Discurso durante a 102ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise dos possíveis cenários políticos diante da possibilidade de a Câmara dos Deputados aceitar ou não a denúncia contra presidente Michel Temer pelo crime de corrupção passiva.

Insatisfação com o desmanche de força-tarefa da Polícia Federal responsável pela Operação Lava-Jato em Curitiba.

Pedido de providências à Agência Nacional de Aviação Civil acerca de problemas envolvendo a responsabilidade sobre a fabricação de aeronaves experimentais no país.

Autor
Alvaro Dias (PODE - Podemos/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Análise dos possíveis cenários políticos diante da possibilidade de a Câmara dos Deputados aceitar ou não a denúncia contra presidente Michel Temer pelo crime de corrupção passiva.
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
  • Insatisfação com o desmanche de força-tarefa da Polícia Federal responsável pela Operação Lava-Jato em Curitiba.
TRANSPORTE:
  • Pedido de providências à Agência Nacional de Aviação Civil acerca de problemas envolvendo a responsabilidade sobre a fabricação de aeronaves experimentais no país.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/2017 - Página 38
Assuntos
Outros > GOVERNO FEDERAL
Outros > CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Outros > TRANSPORTE
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO POLITICA, POSSIBILIDADE, ACEITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DENUNCIA, AUTORIA, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, RODRIGO JANOT, DESTINATARIO, MICHEL TEMER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRIME, CORRUPÇÃO PASSIVA, DEFESA, IMPOSSIBILIDADE, ANTECIPAÇÃO, CONVOCAÇÃO, ELEIÇÃO DIRETA.
  • CRITICA, DECISÃO, DESMONTAGEM, GRUPO, POLICIA FEDERAL, RESPONSABILIDADE, OPERAÇÃO LAVA JATO, CURITIBA (PR), ESTADO DO PARANA (PR).
  • CRITICA, AGENCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC), FABRICAÇÃO, AERONAVE, AERONAVE PRIVADA, AMADORISMO, EXPERIMENTAÇÃO, FALTA, FISCALIZAÇÃO, SEGURANÇA, REFERENCIA, ACIDENTE AERONAUTICO, LOCAL, TOLEDO (PR), ESTADO DO PARANA (PR), CENTRO DE INVESTIGAÇÃO E PREVENÇÃO DE ACIDENTES AERONAUTICOS (CENIPA).

    O SR. ALVARO DIAS (PODE - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Srª Presidente, Senadora Ana Amélia, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, a quem nos dirigimos especialmente neste momento, nesta semana as atenções estão voltadas para a Câmara dos Deputados, onde a Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa debate o acolhimento ou não da denúncia do Procurador-Geral da República contra o Presidente Michel Temer.

    É um fato inusitado, histórico e lamentável. Pela primeira vez, um Presidente da República, no exercício do seu mandato, é denunciado pelo Procurador-Geral da República por crimes de corrupção. Certamente um momento traumático da vida pública brasileira na esteira dessa tragédia política nacional, que começou há algum tempo e certamente não terminará nos próximos dias.

    A crise avança. É possível até que o Presidente Temer consiga preservar o seu mandato neste primeiro momento, em razão desta denúncia primeira. Mas será que terá forças para suportar novas denúncias do Procurador-Geral da República? Ou será que terá forças para suportar a eventual delação anunciada do Sr. Eduardo Cunha, que, segundo noticiário, atingiria especialmente o Presidente da República e os Ministros mais próximos dele, além de cerca de 50 Deputados Federais e alguns Senadores? Será que terá forças para suportar a delação do doleiro envolvido nos últimos anos com o PMDB, o Sr. Funaro, ou, como disse a Senadora Ana Amélia, a delação anunciada também do Ministro Palocci? Certamente, mais combustível nesse incêndio da política nacional. E o que é mais triste e lastimável: não há solução urgente porque a substituição do Presidente da República não é solução, já que muda apenas o nome da crise. A crise, que hoje se chama Temer, passa a se chamar Maia. Mas o Brasil continua em crise.

    Há aqueles que apregoam a antecipação das eleições, mas, para quem olha o calendário e a Constituição, a conclusão é que isso é impossível.

