Discurso durante a 89ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da titularização de terras destinadas às comunidades remanescentes de quilombos no País.

Autor
Fátima Bezerra (PT - Partido dos Trabalhadores/RN)
Nome completo: Maria de Fátima Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Defesa da titularização de terras destinadas às comunidades remanescentes de quilombos no País.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2017 - Página 9
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • DEFESA, GARANTIA CONSTITUCIONAL, DIREITO DE PROPRIEDADE, QUILOMBOS, PAIS, NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, TITULARIDADE, DECLARAÇÃO, CONSTITUCIONALIDADE, DECRETO EXECUTIVO, AUTORIA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (TRF), ANUNCIO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS (CDH), APOIO, COMUNIDADE, ACAUÃ (PI), MUNICIPIO, POÇO BRANCO (RN), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN).

    A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Senadora Vanessa, que ora preside os trabalhos, Srs. Senadores e Senadoras, telespectadores, ouvintes da Rádio Senado, quero também, Senadora Vanessa, me somar a V. Exª e saudar o Senador Paim e também V. Exª, Senadora Lídice, que apresentaram os votos em separado ontem, na reunião da Comissão de Assuntos Sociais. Refiro-me ao projeto de lei que trata de mudanças na legislação trabalhista.

    Quero, mais uma vez, aqui, reafirmar todo o compromisso da Bancada do PT, do PCdoB, enfim, da oposição e de todos aqueles e aquelas que continuam firmemente empenhados em combater essa proposta pelo que ela tem de retrocesso, pelo quanto ela tem de afetar a dignidade e a cidadania dos trabalhadores e trabalhadoras do nosso País.

    Senadora Vanessa, ocupo a tribuna nesta manhã também para falar de uma outra luta que diz respeito à cidadania e à dignidade de um segmento da nossa população, que é a comunidade negra, que é a comunidade quilombola.

(Interrupção do som.)

    A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – A exemplo do que já fiz lá na Assembleia Legislativa do meu Estado, na realização de uma audiência pública, sexta-feira passada, sob iniciativa do Deputado Fernando Mineiro, quero aqui, na tribuna do Senado, neste exato momento, manifestar meu apoio, toda minha solidariedade à comunidade de Acauã, situada no Município de Poço Branco, lá no meu querido Rio Grande do Norte.

    A comunidade de Acauã foi certificada pela Fundação Cultural Palmares como comunidade remanescente de quilombo em 2004 e, desde então, luta pelo reconhecimento do seu direito constitucional à propriedade definitiva da área em que se encontra e pela implementação de políticas públicas para o seu povo. Após séculos de opressão física, social e moral, a Constituição Federal de 1988 inaugurou um processo histórico de retirada das comunidades quilombolas de uma situação de invisibilidade jurídica, econômica, social e política. E é essa conquista, advinda da nossa Constituição cidadã de 1988, que está ameaçada de um grave retrocesso.

    A titularização das terras quilombolas – todos nós sabemos – sempre enfrentou resistências, assim como a luta pelo direito à terra, a luta pela reforma agrária. Apesar de a Constituição reconhecer o direito de todas as comunidades quilombolas do Brasil terem seus territórios titulados, foi somente em 2003, Presidente Lula, através de um decreto assinado pelo senhor, que esse dispositivo da Constituição foi regulamentado. Vou repetir: está lá na Constituição, desde 1988, o direito à terra das comunidades remanescentes de quilombolas, no entanto, até então, décadas se passaram e não foi regulamentado. Quem fez isso foi Luiz Inácio Lula da Silva, através do Decreto nº 4.887, que regulamentou o direito à titularização das terras remanescentes dos quilombolas. Senadora Vanessa, não é à toa que esse decreto tem sido atacado desde sua publicação. Por quem? Por setores conservadores da sociedade que não querem que as comunidades quilombolas tenham acesso à terra para viabilizar autonomia e vida digna para o povo negro.

    Destaco aqui que o acesso à terra e ao território é o que garante todas as outras políticas públicas voltadas a essas comunidades tradicionais. É importante destacar também que esses territórios já são de propriedade, meu Deus, dessas comunidades. O que é necessário? O que cabe agora? Cabe ao Estado apenas reconhecer esse direito, um direito que, diga-se de passagem, paga somente uma parte da dívida que o nosso País tem para com a população negra.

    As mais de 80 famílias que moram em Acauã, lá no Município de Poço Branco, no Rio Grande do Norte, estão ameaçadas em virtude de quê? De uma ação movida por um latifundiário, ação essa que será julgada agora no dia 21 de junho, na próxima semana, pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Recife. A ação, claro, do latifundiário está questionando a constitucionalidade do Decreto nº 4.887.

