais sindicais, em que ele não aceita a pejotização, a regulamentação sindical e o trabalho intermitente. Ele diz: "São pontos fundamentais em que eu, como Ministro do Trabalho, não vou surpreender o movimento sindical, faltando com eles a minha palavra." Essas são as palavras do Ministro do Trabalho. Quero ver como é que o Governo vai se sair dessa.

    Voltando aqui à questão do trabalho intermitente, um dia desses, eu fiz uma fala aqui e perguntei: quem aqui que já teve patrão? Infelizmente não havia quem me respondesse. Quem já teve patrão? Quem já fez uma greve para melhorar sua vida, seu salário, suas condições de trabalho? Quem já botou os pés num canavial, para ver como é que trabalham as pessoas? Numa roça de um pequeno agricultor? Essa reforma saiu da cabeça de patrões. Isso rolou, na Câmara, dizendo que vinham por e-mails os textos já prontos e que os Deputados repetiam até os erros de português que vinham, nas emendas que colocavam. Por isso, deu mais de cem artigos. Alguém falou aqui.

    Sobre trabalho intermitente, Valor, da semana passada, traz aqui uma matéria: "Reforma não prevê limite para adoção de trabalho intermitente". Ele traz o exemplo da Itália, da Alemanha e de Portugal. E o Brasil não copia. Quer dizer, o Brasil gosta de copiar só a parte ruim, porque aqui ele diz, inclusive, que é só em altas temporadas, em alta demanda, que não é o caso do Brasil, e em certas áreas: alimentação, turismo e outras como hotelaria, mas em alta temporada, período de alta demanda. E ainda descreve aqui que há compensação pelo período que fica sem trabalhar. Por que o Brasil não copia essas coisas?

    Eu vou falar ainda do negociado sobre o legislado. Eu trago uma questão aqui de bancários que me mandaram uma pergunta de se vai valer o negociado sobre o legislado. Os bancários das estatais, dos bancos públicos ganham acima do teto, mas eles negociaram. Eles estão perguntando se vai valer ou se vão reduzir os salários deles para o teto. Eles ganham acima do teto, mas como foi negociado. Então, eles estão fazendo essa pergunta que eu não sei responder.

    Eu quero falar também do intervalo do almoço. Eu queria saber aqui quem é que almoça em 15 minutos e que volta para o batente, mesmo para o ar-condicionado? E onde é que fica a medicina do trabalho? Onde é que fica a saúde do trabalhador? É mais um profissional desempregado: os médicos do trabalho, porque eles não recomendam isso. Quando você come, você tem que fazer um pouco... Está lá toda uma regra do que você tem que fazer depois das refeições, para o organismo se adaptar para poder voltar para a jornada. Como é que fica? É mais uma categoria desempregada, não é? Não vai haver mais médico do trabalho, porque não precisa. É aquela história de sanduíche numa mão e operando a máquina com a outra, que alguém já sugeriu aqui também.

    Sobre a questão da mulher, vão dizer: "Ah, ela não é obrigada." Como não é obrigada? Se não tivessem a intenção de colocar a mulher para trabalhar em trabalho insalubre, não precisava constar isso na lei. Mas aqui está clara a intenção de colocá-la para trabalhar em trabalho insalubre. "Ah, ela vai se ela quiser." Meu Deus, aqui já foi dito: poder de negociação individual se coletivo já é difícil? Eu fui sindicalista, eu sei o que é sentar de um lado da mesa defendendo o trabalhador frente às confederações defendendo o capital. Eu sei o que é isso. Imaginem uma negociação individual.

    Um dia eu assisti a uma palestra de um desembargador do trabalho que dizia que há dois tipos de motivação: a motivação por sedução, em que você coloca um ambiente de trabalho bonito, uma música ambiente; e a motivação por estupro, em que – eu não vou dizer as palavras que ele disse – ou você aceita, ou você aceita. É essa a livre negociação que vai haver diante da fragilidade do trabalhador individualmente e diante do desemprego porque mesmo o trabalho precário que ele pratica há muitas pessoas lá fora querendo.

    A questão da representação. O que vai acontecer, pelo que eu conheço dos meus tempos de sindicalista, e não mudou muita coisa, é que o patrão vai dar um jeito de eleger aquele funcionário que ele considera padrão, o bonzinho, o puxa-saco, o dedo-duro. Não vai ser eleito... Eu conheço, eu lidava com isso no Bradesco, eu sou bancária e sei o que é eleger um representante no local de trabalho.

    Há outra questão que quero colocar. Não dá para dizer que isso aqui é bom para o trabalhador. Não pode. Primeiro, o melhor dos mundos para o empregador nunca é o melhor dos mundos para o empregado.

    Nessa solenidade da OIT... Aliás, quero convidar todo mundo a assinar #AssinaBrasil, que é para o Brasil assinar. Há um dispositivo, na agência bancária aqui, que é muito interessante, você assina e cai uma gota de tinta de caneta, isso é pelo celular. Não dá para acharmos que é possível essa livre negociação.

    Eu volto a dizer, ouvi um depoimento de um menino de 24 anos, que aos 12 anos trabalhava no canavial – isso agora em 2003, 2004, neste século –, levando água para onde o trabalhador estava cortando cana. Ele ia deixar água que ele pegava no córrego para o trabalhador beber. E ele também bebia, só comia feijão e arroz. No dia em que ele quis sair, esse menino fez esse depoimento aqui na Comissão de Direitos Humanos, apresentaram para ele uma conta de que ele estava devendo muito dinheiro à empresa. E ele perguntou que dívida era aquela. Era da comida, era da ferramenta do pai dele...

(Soa a campainha.)

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – ... porque o pai também trabalhava na cana. Ele estava devendo. Portanto, ele não podia sair, senão o pai dele ia ter que aumentar a meta.

    Eles disseram também que viram um trabalhador morrendo, e foi livre negociação. O trabalhador assinou que ia cumprir uma meta em toneladas de cana por mês. E ele trabalhou tanto que morreu no meio do canavial. Esse foi um depoimento, ao vivo, que eu escutei. E aí alguém vem me falar em livre negociação, com a mentalidade do patrão brasileiro, principalmente no campo.

     A proposta está aqui dizendo... Achava que a reforma trabalhista era uma só; não, há a reforma trabalhista do campo, do Deputado Nilson Leitão. O repouso semanal poderá ser substituído por contínuo, com até 18 dias de trabalho seguidos. Vão em um canavial ver como é que trabalha um cortador de cana para saber se ele aguenta trabalhar 18 dias seguidos! Ele morre antes!

    Isso aqui é uma indecência com o trabalhador brasileiro.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2017 - Página 66