    Esse processo, que começa hoje com a leitura do voto do Relator, prossegue pelo menos por mais 120 dias até a sua conclusão para uma eventual vacância do cargo, que possibilitaria a substituição do atual Presidente. Nós chegaríamos, portanto, se alterássemos a Constituição... E é preciso considerar que não se altera a Constituição do dia para a noite. Muitas vezes, demoramos anos para a aprovação de uma proposta de emenda constitucional. E eu cito como exemplo aquela que acaba com o foro privilegiado, de nossa autoria, apresentada em 2013 e votada recentemente aqui no Senado. Encontra-se na Câmara dos Deputados aguardando deliberação. Nós avançaríamos para o último ano da gestão Temer e teríamos duas eleições no mesmo ano?! Portanto, esta é uma solução distante e improvável.

    É claro que todos nós gostamos de eleição, gostamos do voto, somos adeptos da eleição direta, mas temos que ter a consciência de que é impossível agora alterarmos as regras do jogo para a realização da eleição direta. O que cabe agora analisar é porque chegamos a essa situação dramática. O mal na política brasileira é que políticos importantes se acostumaram a não ver nada, a não saber de nada.

    Eu indago: não sabiam quem era o Presidente Temer? Há quanto tempo se sabe quem é o Presidente Temer? Fernando Henrique Cardoso não sabia? Lula não sabia? Dilma não sabia? Os partidos políticos não sabiam? É evidente que sabiam. É que nasceu no Brasil o político avestruz que coloca... O avestruz, você sabe, coloca a cabeça na areia para não se aperceber do perigo que o ronda. O político brasileiro é, portanto, político avestruz, aquele que se esconde para não ver, aquele que não quer ver, aquele que não quer saber e as consequências são dramáticas.

    Todos sabiam, mas, no momento em que se instalou o processo de impeachment da Presidente Dilma, poucos se aventuraram a afirmar que o correto seria o impeachment da Presidente e do Vice-Presidente, até porque Michel Temer também praticou o crime das pedaladas, como praticou Dilma Rousseff, e, à época, nós denunciamos o fato e submetemos, inclusive, à apreciação do Tribunal de Contas da União. Por que não se instauraram procedimentos para o impeachment também do Vice-Presidente da República? À época, sim, teríamos eleições diretas e não estaríamos hoje mergulhados nesse oceano de dificuldades, de imprevisibilidades, nesse verdadeiro oceano de angústia, de apreensão, de tensão e de ausência de perspectivas de solução satisfatória para recolocar o País nos trilhos do desenvolvimento com normalidade.

    É preciso reconhecer que este pecado é grave, o pecado da omissão, o pecado do não saber, não querer ver, enfim, de se acomodar. E hoje? Os partidos que foram para o Governo Temer? Há partido que hoje discute se deve permanecer no Governo ou se deve deixar o Governo, mas por que hoje e não quando o Presidente assumiu? Não sabiam quem era o Presidente? Quer que a ingenuidade seja a regra neste País? Exigem demais da nossa ingenuidade. Santa ingenuidade! Não sabiam quem era o Presidente Temer e agora discutem se devem permanecer no Governo.

    O Presidente não mudou, é o mesmo. Os fatos eram anteriores à sua posse e todos sabiam da existência desses fatos. Imaginavam que o Brasil não acordaria para a realidade dos acontecimentos? Discutir hoje se devem permanecer no Governo ou se devem sair do Governo me parece uma atitude tardia, temerária e, certamente, oportunista.

    Enfim, nós teremos ainda pela frente muitos dias de dificuldades, de sofrimento, nesse calvário político que se desdobra a cada passo, a cada denúncia. Virão aí novas delações, revelações ainda mais estarrecedoras, quem sabe, e a população sofrendo as consequências. O que nós desejamos é que esse tempo de sofrimento possa ser a antevéspera do benefício, que a Nação ganhe com tudo isso, com a mudança que se exige.

    As multidões que foram às ruas foram, sobretudo, para essa exigência de mudança, que não fica apenas no impeachment de um Presidente, mas uma mudança radical que chegue à ruptura com esse sistema de governança corrupto, que é a matriz de governos promíscuos e incompetentes, a mudança da cultura política, do comportamento dos políticos. Enfim, o que se deseja é um outro tempo para o País. E nós desejamos que esse tempo de sacrifício seja, repito, a antevéspera de um tempo de benefício em que o País reabilitará suas esperanças de um futuro em que se exercitará a cidadania plena numa nação com liberdade, democracia e justiça social. É o que nós desejamos.

