Discurso durante a 85ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comentários sobre a comemoração do Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Comentários sobre a comemoração do Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2017 - Página 13
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • PRONUNCIAMENTO, SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, MOTIVO, COMBATE, TRABALHO INFANTIL, IMPORTANCIA, REDUÇÃO, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, DEFESA, AUMENTO, QUALIDADE, POLITICA EDUCACIONAL.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Senador, em primeiro lugar, meus cumprimentos por esta sessão. Segundo, dizer que para mim a sua lembrança vale como uma ordem. E, terceiro, que eu vou tentar realmente ficar no mesmo limite que todos os outros.

    Quero cumprimentar o Deputado Estadual José de Arimateia, o Sr. Higino Vieira, a Srª Ministra Kátia Magalhães Arruda, a Srª Mafra Merys, a Srª Eliane Araque dos Santos, o Sr. Gustavo Leal e todos os demais que aqui estão, porque vocês fazem parte de um seleto grupo que carrega, no coração e na mente, o sentimento e a lógica de que não tem futuro um País que condena as crianças ao trabalho em vez de levá-las, com gosto, à escola. Não tem futuro.

    Nós nos lembramos sempre, Senador, do sofrimento das crianças, porque o trabalho infantil tortura e compromete o futuro da criança. Lembramo-nos delas. Mas, além disso, o trabalho infantil maltrata o progresso e divide o País, porque o futuro de cada criança está no conhecimento que ela adquire no momento certo – alguns já na idade adulta –, mas há o momento certo do aprendizado, que começa na infância. Mas o futuro do País depende do acúmulo de conhecimento de todos os seus habitantes. Conhecimento adquirido no momento certo de cada uma das pessoas do País.

    Uma criança – e nós temos 2,7 milhões – que no lugar de estar na escola está trabalhando, essas crianças certamente terão menos chance de um futuro brilhante, sustentável, produtivo do que as que hoje estão estudando. Algumas escaparão do trabalho infantil e se tornarão pessoas capazes de dar a contribuição que o País precisa, mas raras.

    Eu ouço muita gente dizer: "Mas no meu tempo eu trabalhei desde muito cedo". Era outro tempo. Não era o tempo da economia do conhecimento. Era o tempo do trabalho manual. Era o tempo do operário, não do operador. Era a economia da produção, não da criação.

    Hoje, a economia é baseada na criação, na invenção e na produtividade. E a produtividade, hoje, vem de máquinas que falam com a gente pelo computador, e não de máquinas que a gente usa como antigamente, no chamado tempo da mão de obra.

    É possível que alguns escapem, porque vão estudar mais tarde e, mesmo assim, conseguem aprender fora do momento certo. São raros. Dessas 2,7 milhões de crianças que hoje estão trabalhando no lugar de estarem numa boa escola, eu posso dizer, com muita tristeza, mas sem medo de errar, que pelo menos 2,5 milhões – ou seja, eu baixo de 2,7 para 2,5 – não terão um futuro conforme teriam se tivessem tido a chance de estudar no momento certo.

    Então, nós estamos torturando crianças, sacrificando o futuro delas e, ao mesmo tempo, abortando o futuro do Brasil e dividindo o País. Dividindo, porque, felizmente, alguns estudam e, por isso, vão dar uma contribuição maior, mas, infelizmente, ao darmos educação a uns e não darmos a outros, o Brasil caminha para dividir-se cada vez mais. Isso a gente vê no noticiário da violência que hoje toma conta do País. Essa violência tem como uma das causas fundamentais a negação de educação no momento certo às crianças. Não apenas no sentido de aprenderem, mas de conviverem na escola. Não apenas no sentido de estudarem, mas no sentido de não ficarem na rua, que hoje é um lugar que fabrica violência e criminosos.

    Nós estamos comemorando aqui o Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil. Alegra-me, por um lado, ver que conseguimos juntar vocês para lembrar esse dia, mas, como eu ouvi, me entristece que ainda estejamos comemorando ou não, lembrando a sua dúvida de que se comemora, ou se lembra. Alegra-me que estamos lembrando que este é um dia para lembrarmos que devemos fazer com que um dia não exista mais o Dia do Combate ao Trabalho Infantil. É como se tivesse havido o dia da defesa da abolição da escravatura. Imaginem: anos depois de anos e depois de anos, se faria uma sessão aqui para lembrar a necessidade da abolição e jogando a abolição para diante. A mesma coisa estamos fazendo: combatendo o trabalho infantil e jogando para distante. Não estamos vendo quando a solução do problema. Não estamos vendo quando a Lei Áurea do trabalho infantil. E é tão claro quando seria isso, não com a assinatura de uma princesa, que, aliás, não conseguiu acabar com a escravidão plenamente, por não ter feito aquilo que nos deixou e que não estamos fazendo, que é garantir a educação.