    E aqui eu quero chamar a atenção do seguinte fato, Senadora Vanessa: que uma eventual declaração de inconstitucionalidade desse decreto colocará em risco a titulação do território da comunidade de Acauã e todos os demais processos de titulação de terras para comunidades quilombolas que tramitem naquela área de atuação, atingindo os Estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, porque é a jurisdição que diz respeito ao Tribunal Regional Federal daquela região.

    Cabe, ainda, aqui destacar um outro dado muito preocupante. É que a constitucionalidade desse decreto também já é discutida no Supremo Tribunal Federal através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo DEM, o DEM ainda quando se chamava PFL. Aliás, o mesmo DEM que entrou com uma ação contra o Prouni, o mesmo DEM que questionou a política de quotas no nosso País. Essa Adin, repito, que questiona a constitucionalidade do decreto vem se arrastando desde 2012. Houve dois votos proferidos: o do então Relator, Cezar Peluso, que foi a favor do DEM; e o da Ministra Rosa Weber, contra.

    Vejam bem, uma decisão agora do Tribunal Regional Federal pela inconstitucionalidade, mesmo passível de recurso ao Supremo Tribunal Federal, seria uma tragédia, porque seria um reforço exatamente a essa tese do DEM na Adin que está no Supremo, além de paralisar imediatamente os processos de titulação de terras em todo o Brasil. Isso implica que todas as comunidades quilombolas do Nordeste poderão ter seus processos de titulação que tramitam no Incra paralisados por tempo indeterminado. Isso é uma tragédia. Isso é ferir de morte a cidadania, a dignidade das comunidades quilombolas.

    Volto a dizer aqui que o decreto do então Presidente Lula, regulamentando o artigo da Constituição que diz respeito à titularidade das terras das comunidades quilombolas, é apenas um pedacinho da dívida histórica que o Estado brasileiro, que este País tem para com o povo negro.

    Quero aqui, ainda, Srª Presidente, acrescentar que, por outro lado, se o Tribunal Regional Federal da 5ª Região julgar que o decreto é constitucional, aí, sim, a política de titulação será fortalecida, fazendo-se justiça à história de lutas e conquistas dos quilombolas.

    Acrescento ainda, como já falei no início da minha fala, que, na última sexta-feira, foi realizada uma audiência pública na Assembleia Legislativa do meu Estado, promovida pelo Deputado Estadual Fernando Mineiro, de que participaram representantes das comunidades quilombolas e dos movimentos sociais, como a Comissão Pastoral da Terra, a Coordenação Estadual de Quilombos do Rio Grande do Norte, o Conselho Estadual de Direitos Humanos, a OAB. Participou também um representante da Procuradoria do Incra. Tivemos lá também a presença de movimentos sociais do Nordeste, de Pernambuco, até porque o Nordeste está de olho nessa ação que vai ser julgada dia 21 lá no Recife, esse recurso desse latifundiário que pede a inconstitucionalidade do decreto. O Nordeste, o Brasil está de olho, repito, porque uma eventual posição do Tribunal pela inconstitucionalidade desse decreto significará um retrocesso brutal para a luta da cidadania das comunidades quilombolas no que diz respeito àquilo que é mais sagrado, ao fato de simplesmente dar a eles o que é deles. É a terra que já lhes pertencia. É disso que se trata! A titularidade, o registro, repito, é dar a eles o que lhes pertence, que é a titularidade das suas terras, para que, a partir daí, se possa, sim, como vinha sendo feito a partir do governo do Presidente Lula, haver as políticas públicas voltadas para a promoção e a cidadania, nas mais diferentes áreas: educação, saúde, trabalho etc. – essas políticas públicas voltadas para promoção e cidadania da comunidade quilombola.

    Então, eu quero aqui colocar, Srª Presidenta, que a audiência lá realizada na Assembleia Legislativa foi muito importante. Parabenizo o Deputado Fernando Mineiro e todos os movimentos sociais, a comunidade quilombola do Acauã, que lá estava...

(Soa a campainha.)

    A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – ... pelo quanto uma audiência dessa traz: o conhecimento real do problema e a convocação da sociedade para que tenhamos o apoio necessário da sociedade a essa boa luta, a essa boa causa,

    Quero ainda aqui colocar que nessa audiência ficou claro – para terminar, Senadora Vanessa – que a ação judicial que envolve a Comunidade de Acauã abre precedente e põe em risco a situação de regularização fundiária das comunidades quilombolas de todo o Brasil, derrubando a legislação que garanta ao povo quilombola a posse definitiva de terras ocupadas há várias gerações.

