Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a ocorrência de conflitos agrários em torno da Reserva Chico Mendes em Xapuri-AC.

Autor
Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEIO AMBIENTE:
  • Preocupação com a ocorrência de conflitos agrários em torno da Reserva Chico Mendes em Xapuri-AC.
Publicação
Publicação no DSF de 05/07/2017 - Página 86
Assunto
Outros > MEIO AMBIENTE
Indexação
  • APREENSÃO, OCORRENCIA, CONFLITO, REFERENCIA, DIREITO AGRARIO, VITIMA, TRABALHADOR, EXTRATIVISMO, LOCAL, RESERVA EXTRATIVISTA, CHICO MENDES, MUNICIPIO, XAPURI (AC), ESTADO DO ACRE (AC), ELOGIO, DECISÃO JUDICIAL, LIMINAR, SUSPENSÃO, REINTEGRAÇÃO DE POSSE, GRUPO, POSSEIRO.

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, eu queria cumprimentar todos que nos acompanham pela Rádio e pela TV Senado e dizer que a minha vinda à tribuna, neste momento, é para tratar de algo muito grave que ocorre no meu Estado, especialmente no Município de Xapuri, e que teve uma repercussão muito grande hoje na imprensa do Acre, a partir de uma iniciativa da nova direção do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Trabalhadoras Rurais de Xapuri, sobre um conflito agrário dentro e no entorno da Reserva Chico Mendes, em Xapuri.

    Eu recentemente fiquei muito feliz de ter acompanhado, de ter vivido um momento histórico na nossa querida Xapuri, cujo resultado, no fundo, foi uma grande homenagem à memória de Chico Mendes. Um grupo de lideranças, de extrativistas, de seringueiros, de agricultores, de produtores, em Xapuri, muito próximos dos ideais de Chico Mendes e que são pessoas muito queridas também para mim, estavam há 12 anos fora da direção do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri.

    Em qualquer visita que se faça nas redes sociais, na imprensa, se identifica uma história muito forte ligada ao Sindicato dos Trabalhadores de Xapuri. E, é claro, o resultado das eleições deu oportunidade a um grupo de pessoas que assumiu o sindicato.

    Eu ficava triste de ver aquela casa de Chico Mendes, aquele ambiente, onde, inclusive, eu, há 30 anos – porque ano que vem vai fazer 30 anos da morte dele –, participei de tantas reuniões. E a pior delas, o encontro pior foi o velório dele naquele espaço, no salão paroquial no centro de Xapuri, ao lado da igreja. Mas aí, quando eu fui, há poucas semanas, participar da posse do Assis como Presidente, de toda a diretoria, alegrou meu coração. E eu sei que, de algum jeito, onde estiver, o Chico Mendes também ficou alegre. Naquela sessão de instalação da nova direção do sindicato, eu vi lá o Monteirinho, alegrando com sua sanfona, vi pessoas que não frequentavam mais reuniões sindicais presentes. Aquilo foi algo como que aguar, regar a memória de Chico Mendes.

    Talvez, o passo mais importante para as homenagens que pretendemos fazer – o Governador; o Prefeito Bira, de Xapuri; todos nós, os amigos; as entidades não governamentais; o Comitê Chico Mendes, com a Júlia, com a Ângela; seus familiares, Elenira, Sandino; todos os seus amigos e admiradores... Sem dúvida, aquele foi o primeiro ato para que a gente possa lembrar 30 anos sem Chico Mendes, porque ano que vem vamos ter 30 anos do seu assassinato.

    Mas, naquela posse, naquele dia, eu fui procurado por alguns extrativistas, pessoas que moram muito longe da cidade de Xapuri. Quem vive aqui em Brasília não tem noção do que é uma pessoa morar a três, quatro dias a pé – a pé, Senador Wilder – para poder chegar à cidade, ou a cavalo. Isso é normal naquela região, da maneira como a Amazônia é ocupada. Eu mesmo fiz quantas viagens – dois dias de cavalo, de Assis Brasil até a beira do Iaco – antes de ser Governador e depois de ser Governador, para visitar comunidades? Fiz um dia inteiro, de Xapuri até chegar ao Espalha, de cavalo também; e fiz viagem a pé, atravessando de um vale para outro, como fiz quase quatro dias entre o Jordão e Thaumaturgo. Essa viagem, Senador Wilder, foi tão brutal, a pé, na floresta, com mais um amigo e dois guias, que perdi a metade das unhas dos pés: cinco unhas se foram, porque é algo inimaginável. Então, eu sempre gostei muito de andar nos lugares mais distantes. Conheço todos os rios do Acre, e sei como é a ocupação.

    Lamento trazer para a tribuna o registro de algo em que a situação só não é mais triste por conta da ação, hoje, na Assembleia Legislativa. Quero parabenizar o Presidente da Assembleia, Ney Amorim; o Líder do Governo, Daniel Zen; parabenizar também o Lourival Marques, que preside a comissão e é uma pessoa muito ligada, um amigo que trabalhou comigo no governo, é um Deputado ligado a todo o setor produtivo; porque eles conseguiram, com a ajuda de muitos, reunir as lideranças de Xapuri.

