Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crítica à tentativa do Governo Federal de aderir à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Crítica à tentativa do Governo Federal de aderir à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Publicação
Publicação no DSF de 03/08/2017 - Página 28
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Indexação
  • CRITICA, POLITICA EXTERNA, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, ADESÃO, BRASIL, ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONOMICO (OCDE), DEFESA, NECESSIDADE, MANUTENÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – É um prazer, Senadora, ter a presença do Senador Suplicy enquanto eu tenho a oportunidade de fazer um pronunciamento que julgo importante nesta Casa. Mas eu não vou abordar aquele assunto deprimente que ocorre lá na Câmara dos Deputados. Eu quero falar sobre a política externa brasileira.

    Nos esplendores da maré neoliberal, o caricato Presidente da Argentina, Carlos Menem, era tido por estas bandas como exemplo de gestão, espelho para toda a América Latina, Ásia, África, Oceania e até mesmo, Senador Suplicy, para a Europa, especialmente para os países do Leste do continente europeu – e para o Universo, caso houvesse na infinitude vida inteligente. Lembram-se disso, Srs. Senadores?

    Miriam Leitão, entre outros 492 comentaristas econômicos do complexo Rede Globo ou Globo-CBN-G1, arrancava de Fenando Henrique Cardoso suspiros ciumentos tais os comentários encomiásticos, apologéticos endereçados ao mandatário vizinho.

    Depois de dolarizar a Argentina, delirante com o próprio feito, Menem teve um surto político-geográfico ao pedir a afiliação do país ao Tratado do Atlântico Norte (OTAN), uma aliança forjada pela Guerra Fria e que reúne, ainda hoje, os países do Atlântico Norte. E queria mandar soldados para o Iraque, o Afeganistão, os Balcãs, solidário com as guerras do império.

    Nem isso serviu para que os coleguinhas jornalistas do Clarín, de O Globo, do Estadão e equivalentes moderassem a celebração do governo Menem. A destruição da Argentina como nação e sua absoluta, radical submissão à globalização neoliberal contava mais do que qualquer surto de grandeza do Gardelón. Lembram-se do Gardelón nos programas do Jô Soares? Era o argentino típico, o argentino caricato.

    Bom, as senhoras e os senhores conhecem o enredo e é desnecessário recapitular o que sucedeu à Argentina e a Carlos Menem e o que custou ao nosso vizinho reaprumar-se. Até hoje, são fundas, dolorosas as marcas da passagem de Menem pela Casa Rosada e o seu desatino, o desvario de fazer da Argentina um apêndice, um Estado associado aos Estados Unidos.

    Mas eis que também a má fortuna, as desditas e a má andança da história destinam-nos uma presidência caricata, um governo de fancaria, bafejado e nutrido pelos mesmos miasmas que encantaram o formidável quarteto de governantes latino-americanos que fizeram da dependência de seus países a causa suprema – Menem, Fernando Henrique Cardoso, Salinas de Gortari, Fujimori. Quem há de esquecê-los?

    Mas essa contrafação de governo que temos hoje, conquanto toda a sua ilegitimidade original, e talvez por isso mesmo, avança um passo além da renúncia à soberania nacional. Não se trata apenas de ceder Alcântara para os Estados Unidos, de vender terras para estrangeiros ilimitadamente, de entregar o petróleo do pré-sal, de alienar as reservas minerais, de destruir a ciência e a tecnologia nacionais, de arrasar com a indústria brasileira, de primarizar a economia nacional.

    Este Governo, Senadora Vanessa Grazziotin, quer mais. Quer, agora, a adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a famosa OCDE. Quer que sua submissão ao mercado seja oficialmente reconhecida, certificada, carimbada com a admissão à OCDE.

    Se Temer, em sua simploriedade e jequice, vê o ingresso na OCDE como o novo rico que se candidata a sócio do Country Club do Rio de Janeiro, bem mais complexas e espertalhonas são as intenções de Meirelles e Goldfajn – bem mais complexas e espertalhonas! Ao mesmo tempo em que eles cutucam o provincianismo e a vaidade do Presidente, que adoraria, Senador Telmário, ver-se fotografado entre os chefes de Estado dos 35 países mais ricos do mundo, a dupla de banqueiros que manda no País tem outros planos.

    O que é afinal a OCDE? Por que o Brasil sempre relutou em aderir plenamente a esta Organização? E por que, agora, Temer et alia pedem a inscrição?

    A OCDE talvez pudesse ser classificada como braço político da OTAN, cujo objetivo inicial foi o de conter o perigo eslavo depois da Segunda Guerra Mundial. Aliás, a OCDE surge antes da OTAN, um ano antes, Senador Telmário.

    Ao inscrever como seus princípios básicos a defesa da democracia representativa e da economia de livre mercado, a organização delimitou claramente as suas fronteiras e foi uma parceira militante na luta contra o chamado mundo comunista, os movimentos de libertação nacional, o terceiro­mundismo, os países não­alinhados; contra tudo, enfim, que escapasse das garras imperiais. Na guerra, nem sempre fria, com o Leste, desenvolvia também um lado, digamos, lúdico, premiando, inspirando e estimulando dissidentes.