    O Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil deveria ser a mesma coisa do dia mundial do combate à negação de educação às crianças na idade certa. Nós não estamos apenas colocando a criança sob a tortura do trabalho infantil. Nós estamos colocando as crianças debaixo da negação da educação necessária para elas. E isso a gente precisa pensar. Não basta acabar com o trabalho infantil. É preciso garantir escola de qualidade e igual para todos.

    E isso nós sabemos como fazer. Já há tantas escolas boas. É só pegá-las e espalhá-las pelo País. Já temos quase cerca de 500 escolas públicas da melhor qualidade: são as federais, basta espalhá-las pelo Brasil. E não vamos fazer demagogia. Isso não se faz de um dia para o outro. Isso não se faz de um ano para o outro. Isso se faz através de duas, três décadas.

    Mas comecemos. Comecemos o processo de espalhar as escolas federais pelo Brasil. Assumamos que os Municípios brasileiros são pobres, não têm condições de oferecer uma grande e boa escola. Não há como. E a única solução é fazer o que fizemos lá atrás – com as universidades federais, com as escolas técnicas, com os institutos tecnológicos –, e fazer isto com todas as escolas do Brasil: federalizar a educação de base.

    Não é por um decreto dizer "a partir de hoje, as escolas municipais são federais", porque isso não mudaria nada. Não. É substituir as atuais escolas municipais por escolas federais ao longo de um processo. Não é substituir a gestão. É substituir professores, prédios, equipamentos, duração, método, de tal maneira que o País não apenas tenha uma ótima escola para alguns, mas tenha uma ótima escola para todos. E nem todos serão iguais na vida adulta, porque uns têm talento, outros não tem tanto. Alguns têm talento, mas não têm perseverança. Alguns têm talento e perseverança. Alguns até tem talento e perseverança, mas não têm vocação. Querem outro rumo. Mas aqueles que tiverem talento, perseverança, vocação não lhe terão negado o direito, a chance e a oportunidade de estudarem no momento certo em vez de estarem trabalhando.

    Em cada momento em que uma criança trabalha em vez de estar na escola é um tempo a menos de qualidade no seu futuro.

    Por isso, o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil deveria ser também o dia do combate à negação de escola e o dia da luta por uma escola boa, de qualidade e de qualidade igual para todos, o que, para mim, só será possível por um processo de desmunicipalização da educação, de federalização da educação.

    Por isso, para mim, o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil no Brasil deveria ser o dia da luta pela federalização da educação de base.

    E eu vim aqui nessa direção, na direção de manifestar meu sofrimento com a tortura que fazemos quando colocamos uma criança para trabalhar no lugar de estudar numa escola agradável, porque há escolas em que estudar é uma tortura.

    Eu vim também na crença de que meu País, nosso País, não tem futuro pleno se nós não formos capazes de ter toda a população com a capacidade de servir na economia do futuro, que é a economia do conhecimento.

    E vim aqui com a esperança, Senador Antonio Carlos Valadares, de que nós ainda vamos ter alguns anos com este dia, mas, daqui algumas décadas, este dia será coisa da história. Nossa luta deveria ser também para fazer com que o Dia de Combate ao Trabalho Infantil dure o menos possível do Brasil. O ideal seria marcar uma data para dizer: " A partir de tal ano, não haverá mais Dia de Combate ao Trabalho Infantil, porque ele não existirá mais."

    Não sejamos, entretanto, tão pretensiosos nacionalmente, mas, pelo menos, tenhamos a esperança e façamos a luta para que, um dia, esse dia não seja necessário. E isso só será conseguido, porque hoje nós estamos aqui lembrando que ainda há trabalho infantil no Brasil; que é como se ainda houvesse trabalho escravo no Brasil, e como se tivéssemos cada dia menos confiança no futuro do Brasil, tanto do ponto de vista da produtividade da economia para o futuro, como também da sociedade que nós desejamos, com justiça, com paz. Tudo isso vem da desigualdade e da incapacidade da educação em nos preparar, todos nós brasileiros.

    Obrigado por vocês estarem aqui. Obrigado, Senador Antonio Carlos, pela iniciativa, mas é uma longa tarefa...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – ... a que temos adiante: fazer com que, dentro de algum tempo mais, não seja preciso nos juntarmos aqui para comemorarmos um dia de combate a algo que já deveríamos ter eliminado, o trabalho infantil.

    Obrigado, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2017 - Página 13