    Eu queria, parabenizando o Lourival, o Líder do Governo, Daniel Zen, também fazer referência à Deputada Leila Galvão, que é de Brasiléia, daquela região do Alto Acre, o Antônio Pedro, Deputado também, a Drª Juliana, o Nelson Sales e o Chagas Romão. São pessoas até de oposição ao governo, mas todos estavam juntos – o Chagas Romão, que tem uma relação também muito forte com Xapuri; o Nelson Sales, a Drª Juliana, o Antônio Pedro, que se juntaram ao presidente do Sindicato de Xapuri, o amigo Assis Monteiro.

    E não posso deixar de registrar uma pessoa que foi muito próxima de Chico Mendes, que trabalhou, um amigo, assessorou e depois foi fazer Direito – e hoje é um dos bons advogados do Acre – para pode defender a causa, que é uma causa de vida dele. Refiro-me ao Gumercindo Rodrigues. O Gumercindo é advogado, estava na posse. Estava lá também a Júlia Feitosa, a Ângela Mendes, do Comitê Chico Mendes, a Raimunda Bezerra, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos, o Luiz Sérgio, o Raimundão, o Daú Aquino, o querido amigo, ex-prefeito Júlio Barbosa e o Vereador Equi, de Xapuri, além do Dankar, de Rio Branco.

    Essa manifestação na Assembleia trouxe uma notícia boa, e eu não posso deixar de fazer já o registro, porque isso me alegrou muito. O juiz da comarca de Xapuri suspendeu a liminar de reintegração de posse dos quatro posseiros, prevista para amanhã, e agendou uma audiência para o dia 18 de agosto.

    Então, eu queria agradecer e cumprimentar o Juiz Luis Gustavo Alcalde, de Xapuri, que, sensível ao conflito, tomou uma atitude, evitando que essa situação se agrave ainda mais. Marcando uma audiência para o dia 18 de agosto, ele, de certa forma, mostra uma sensibilidade da Justiça acriana, porque a proposta que tínhamos, e eu me somaria a ela, era a de que procurássemos o Ministério Público Federal, o Ministério Público estadual, porque nós estamos tratando de uma área dentro e vizinha da Reserva Chico Mendes, para que pudessem fazer uma mediação com o Poder Judiciário.

    Mas eu acho que a atitude do juiz hoje já nos dá uma certa tranquilidade. Temos aí um tempo, porque tudo o que nós não queremos é que Xapuri, o Acre volte a ter os conflitos agrários que tinha antes. Nós estamos lidando com um problema em que proprietários tentam, através de uma ação na Justiça, tirar posseiros, pessoas que moram e ocupam áreas há 30, 40 anos. Isso não é justo, não é aceitável.

    Alguns compram áreas – e é bom que se entenda – as áreas que se compram nesses Municípios do Acre são áreas que têm uma parte antropizada, desmatada, e uma ampla maioria da área normalmente com floresta. Mas, na nossa região, toda a floresta do Estado está ocupada. Temos a presença dos extrativistas. E alguns – seja para desenvolver suas atividades, eu não estou querendo fazer juízo de ninguém – proprietários querem tirar todo e qualquer ocupante das suas áreas. Mas muitas das vezes as pessoas estão há muito mais tempo na área, criaram seus filhos, já estão em uma geração de netos ocupando a área – para mim, têm até mais direito do que aqueles que têm o documento –, e sofrem injustiça com uma expulsão.

    Foi por conta desse tipo de conflito – alguns querendo ocupar a floresta para transformá-la em pastagem – que Chico Mendes organizou os trabalhadores de uma maneira inteligente, com uma estratégia, em vez de ficar apenas defendendo o direito – como se tinha naquela época: terra, trabalho e pão –, o Chico Mendes falou: "Não, se eu for defender a floresta, se eu defender o meio ambiente, eu defendo as pessoas que vivem nela, eu defendo os posseiros, eu defendo os extrativistas, eu defendo os ribeirinhos."

    Foi nessa visão – e Chico Mendes era um visionário – que ele trouxe o componente ambiental para um conflito que não tinha, para um conflito que só levava em conta, pura e simplesmente, a propriedade da terra, que era resolvida ou com a expulsão ou com uma indenização que não ajudava em nada.

    Foi dessa maneira que muitas cidades do Acre e da Amazônia incharam. Não foi diferente com Xapuri, não foi diferente com Rio Branco. E, quando o Chico Mendes entendeu e começou a trabalhar mais na questão da floresta, ele também, junto com seus amigos – e foi aqui na UnB, em 1985, o primeiro encontro nacional de seringueiros –, foi mais além. E concebeu-se ali uma proposta de unidade de conservação da floresta, que incluía as pessoas, a ocupação humana. Daí surgiu a ideia das reservas extrativistas.

