Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Críticas à CPI da Funai e do Incra realizada no âmbito da Câmara dos Deputados.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONGRESSO NACIONAL:
  • Críticas à CPI da Funai e do Incra realizada no âmbito da Câmara dos Deputados.
Publicação
Publicação no DSF de 02/06/2017 - Página 44
Assunto
Outros > CONGRESSO NACIONAL
Indexação
  • CRITICA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), OBJETIVO, INVESTIGAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), MOTIVO, ATIVIDADE, PREJUIZO, INDIO, TRABALHADOR RURAL, DEMARCAÇÃO, TERRAS, COMUNIDADE INDIGENA, REFORMA AGRARIA.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, primeiro eu quero parabenizar o Senador Alvaro Dias pelo projeto aprovado ontem. Há críticas ainda, mas nunca a lei é a lei dos sonhos, é perfeita; vai se aperfeiçoando. Mas foi um avanço muito grande em relação ao foro privilegiado.

    Também quero falar da aprovação da medida provisória de hoje, dizer que aceitamos aquele arranjo feito hoje, mas que precisamos evitar que aconteça. Aceitamos, porque eram poucas categorias que tinham ficado fora do reajuste que o Governo concedeu, e dava a impressão de que havia a intenção de deixá-las de fora – até porque são fiscais do Ministério do Trabalho, por exemplo, que incomodam muito algumas pessoas que não gostam de ver o que eles descobrem quando fazem fiscalização, principalmente a questão do trabalho escravo. Mas é preciso se respeitar o Regimento e é preciso que tenhamos tempo de analisar medidas provisórias que chegam aqui.

    Eu quero falar hoje da CPI da Funai e do Incra – rapidamente, não vou levar o tempo todo. É impressionante o processo de criminalização dos movimentos sociais. Estão cercando os movimentos por todos os lados: tudo é crime, em tudo eles são enquadrados na lei da organização criminosa. E aí vem uma CPI, na Câmara, que é para investigar a Funai e o Incra, tendo como premissa a ideia de que a Funai e o Incra seriam entidades autônomas em relação ao Estado e, portanto, agiriam de forma parcial na defesa dos povos indígenas e dos sem-terra.

    Uma visão absurda do papel dessas entidades que, além de estatais, são totalmente submetidas ao Governo e à legalidade. Não fosse isso, por que haveriam de ser propostas leis, pela tal CPI, para destruir o direito dos indígenas e dos trabalhadores rurais?

    A CPI, presidida pelo Deputado Alceu Moreira, do PMDB-RS, que é membro da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária, também conhecida como Bancada Ruralista – e o Relator da CPI, Deputado Nilson Leitão, que é Presidente da Bancada Ruralista –, tinha como proposta investigar a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), colocando em suspeição os critérios de demarcação das terras indígenas e quilombolas, assim como os conflitos agrários decorrentes desses processos, sem levar em consideração os princípios legais que moviam esses órgãos a ação limitada, justamente, pelos que agora os criminalizam.

    A CPI da Funai e do Incra, na Câmara, são as faces mais explícitas da criminalização dos movimentos sociais.

    O relatório final do Deputado Nilson Leitão, do PSDB do Mato Grosso, aprovado em 30 de maio, propõe o indiciamento de 67 pessoas. São indígenas, sem-terra, indigenistas, antropólogos, juristas, etc., todos e todas que lutaram por direitos previstos na lei e confrontaram com a ganância e a fúria dos ruralistas, que são um dos pilares do golpe contra a democracia em 2016.

    Quero só lembrar que não houve um fazendeiro que teve recomendado o seu indiciamento, e sabemos que todos os conflitos têm, nessas matanças, nessas chacinas, sempre um fazendeiro por trás como mandante, mas isso eles não investigaram.

    O Partido dos Trabalhadores apresentou dois destaques ao texto do relatório. Em um deles tentávamos impedir essa ação absurda de indiciar 67 pessoas que atuaram dentro da lei, 67 pessoas que sofrerão os prejuízos de uma ação imposta pelo Estado, que deveria protegê-los.

    Em outros destaques tentamos impedir o retrocesso dos direitos indígenas proposto por um relatório faccioso que não mede as consequências sociais de tais medidas. A mais retrógrada das medidas coloca o ônus da omissão histórica do Estado brasileiro sobre os ombros dos indígenas.

    Depois de chegar a propor a extinção da Funai, o Relator recuou da proposta. O relatório final tem 3.400 páginas, e o total de pedidos de indiciamentos e encaminhamentos é de 67, envolvendo procuradores, antropólogos, indígenas, servidores da Funai, do Incra, pessoas ligadas à organização, como as do Centro de Trabalho Indigenista e do Conselho Indigenista Missionário, procuradores da República, além do ex-Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

    As acusações contra o Ministro José Eduardo Cardozo são um exemplo do terror implantado pelos ruralistas no Brasil pós-golpe. O ex-Ministro foi acusado de ter cometido crimes, como associação criminosa, apoio às ações de invasão de propriedade e retardamento de atos de ofício para satisfazer interesses, além de improbidade administrativa.

    Para dar eficácia a seu programa de perseguição aos indígenas, quilombolas, sem-terra e seus apoiadores, o Relator decidiu retirar da lista os procuradores que acusava. O aprovado pela CPI é que os pedidos de indiciamento serão encaminhados ao Ministério Público e aos órgãos competentes para o aprofundamento das investigações ou eventual oferecimento de denúncia. No caso dos procuradores, a CPI não pede indiciamento, mas apenas faz encaminhamento de denúncia aos órgãos competentes.