    Devo também, Sr. Presidente, lamentar o desmanche da força-tarefa da Polícia Federal, em Curitiba. Uma coincidência com aquilo que se anunciou quando houve a substituição do Ministro da Justiça. Afirmou-se que o Presidente nomeava não o Ministro da Justiça, mas um advogado de defesa, que teria também a missão de dificultar as ações da Operação Lava Jato. Simples coincidência o desmonte da força-tarefa da Polícia Federal, em Curitiba, que atuava com exclusividade na Operação Lava Jato? Não é mera coincidência. Não há aí apenas um equívoco administrativo, vai além. O que há é um equívoco político suspeito, porque, antes, 12 delegados, ficamos com quatro e, agora, zeramos. Não há força-tarefa da Operação Lava Jato na Polícia Federal, em Curitiba. E argumentam: os delegados foram transferidos para a delegacia-geral, onde se encontram sob investigação 8,7 mil inquéritos instaurados.

    É evidente que se perde o foco. Não haverá exclusividade. Em operações dessa dimensão, importância e notoriedade, é evidente que se recomenda a exclusividade. E as demandas não se esgotaram, ao contrário. Ao que tudo indica, elas crescem, e há representantes do Ministério Público que alegam: as demandas exigiriam, sim, a existência da força-tarefa da Polícia Federal para essa ação de interação com o Ministério Público Federal, na busca do melhor resultado das investigações em curso. Se há delações ainda não investigadas, e são muitas – Odebrecht, JBS, etc. –, e as que são anunciadas, como a de Eduardo Cunha, Funaro, Palocci, certamente a demanda cresce, e não é reduzida.

    Não há como não afirmar que há aí, sim, uma predisposição de fulminar a Operação Lava Jato. Mas ela é tão consistente e de robustez inigualável, apoio popular incomum, que certamente prosseguirá para superar todos esses obstáculos à sua frente, colocados pelas autoridades temerosas de que as investigações possam alcançá-las.

    Imagino, sim, que, apesar de todos esses obstáculos, a Operação Lava Jato continuará irredutível na busca de resultados finais que possam atender às expectativas do povo brasileiro, e esse é o nosso maior desejo.

    Antes de concluir, Sr. Presidente, um outro tema que exponho agora desta tribuna com olhos voltados para a Anac e o Poder Executivo da União: a grave situação que envolve a construção de aeronaves leves, do tipo experimental, em nosso País. Sob a complacência das autoridades da Anac, assistimos a acidentes mortais de forma rotineira. Nós estamos falando de mortes.

    Com base num denso trabalho elaborado pelo médico Augusto Fonseca da Costa, piloto privado com 43 anos de experiência na aviação e milhares de horas de voo e pai do piloto morto no acidente aéreo ocorrido em 4 de janeiro de 2015, no espaço aéreo da cidade paranaense de Toledo, demonstra-se que é imperioso elucidar a gravíssima situação da fabricação de aeronaves experimentais no Brasil.

    Como destaca o Dr. Augusto da Costa, é inadmissível:

dentro do ordenamento jurídico do Brasil que uma indústria fabrique produtos alegando terem sido construídos por "amadores", fiscalize sua própria produção, treine, examine e aprove pilotos, os declare aptos a receber a licença necessária ao ente público responsável, e, por fim, por "determinação" deste mesmo ente, a Agência Reguladora – Anac, [depois] transfira todo o risco do negócio (isento inclusive de sofrer investigações sobre as causas dos acidentes) para o consumidor final, sob o argumento de "voo por conta e risco" do operador da aeronave.

    Pasmem, Srs. Senadores, mas isso é o que acontece na indústria aeronáutica do Brasil! Por exiguidade de tempo, deixo de reproduzir o farto acervo técnico da argumentação que embasou a denúncia apresentada ao Ministério Público Federal pelo Dr. Augusto Fonseca da Costa e pela Associação Brasileira de Vítimas da Aviação Geral e Experimental contra a Anac pela total anomia na fiscalização e regulação das aeronaves leves esportivas de construção amadora e experimentais.