    E é exatamente essa reserva extrativista, símbolo de tudo isso – no Cachoeira e em Xapuri –, que hoje pode virar, se não for feito nada, um palco de novos conflitos, dessa agressão contra famílias que ocupam essas áreas, que criaram seus filhos. Hoje, graças às políticas que temos feito – tentado fazer, pelo menos no Acre, valorizando os produtos da floresta –, hoje a castanha-do-brasil, hoje a borracha, com a fábrica de preservativo de Xapuri, e agora com a volta da fábrica de tacos em Xapuri, que foi construída na época em que eu era governador... As fábricas de castanha – pelo menos boa parte delas –, a fábrica de preservativo e a fábrica de tacos hoje não só estão empregando como também são parte dessa cadeia produtiva, que para nós é fundamental, que vê a floresta com ativo econômico, vê a floresta como base da nossa economia.

    Quando eu assumi o governo, lembro que eram R$2 uma lata de castanha de 18kg. Agora, este ano, passou de R$130. Isso é uma conquista nossa, porque muitos queriam destruir os castanhais, queriam destruir a floresta para desenvolver outras atividades, quando nós entendemos que nós temos um ativo econômico da maior importância, com a biodiversidade, com a perspectiva de que, na hora em que houver um governo que valorize a floresta, que leva em conta que o Brasil tem uma vantagem comparativa perante os outros países, a situação vai mudar completamente, especialmente para os 25 milhões de amazônidas que vivem ali, que ajudaram a mudar a agenda do Brasil, com a redução do desmatamento.

    O Brasil ganhou moral por conta de ter reduzido o desmatamento, mas quem vive na Amazônia hoje paga um custo adicional. Temos o combustível mais caro, temos passagem aérea mais cara, não temos um endereço aqui em Brasília para termos políticas públicas para a região. Isso é um equívoco que nós vivemos no Governo Federal brasileiro hoje, porque a Amazônia não está querendo favor. A Amazônia só quer ser vista como uma região estratégica para o Brasil se firmar como uma grande nação.

    Mais de 70% dos medicamentos, dos fármacos, dos cosméticos têm como base os produtos naturais, e o Brasil não entende isso. O que prevalece é sempre essa tentativa de destruir, de substituir a nossa biodiversidade por atividades que desprezam essa riqueza.

    Então, Sr. Presidente, eu concluo dizendo, agradecendo. Queria concluir, Senador Pimentel, dizendo que eu me somo ao Assis Monteiro, aos Deputados, aos vereadores, ao Comitê Chico Mendes e faço um apelo à mediação do Ministério Público Estadual, à mediação do Ministério Público Federal. E fazendo o registro aqui na tribuna do Senado, meus agradecimentos ao juiz que suspendeu a liminar de reintegração de posse e, com isso, faz com que a tensão que estávamos vivendo em Xapuri possa ser amainada e, com isso, haja tempo para garantir o direito dos posseiros.

    Eu não tenho nada contra os proprietários. Eu não tenho nada contra quem tem sua atividade produtiva de médio e grande porte, mas acho que todos nós temos que trabalhar e defender aqueles que menos podem, aqueles que sofrem mais, me refiro à família daqueles que há muitas décadas vivem nessas áreas.

    Por isso, aqui ficam meus comprimentos, agradecendo ao Dr. Luis Gustavo, juiz em Xapuri, para que ele possa mediar essa situação, garantindo o direito dessas famílias, porque nós estamos falando de algo que envolve, em um efeito cascata, mais de 500 famílias que estão cadastradas nesses seringais do entorno da Reserva Chico Mendes, não estão protegidas por uma unidade de conservação tão importante como a reserva extrativista, mas que se garanta a eles.

    Esses são os moradores da floresta, os produtores da floresta, as pessoas que ajudam na economia do Acre, porque, se seguir a voltar aos tempos dos anos 70 e 80, nós vamos estar tirando essas pessoas do setor produtivo e empurrando essas pessoas para ocupar as periferias de cidade, vivendo uma vida que não é justa para elas.

    Então, fica aqui esse registro, esse apelo. E, ao mesmo tempo, meu cumprimento ao Presidente da Assembleia, Ney Amorim, ao Lourival Marques, a todos os Deputados que ajudaram e às Deputadas. E aqui volto a repetir: é muito importante. Estava lá direitos humanos, estava o Sindicato dos Trabalhadores, Comitê Chico Mendes, os vereadores também. Mas é muito importante fazer o registro aqui que um grupo de Parlamentares suprapartidários, com a Leila Galvão, com o Antônio Pedro, a Dra Juliana, o Nelson Sales, Chagas Romão, somados ao Lourival, Daniel Zen e Ney Amorim, encontraram hoje um bom caminho de mediar um conflito para que a gente não tenha que, nem de longe, pensar em viver tempos que trinta anos atrás faziam o Acre chorar, faziam o Acre se envergonhar e virar notícia ruim mundo afora com os assassinatos que lamentavelmente nós registramos.

    Obrigado, Sr. Presidente, e fica aqui esse registro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/07/2017 - Página 86