    O relatório também propõe a tramitação de um projeto de lei que regulamente, de forma objetiva, o que é ocupação tradicional, limitando, ao máximo, o direito a terras para os povos indígenas; e entra na questão da mineração – e pior –, de arrendamento e utilização das terras para fins comerciais e produtivos, sem levar em consideração os aspectos culturais diferenciados e a posse da terra como parte das próprias histórias e identidades étnicas.

    O ruralista Deputado Nilson Leitão, depois de vencido pela mobilização indígena contrária à extinção da Funai, passou a propor apenas uma restruturação do órgão. Ele defende que todos os serviços relacionados aos indígenas, inclusive saúde e educação, sejam centralizados na Funai, algo que já acontecia no passado e não resolvia os problemas que ainda persistem até hoje. Alega o Deputado que a Funai só tem como objetivo a demarcação de terras. Ora, este é, de fato, o principal problema dos povos indígenas, a principal reivindicação dos povos indígenas.

    O Relator pede ainda a anulação ou a revogação dos 21 decretos editados pela então Presidente Dilma, em 1º de abril 2016, que declararam imóveis rurais de interesse social para fins de reforma agrária. Até o último momento a Presidente tentou evitar os conflitos decorrentes da aplicação da lei, buscando o entendimento com os ruralistas. E a gente percebe aí o aumento dos conflitos e da matança de um ano para cá: 23 trabalhadores já foram assassinados em chacinas por conflitos de terra, fora os despejos de comunidades indígenas e o conflito, na comunidade dos gamelas, com os indígenas, em que não houve morte, mas muita gente ferida.

    Partido de oposição apresenta um relatório substitutivo em que demonstra que a CPI foi uma ação da Bancada Ruralista na Câmara com o objetivo de perseguir, criminalizar e intimidar pessoas, entidades e movimentos que lutam em defesa da reforma agrária e da demarcação das terras indígenas e quilombolas. Conforme afirma o relatório, essa CPI representa o que há de mais retrógrado na questão agrária brasileira.

    O relatório do Deputado ruralista Nilson Leitão, do PSDB, segue a lógica dos latifundiários e aponta a delimitação e a demarcação das terras como fraudulentas e acusa os seus defensores ou realizadores de diversas irregularidades.

    A intimidação pela CPI da Funai e do Incra e a acusação de que laudos que embasam demarcações de terras indígenas e quilombolas seriam fraudulentos são, sem dúvida, uma das principais causas do aumento da violência no campo, que atualmente ocorre.

    Em relação à reforma agrária, o ataque ao Incra segue a ótica ruralista. Ele trata os processos de assentamento como coisas totalmente descontroladas e afirma que haveria um conluio entre servidores do Incra e lideranças.

    No ápice de seu delírio, o Deputado ruralista afirma que a luta pela reforma agrária tangencia a guerra revolucionária e que não punir os invasores criaria um pretexto para uma anacrônica ditadura militar com base nas envelhecidas ideias marxistas. Ora, desde quando distribuir a propriedade é uma prática marxista revolucionária? Todas as reformas agrárias que ocorreram nos países capitalistas não são se transformaram em revolução. A resistência da elite econômica à reforma agrária é que gerou essa percepção.

    Por fim, o relatório ataca as organizações não governamentais que apoiam as demarcações. Segundo o relatório, muitas vezes são apresentados laudos fraudulentos em conluio e confusão de interesses com antropólogos e ONGs, muitas vezes respaldadas juridicamente por segmentos do Ministério Público Federal. Mas não responde a uma pergunta preliminar: qual o interesse que alguém teria em demarcar terras que passam a ser da União e deverão ser protegidas pelo Governo? É uma visão tacanha de que alguém deve estar levando vantagem nisso, porque os latifundiários veem a terra como um negócio, ignorando que as etnias são populações totalmente distintas uma das outras e que a terra é a base de suas culturas e religiosidade.

    O Deputado ruralista questiona a necessidade de se fazer mais demarcações de terras indígenas. Diz ele que os problemas dos índios não se resumem à questão da terra. Grande parcela do Território brasileiro já foi reservada a populações indígenas. Embasa a sua tese afirmando que a população indígena brasileira é composta por 817.963 índios, ocupando 117 milhões de hectares, que, segundo o parecer, representa 13,7% do Território nacional. Esquece de afirmar que essas são as terras com a natureza mais preservada do mundo. Os índios estão fazendo um favor para nós preservando as terras. São o passaporte para o futuro da humanidade, ocupadas por quase um milhão de indígenas, enquanto dezenas de latifundiários têm uma maior quantidade de território em suas mãos e devastada.

    Então, eu queria fazer o registro desse relatório, porque ele vai ter seguimento. Vão criminalizar padres, pastores, todo mundo que se envolve em apoio àqueles que precisam mais, que são, da área rural, os indígenas, os quilombolas, os sem-terra. Já votamos aqui ontem a questão dos assentamentos, que devem ser emancipados por 15 anos, ainda que não tenham as estruturas necessárias para sobreviveram. E agora vem mais essa e virão outras coisas. Há aí já perdão de dívidas, venda de terras a estrangeiros. Quer dizer, um ataque sincronizado às pessoas mais pobres que moram no campo.

    Por último, eu queria fazer um registro sobre a fala do Ministro da Justiça, o novo, que foi patética. Ele disse que não há razão para investigar Temer. Se não há razão para investigar Temer, não há razão para investigar ninguém mais neste País.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/06/2017 - Página 44