    Ruído o muro, a OCDE adapta-se e deixa a luta anticomunista de lado para se concentrar na defesa da economia de mercado e da tal democracia representativa, desde que essa tal democracia representativa, é claro, representasse os interesses do capital financeiro, do capital vadio.

    Ah, sim. Em seus gloriosos tempos de "a voz mundial da democracia", nos anos 50, 60, 70, 80, a OCDE não dava um pio contra as ditaduras que desgraçaram a América Latina, a África, e a Ásia, Senador Magno Malta. Os assassinatos de Patrice Lumumba no Congo, a execução de Abdul Karim Kassem no Iraque e, a ousadia suprema, o assassinato do Secretário-Geral da ONU Dag por ação conjunta dos Estados Unidos, Inglaterra, França e Bélgica, os golpes, genocídios no Chile, na Guatemala, na Nicarágua, na Indonésia, na Argentina, no Peru, no Vietnã, no Laos e no Camboja, o golpe de 1964 no Brasil e a deposição de Mossadegh, no Irã, são exemplos de atentados contra a democracia e a soberania nacional olimpicamente desmerecidos pela OCDE.

    Já os movimentos de 1958 na Hungria, 1968 na Tchecoslováquia, de 1979 e 1980 na Polônia, esses, sim, foram ribombados pela Organização.

    Hoje, se a Guerra Fria política derreteu-se, a Guerra Fria econômica mantém-se ativa e tem na OCDE um de seus bastiões.

    Tudo bem que a OCDE, ao contrário do FMI e do Banco Mundial, não pode impor políticas de austeridade aos seus consorciados. No entanto, a adesão à Organização pressupõe isso. Mesmo porque, declaradamente, o Governo Temer/Meirelles/Goldfajn quer que os brasileiros vejam a entrada do País no exclusivíssimo clube da OCDE como o reconhecimento mundial da política econômica vigente. Esse ingresso na Organização seria uma espécie de selo de qualidade, um nihil obstat dado pelo mercado internacional às reformas trabalhista, da previdência, ao teto de gastos, à política do petróleo e dos minérios, à transnacionalização de nossa economia.

    Rejeitado por mais de 90% dos brasileiros, o Governo Temer busca as bênçãos dos 35 países mais desenvolvidos do mundo, que nada mais querem que a nossa globalização financeira.

    A alegação do Itamaraty e da Fazenda de que a inscrição do País na OCDE vai favorecer a atração de investimentos estrangeiros para a nossa economia faz­me lembrar aquele rapaz da Riachuelo – lembra, Senadora Vanessa, o dono da Riachuelo? – proclamando que, no dia seguinte à deposição da Presidente Dilma, a economia brasileira daria um salto e que, na Pátria bem-amada, correriam mel e leite.

    Segundo alguns analistas, a entrada na OCDE poderia, eventualmente, vir acompanhada da exigência de que o País se afastasse do G77+China, que reúne, sob a liderança do Brasil, países em desenvolvimento e países pobres. Foi exatamente essa liderança do Brasil sobre o G77 que nos deu a projeção internacional de anos atrás. Com essa liderança, o Brasil pôde sentar à mesa dos grandes, dos 20 mais ricos, dos 35 mais ricos, dos 7 mais ricos.

    Mas, como o novo Itamaraty, os banqueiros Meirelles e Goldfajn e o deslumbrado Presidente da República não gostam de pobres, querem ver o nosso País afastado da África, da Ásia, da América Latina e Caribe, da Ásia e da Oceania, renunciando o protagonismo na política internacional, para se transformar o nosso Brasil num lambe­botas dos ricos.

    A economista norte­americana...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... Deborah James, Diretora de Programas Internacionais do Centro de Pesquisa Econômica e Política, com sede em Washington, e uma das mais respeitadas críticas mundiais da globalização imperial, comenta, abro aspas: "Até pouco tempo, [o Brasil] era o líder da região e lutava para construir uma unidade entres os países em desenvolvimento [...]. Após o golpe de Estado, o País abandonou totalmente suas pretensões de ser o líder do sul", abriu mão de liderar a América do Sul em discussões comerciais, afastando-se do Mercosul e aliando-se com ênfase aos interesses dos Estados Unidos.

    Mais claramente, Senadora Vanessa: estamos tendo uma recaída no complexo de vira-lata, o que imaginávamos ter sido já, no nosso Brasil, exorcizado.

    Obrigado, Presidente, pela tolerância do tempo, mas, ao mesmo tempo em que acontece aquele desastre de perda da dignidade e da moralidade no Brasil, aquela banca comercial de compra e venda de votos na Câmara, era importante que aqui, da tribuna do Senado, abordássemos a perspectiva do Brasil no mundo. E o que está acontecendo conosco sob este Governo é mais ou menos o que está acontecendo com a dignidade brasileira no plenário da Câmara Federal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/08/2017 - Página 28