    Registro algumas passagens do itinerário que envolveu o trágico acidente que vitimou o jovem piloto Vitor Augusto da Costa, de 19 anos, falecido na queda de uma aeronave experimental, na cidade de Toledo, em 2015.

    A aeronave era do modelo Super Petrel LS, fabricada pela então Edra Aeronáutica de Ipeúna, São Paulo. Ressalto que as investigações foram iniciadas logo após a queda da aeronave, sob o comando e presença de oficiais do Cenipa (Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) e do DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial).

    Peço atenção, Sr. Presidente, para o resultado das investigações: foi constatado "que a causa da queda da aeronave foi uma falha mecânica do motor da aeronave".

    A gravidade do laudo técnico é estarrecedora.

A origem dessa falha fatal foi o descumprimento, por parte do fabricante da aeronave, de um "Boletim Mandatório" (um recall) emitido pelo fabricante do motor, exigindo cumprimento imediato, antes do próximo voo, e alertando para risco de morte caso não cumprido.

A análise aprofundada dos fatos por quase um ano e meio demonstrou que a causa primária dessas distorções são as omissões e leniências da agência reguladora Anac – Agência Nacional de Aviação Civil, na aviação esportiva do Brasil, denominando inadequadamente essas aeronaves ora como “experimentais”, ora como “de construção amadora”, ora como “leves esportivas”, não exigindo o cumprimento de requisitos de segurança previstos em normas da própria Anac, e sob absoluta falta de fiscalização [...].

    Sr. Presidente, destaco e transcrevo:

Essas leniências e omissões permitiram a atuação criminosa do fabricante dessa aeronave em particular, e ainda permitem vários tipos de atuação criminosa desse e de outros fabricantes de aeronaves falsamente chamadas de “experimentais”, ou “de construção amadora”, ou enquadradas ilegalmente como “leves esportivas”.

    Nesse contexto, o fabricante:

1. Descumpriu culposamente de modo negligente esse Boletim Mandatório nas várias oportunidades que teve desde a fabricação e nas três revisões que fez em mais de dois anos, e pior,

1.Declarou dolosamente no manual da aeronave ter cumprido esse boletim já na fabricação da aeronave, o que se comprovou inteiramente falso após as investigações, falsidade esta que eliminou qualquer chance de alguém posteriormente substituir a peça defeituosa afetada, salvando a vida desse promissor jovem piloto [Vitor Augusto da Costa].

    É enfatizado na denúncia:

Essas leniências e omissões são altamente suspeitas por revelarem a preocupação da ANAC em atender apenas aos interesses econômicos dos fabricantes, em detrimento da segurança dos usuários, como seria seu dever legalmente constituído [...]

    A precariedade que envolve a construção e manutenção das aeronaves experimentais no Brasil não constitui segredo para ninguém. A própria mídia escrita já denunciou o descalabro reinante. Uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo, assinada por José Maria Tomazela, já denunciava, em 2011, que "aeronaves experimentais, construídas de forma amadora, são construídas com kits comprados na internet e não passam por vistoria". À época, a estimativa era a de que o Brasil possuía 5 mil aviões amadores.

    Por oportuno, Sr. Presidente, ressalto ainda que o conjunto desses fatos estarrecedores foram denunciados, no Senado Federal, à Comissão de Especialistas de Reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica.

    É preciso proibir, em todo Território nacional, a comercialização ou a distribuição de aviões experimentais, bem como de qualquer aeronave que não tenha seu processo de fabricação e seu projeto certificados pela Anac, entre outras medidas saneadoras. Caso isso não ocorra com a maior brevidade possível, muitos outros jovens pilotos como Vitor Augusto da Costa terão suas vidas ceifadas em razão do atual cenário desprovido de regulamentação das aeronaves experimentais.

    Esse apelo, Sr. Presidente, é dirigido à Anac, e nós esperamos as providências. A omissão é criminosa, e nós não podemos aguardar que novos brasileiros sucumbam diante da irresponsabilidade dos governantes deste País. Isso é muito grave, Sr. Presidente.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/2017 - Página 38