Pronunciamento de Rose de Freitas em 02/08/2017
Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Comentários sobre a falta de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro (RJ) e apoio ao auxílio do Governo Federal na resolução da crise.
- Autor
- Rose de Freitas (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
- Nome completo: Rosilda de Freitas
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SEGURANÇA PUBLICA:
- Comentários sobre a falta de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro (RJ) e apoio ao auxílio do Governo Federal na resolução da crise.
- Publicação
- Publicação no DSF de 03/08/2017 - Página 86
- Assunto
- Outros > SEGURANÇA PUBLICA
- Indexação
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- COMENTARIO, SEGURANÇA PUBLICA, AUMENTO, VIOLENCIA, AGRAVAÇÃO, CRIME, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), NECESSIDADE, AUXILIO, GOVERNO FEDERAL, FORÇAS ARMADAS, POLICIA FEDERAL, RESTAURAÇÃO, PAZ, SOCIEDADE.
A SRª ROSE DE FREITAS (PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, gostaria de agradecer V. Exª por ainda ter a tolerância de ouvir mais um orador. E eu tentarei ser breve para que, embora não tenha mais ninguém inscrito, não possa prejudicar o tempo de V. Exª.
Ouvi com atenção o discurso da Senador Lídice, a quem admiro, pela sua luta política, minha colega constituinte, mas gostaria também de registrar aqui, entre as palavras que foram proferidas pelo ex-Presidente Renan, uma que me chamou atenção e que me fez desistir de tratar do tema da reforma política, dada a gravidade da situação por que passa o nosso País em várias áreas e principalmente na questão da segurança pública. É um assunto que discutimos há anos, mas ele usou uma expressão: erros por omissão. O País é a soma dos erros por omissão. Se formos parar para pensar no número de omissões, que já convivemos com elas nesta Casa e contra as quais não nos rebelamos, contra as quais não tivemos nenhuma atitude de coesão, de força política para tentar removê-las ou, pelo menos, encaminhar uma solução adequada para o povo do Brasil...
Como é fácil, Sr. Presidente, ouvir falar nesta Casa em vários discursos sobre o sofrimento do povo brasileiro. Diz a Constituição, que eu ajudei a escrever, no art. 144, o seguinte:
Art. 144 A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
E ainda, no §1º, diz o seguinte: "A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira [...]". E, a seguir, mostra a definição das carreiras, os serviços que terão as suas finalidades e a repercussão de cada uma dessas atitudes dentro de cada uma dessas funções que eu aqui citei.
Por que me ocorre pensar e refletir desta tribuna os erros por omissão? Se nós fôssemos falar aqui hoje dos erros por omissão em que este Parlamento incorreu, nós ficaríamos aqui a noite inteira e não conseguiríamos chegar ao final das nossas competências e nossos erros por omissão.
A segurança pública, tema que já tivemos em discussão no governo do ex-Presidente Fernando Henrique, em outros governos sucessivamente, é que, quando chega à situação de extrema urgência e calamidade, como vive o Rio, como vive o meu Estado e viveu na questão da greve recente da polícia, nós vimos que o Estado, que a segurança, que os seus deveres em relação à segurança são nulos, falhos. Apenas quando se pede, pelo amor de Deus, que socorram um Estado é que se promove, então, o provimento com a Força Nacional, com o Exército a socorrer a população.
Chamou minha atenção a população que aplaudia ao ver o Exército nas ruas. Como o povo brasileiro é generoso – aplaudir aquilo que já deveria estar funcionando há tempos. Não vou aqui desfazer da atitude do mandatário deste País, que socorreu enviando as tropas para o Rio de Janeiro. Mas vou dizer que é um absurdo, e cada dia mais. E ontem o Senador Cristovam mostrava a lista das crianças, apenas crianças, ele citava as vítimas das balas perdidas. Citava os morros, as cidades sendo tomadas pelas drogas, citava a violência incólume que aí está.
E volto a dizer que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública. Ora, senhores e senhoras, se aquilo que acontece no Rio, no Espírito Santo, em Alagoas, no Rio Grande do Norte não é a quebra da ordem pública, eu não sei que nome tem. Se a incolumidade das pessoas não está sendo atingida todos os dias, com este País armado, de ponta-cabeça, com os melhores armamentos, aqueles inclusive reservados e restritos ao Exército, armas que vêm de outros países e entram nesse nosso Brasil, que não tem sequer suas fronteiras vigiadas adequadamente – relatórios inclusive oferecidos pelas próprias Forças Armadas.
Dizer que a incolumidade das pessoas e falar em patrimônio, nem ouso chegar no patrimônio, eu fico por aqui, porque vida é mais importante do que patrimônio. E, no entanto, continuamos a dizer que o Exército brasileiro não foi treinado para ter alguma ação, provido de nenhum sistema de adequação, de preparo, para tomar conta da ordem pública.