    Por isso, Senadora Vanessa, é que já apresentamos um requerimento, Senador Paim, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, que V. Exª, junto com a Senadora...

(Interrupção do som.)

    A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – ... Senador Paim, para tratar desse tema de tamanha relevância para o nosso País.

    Ontem, inclusive, já falava com V. Exª, porque, veja bem, o Decreto nº 4.887, de 2003, assinado pelo Presidente Lula, é o instrumento principal, essencial, que garante às comunidades quilombolas aquilo que lhes pertence, que é a terra – garante, portanto, a titularidade dessas terras –, e, veja bem, na hora em que esse decreto for considerado inconstitucional, não só a Comunidade da Acauã, lá de Poço Branco, no meu Rio Grande do Norte, será prejudicada – um retrocesso brutal –, mas todo o Brasil será prejudicado pelo precedente – V. Exª está entendendo? – que isso abrirá, considerando, inclusive ainda, que nós temos uma ação direta de inconstitucionalidade do DEM, tentando derrubar exatamente o decreto.

    Então, quero só, antes de passar rapidamente aqui para V. Exª, dizer que já apresentamos o requerimento lá...

(Soa a campainha.)

    A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – ... na Comissão de Direitos Humanos para a realização da audiência pública, bem como que vamos contar com V. Exª, com a Senadora Regina e com todos os que fazem aquela Comissão, para aprovarmos uma moção de apoio à Comunidade de Acauã e a todas as comunidades quilombolas de todo o Brasil, na expectativa de que o Tribunal Regional Federal, mais uma vez, reafirme o seu compromisso em prol da cidadania e da dignidade do povo brasileiro, no caso, do povo quilombola, referendando o decreto.

    Senador Paim, rapidamente; Senadora Vanessa; e aí encerro.

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Senadora Fátima Bezerra, de forma muito resumida, eu quero cumprimentar V. Exª. V. Exª de fato falou comigo. Eu estou acompanhando a realidade do povo quilombola em todo o País. O povo quilombola... Eu sempre digo que o cidadão negro que não entender que ele é um descente de quilombola, ele não entendeu ainda a raiz da história da sua vida. Então, nós negros todos somos quilombolas. E por isso tenho acompanhado com muito carinho, como acompanho a questão indígena, a questão dos ciganos, a questão dos grupos mais vulneráveis, e, nesse aspecto, eu venho acompanhando essa questão desse decreto do Presidente Lula. Venho acompanhando que eles entraram na Justiça, e, por precaução – e estarei lá na reunião com V. Exª, na Comissão de Direitos Humanos –, nós vamos marcar a data já hoje, vamos aprovar hoje. Eu tenho um projeto de lei, que entrei há uns quatro...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... anos, no qual eu transformo em lei o próprio decreto do Presidente Lula, porque essa redação nós tínhamos incluído já no Estatuto da Igualdade Racial, mas os setores mais conservadores do Congresso não aceitaram que o decreto estivesse lá dentro, transformado em lei definitiva, porque daí eles não poderiam mais fazer o apelo que estão fazendo, neste momento, questionando o decreto. Tivemos que retirar para aprovar o estatuto, mas, quando tiramos, apresentamos dois projetos de lei, um para criar um fundo para o combate a todo tipo de preconceito, e outro para transformar em lei o decreto do Presidente Lula, porque a preocupação que tínhamos era esta: entra Governo, sai Governo e revoga o decreto de um momento para o outro.

    A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – Exatamente.

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Ou mesmo um questionamento ao Supremo. Então, parabéns a V. Exª. Estaremos na segunda-feira juntos para fazer um bom debate e apontar caminhos que garantam ao povo quilombola...

(Interrupção do som.)

    A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) – Muito obrigada, Senador Paim, pelo aparte que V. Exª nos faz, pela história e, portanto, pela legitimidade que V. Exª tem, em virtude de todo o seu compromisso com a luta das comunidades quilombolas.

    Termino, portanto, e sei que contaremos e muito com o senhor, com o Senador Paim e com a Senadora Regina nessa audiência pública que iremos realizar, bem como, repito, na moção de apoio à luta da Comunidade Acauã que nós estamos apresentando na Comissão de Direitos Humanos.

    Termino, Senadora Vanessa, dizendo que nós lutaremos até o fim, porque nós não vamos permitir nenhum retrocesso. É preciso que seja, mais uma vez, reafirmada a constitucionalidade do decreto para que a gente possa dizer, mais uma vez, que somos todos Acauã, somos todos quilombola.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2017 - Página 9