Se não é o Rio de Janeiro uma desordem absoluta, uma violência, que só sabemos olhar e dizer: precisamos de ajuda. O Governo brasileiro, o Estado, tem que cuidar do seu cidadão, tem que cuidar da ordem pública, tem que cuidar da vida das pessoas. Não pode dizer que a Polícia Federal, que a Polícia Rodoviária Federal, que a Polícia Civil, que os policiais militares, cada um se reserva ao papel constitucional que aqui está, mas que o precípuo, que a primeira determinação, no Capítulo 3, da Segurança Pública, diz que "a segurança é dever do Estado".
Dever do Estado é também cuidar da saúde; dever do Estado é prover a moradia, é cuidar da educação. Mas olha que hoje temos que olhar para esse Brasil e dizer: tantas violências que estamos assistindo, tantas vidas perdidas. Citou aqui o Senador que me antecedeu, Eduardo Lopes, falando do Artur – Artur e quantos outros?
Um tiro na barriga de uma mãe que levava em seu ventre uma outra vida. Preparava-se para trazer ao mundo uma outra pessoa, dentro do sonho da sua vida privada, junto com seu marido, junto com toda a sua família, a sua mãe, seus irmãos.
E o que aconteceu? Amanhã ninguém mais falará do Artur, ninguém vai se lembrar do Artur, do João, da Maria, da Patrícia, da Regina. Ninguém vai se lembrar, porque tem sido assim o Brasil.
Amanhecemos com o noticiário mostrando os hospitais fechados, as mulheres parindo os seus filhos nas ruas; mostrando que a universidade já não pode abrir as portas, porque não têm sequer equipamento, material para fazer funcionar o curso dentro dos estabelecimentos que deveriam ser fonte de orgulho – de orgulho – para o Brasil, porque é onde as inteligências, onde o aprendizado, onde se formam aqueles que serão considerados o futuro desta Nação.
Que futuro tem uma nação que não cuida dos seus filhos? Que futuro tem uma nação quando uma trabalhadora, uma mãe de família recebe uma bala em seu ventre que quase lhe ceifa a vida e a do seu filho, acabou por falecer, vítima dessa violência hedionda que toma conta do Brasil?
Como podemos compreender isso? Como é que nós podemos aqui no Congresso Nacional terminar a sessão hoje para amanhã, para na semana seguinte nós começarmos a pensar o que vamos fazer para melhorar a economia? Para depois discutirmos a segurança pública...
E depois alguém vem me lembrar que nesse artigo da Constituição está descrito que aqui o Exército brasileiro, a Polícia Civil estão no âmbito das suas delegações e não poderão ir em socorro da população brasileira. Mudemos a Constituição! Eu ajudei a escrevê-la, fui Constituinte honradamente. Mas, se ela não está condizente com o País de agora, temos que mudar a Constituição. Esse talvez seja um dos erros por omissão que esta Casa comete – esta e a outra Casa, este Congresso Nacional.
Nós não podemos ficar isentos nessa discussão sem acharmos que é nosso papel de legisladores mexer no Texto Constitucional. Nós não estamos a toda hora fazendo uma PEC? Por que não podemos aqui interpretar a Constituição e escrever em seu texto as responsabilidades que nos cabem.
Então, eu fico pensando sobre as mulheres, sobre a violência toda que acode às mulheres; eu fico pensando nas mulheres violadas dia e noite. Nós escrevemos tantas leis e, no final das contas, não conseguimos fazer com que essas leis sejam cumpridas, porque faltam aqueles que deveriam estar monitorando, garantindo a segurança pública.
Eu me lembro de uma vez em que uma senhora pediu proteção à segurança pública do meu Estado. E ele, o Secretário, disse que já tinha muitas pessoas ocupadas com segurança. Ela voltou e pediu novamente.
Depois, foi acompanhada de outras mulheres. Depois, de outras, outras e outras mulheres. Depois, foi denunciado o fato pela Assembleia Legislativa. Em dois meses ela estava morta. Morta. Porque é isso que o País hoje vê com olhos indiferentes, vê com a alma tangida já por outros interesses que não estão na pauta da segurança pública.
Eu digo ao senhor, Presidente Pimentel, que a responsabilidade, toda ela, é do Congresso Nacional. Este Congresso pode tanto. Este Congresso pode, por demais, sentar e ver onde a lei, com seus braços, não alcança a proteção que o Estado deveria dar, como seu dever, como direito, como sua responsabilidade, ao povo brasileiro.
Hoje, nós iríamos votar uma matéria que trata do estupro. Nós iríamos votar em segundo turno. Como a classe política não tem pressa, como não é uma matéria que tenha grandes divergências – não pode ter... Alguém pode achar que uma lei que pune adequadamente essa violência que marca para sempre a vida de uma mulher, de uma criança e até de bebês é um assunto que se pode deixar para depois? Nós deveríamos estar aqui, nesta crise que todo mundo canta em verso e prosa, reunidos dia e noite, o tempo necessário para construir as leis, para modificá-las, para votá-las, para que nós pudéssemos dizer que este País que está lá fora, que sofre com o problema da saúde, da educação e, sobretudo, da violência...
Eu me lembro da frase de um senhor numa dessas entrevistas que a gente assiste... E, quando a gente abre o olho, é um novo crime, é uma nova violência posta diante de nossos olhos. Ele dizia assim: "Nós só temos agora Deus. Não temos mais os políticos. Não temos mais a força da população". A população vai reagir a quê? A que mesmo ela vai reagir? Ela vai parar nas casernas, nas portas dos quartéis e pedir: "Senhores, venham para a rua! Honrem nossos impostos! Venham lutar do nosso lado! Protejam-nos!"
A Constituição coloca tudo em ordem. Ela garante que a segurança pública é dever do Estado. Eu espero que o Estado entenda que o povo brasileiro pode ser como parece ser, como parece, em determinados momentos, capaz de dar um sorriso a cada declaração de sofrimento que assume diante de uma TV, quando diz assim: "É, o metrô não vem. Fazer o quê, né?", "Olha, a escola fechou. Fazer o quê, né?", "Olha, o hospital não abrigou, e minha mãe morreu aqui. Mas é assim todos os dias." Isso vai ter um fim. Vai chegar uma hora em que as pessoas vão dizer "basta!", porque essa folha que vocês veem voando por aí, como muitos acham que ainda está ao léu, ao sabor do tempo, essa folha encostou na parede, Sr. Presidente, e não tem mais como dizermos a ninguém que não é responsabilidade desta Casa lutar pela segurança pública do povo brasileiro. Não tem mais. E todos os discursos sobre quem vem depois – se é Lula, se é Dória, se é Alckmin, se é Bolsonaro –, essa discussão é tão pequena diante do sofrimento que passa este País todos os dias.
Quando eu vi a lista na mão do Senador Cristovam Buarque, quando ele mostrava e dizia: "Veja quantas crianças, Rose, faleceram vítimas de bala perdida!" Crianças!
Uma delas poderia vir a ser – se o destino permitisse que ela continuasse, se essa violência maldita não tivesse ceifado a sua vida – um de nós aqui dentro do Congresso Nacional, um dos senhores que estão sentados aí, um Presidente da República, uma Presidente da República, uma governadora, mas não. Alguém em defesa do tráfico das suas drogas, atirando pelas ruas, como é proibida a pirataria e os CDs estão pendurados em cada esquina; como é proibido o jogo do bicho e tem uma mesinha em cada lugar. Este é um País em que as autoridades, nas quais me incluo, têm olhos, mas não são olhos de ver. Não são olhos de ver porque, se fôssemos realmente capazes de enxergar e discutir, este Congresso estava reunido permanentemente não só para discutir a segurança pública, mas a crise das universidades, a crise da saúde. Quero até ressaltar o trabalho que está sendo feito pelo Ministro Ricardo, lutando incessantemente para tentar corrigir as gestões que estão tentando, por exemplo, resolver a questão da febre amarela; e o trabalho exemplar que fez o meu Estado, como é seu compromisso, mais dedicadamente.
Haveremos de encontrar em alguns lugares homens e mulheres dispostos a isso, mas essa Constituição ainda vige. A vigência dela aqui está, está escrito, está publicado e está dito aqui e não pode ser esquecido porque é erro de omissão – como disse o Senador Renan, se referindo particularmente a seu problema pessoal – desconhecer o artigo da Constituição que fala do dever do Estado, que fala sobretudo do direito e responsabilidade que tem. E, se nós aqui nesta Casa continuamos com a votação que acontece ali, que não é de menos importância, pelo contrário... Se nós estamos achando que uns podem ser punidos e outros não, todos devem ser punidos, todos aqueles que abusaram do seu direito e avançaram no direito dos outros e que impediram que outros recursos, milhões de recursos chegassem aonde deviam, sobretudo na questão da segurança pública.
Estou aqui apenas colocando que nós precisamos organizar e precisamos manter as nossas posições, e ter o olhar naquela direção que a gente olha no noticiário e esquece em seguida, quando chegamos aqui ao Congresso Nacional e não fazemos o esforço que eu tenho certeza que esta Casa pode fazer para ajudar a enfrentar o problema da insegurança pública, da desordem pública, da violência pública.
(Soa a campainha.)
A SRª ROSE DE FREITAS (PMDB - ES) – Agradeço a V. Exª a tolerância, mas peço que o senhor compreenda também que temos que ter intolerância com os nossos erros por omissão.