Pronunciamento de Roberto Requião em 07/08/2017
Discurso durante a 110ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Críticas ao Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e à política de austeridade adotada na economia do País.
- Autor
- Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
- Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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ECONOMIA:
- Críticas ao Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e à política de austeridade adotada na economia do País.
- Publicação
- Publicação no DSF de 08/08/2017 - Página 23
- Assunto
- Outros > ECONOMIA
- Indexação
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- CRITICA, POLITICA, ECONOMIA, GOVERNO, MICHEL TEMER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, HENRIQUE MEIRELLES, MINISTRO DE ESTADO, MOTIVO, REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL, TRABALHO, POLITICA FISCAL, JUROS.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Presidente, nesta segunda-feira, com o plenário vazio, eu me dirijo a V. Exª e aos telespectadores da TV Senado e da Rádio Senado, fundamentalmente, para falar sobre o nosso Meirelles, o nosso Ministro da Fazenda.
O que é bom déficit para o Meirelles e o que é mau déficit para o Meirelles? Eu vejo o nosso Ministro da Fazenda, nessas questões, como um nefelibata, um observador de nuvens. O atual Governo, Presidente, diz apoiar-se firmemente no princípio da austeridade fiscal. Em sua retórica, o equilíbrio fiscal é uma regra sagrada, essencial, para que fique assegurada a confiança do mercado na recuperação da economia e na retomada do crescimento.
Em nome da austeridade, o País está comprometido a fazer a maior violência fiscal de toda a nossa história a saber: o congelamento dos gastos públicos, em termos reais, para os próximos 20 anos, na forma consolidada, cristalizada, estabelecida na famosa Emenda Constitucional nº 95. Austeridade, Presidente Reguffe, no dicionário de Meirelles, confunde-se com equilíbrio orçamentário. Contudo, não obstante o compromisso com a chamada austeridade, o Governo anunciou recentemente um déficit orçamentário da ordem de 139 bilhões só este ano, com promessa de novo déficit, este de 129 bilhões, para o ano que vem.
O que está havendo com a chamada austeridade fiscal? Como explicar que o Governo tenha rompido o pacto de confiança que fez com o mercado, com os jornalões e com a TV Globo, com o risco de que todos percam credibilidade no tal mercado? A resposta é simples: o Governo faz dois tipos de déficit, o déficit que considera bom e o déficit que considera mau. O déficit mau é quando aplica recursos oriundos do déficit em políticas de desenvolvimento da infraestrutura e da melhoria dos serviços públicos. Por exemplo, Senador Reguffe, quando aplica em medicamentos para socorrer a população, quando aplica em saúde, segurança pública e educação. O déficit bom, no entendimento do Governo, é quando o dinheiro proveniente do endividamento público é destinado a pagar juros e rolar o principal da dívida pública. Em outras palavras, é o déficit resultante exclusivamente da agiotagem financeira para a alegria dos especuladores, amigos de Henrique Meirelles e de Ilan Goldfajn, o Presidente do Banco Central, que veio do banco Itaú.
É claro que o déficit considerado bom pelo Governo é péssimo para a sociedade. A dívida pública cresce sem nenhum efeito sobre o crescimento da demanda e o nosso desenvolvimento. Para o povo, é dinheiro literalmente jogado fora. Serve apenas para ampliar o patrimônio dos ricos, aplicado em títulos da dívida pública, e concentrar renda na mão dos milionários, titulares da dívida pública. Isso não é novidade na política econômica brasileira. Novidade é o cinismo com que Henrique Meirelles defende essa política com unhas e dentes em nome da promoção da chamada confiança do mercado na retomada do crescimento.
O déficit bom para a sociedade e certamente ruim para Meireles é o déficit que corresponde a gastos públicos efetivos, gerando demanda na economia, gerando investimento, gerando emprego e gerando mais demanda e mais emprego, num círculo virtuoso. É o que se chama de política keynesiana, que foi usada pela primeira vez nos Estados Unidos e na Alemanha, revertendo a Grande Depressão dos anos 30 do século passado nesses dois países.
Esse déficit é repelido por Meirelles justamente porque ele não está preocupado com o emprego e o desenvolvimento, mas com mecanismos de facilitar o enriquecimento de especuladores. Acaso Meireles não sabe disso? É provável que saiba, porque é do tipo que escolhe os ganhadores do jogo financeiro. Além disso, ele não passa de um contador de banco familiarizado exclusivamente com especulação. Dele não se conhece nenhum trabalho sério na área da economia. Esse é o caso também, Senador Reguffe, do Presidente Michel Temer, que, em sua longa vida parlamentar, jamais tratou de questões econômicas de fundo. Em consequência, o barco de nossa economia vai sendo tocado de ouvido, ao som da pura ideologia.
Agora suponhamos, apenas para efeito de discussão: se ao menos parte dos 130 bilhões previstos para serem queimados na fogueira da especulação como déficit financeiro fossem direcionados para a economia real, o efeito sobre a dívida pública seria idêntico, mas a economia, sobretudo o emprego, sofreria um impacto direto, altamente positivo para atender à nova demanda do setor público. O investimento, privado e público, começaria a se recuperar e o desemprego rapidamente cairia.
Nada disso seria novidade, insista-se. Novidade, convém enfatizar, é a hipocrisia, a canalhice e os subterfúgios com que o Ministro da Fazenda defende sua política como um caminho de restauração da confiança do mercado na política econômica, que estaria esperando só isso, apenas isso, para deslanchar. Novidade é a infinita cara de pau do Governo em relacionar confiança, Senador Reguffe, um fator subjetivo, com retomada física da economia. De tudo disso resulta que, sem nenhuma possibilidade de melhora, milhões de desempregados e subempregados, milhões de subnutridos, milhões de família infelizes sentem os efeitos do déficit financeiro "bom" – bom para o Governo –, com que Meirelles manipula a sociedade brasileira.
O mestre mundial do déficit financeiro são os Estados Unidos. Eles tiveram elevados déficits fiscal-monetários, mas ao menos reservaram parte deles para a economia real. De fato, depois da crise de 2008, nos sete primeiros anos, o déficit acumulado em nome de uma política fiscal de estilo keynesiano foi de US$7 trilhões, com vista sobretudo a atacar o desemprego. Funcionou: o desemprego baixou para menos de 5%, patamar em que se encontra agora. É verdade que, do lado financeiro, o Banco Central americano tenha injetado US$16 trilhões no mercado, no mesmo período, para dar suporte aos especuladores em crise. Isso não tira, no entanto, o mérito da política fiscal desenhada para atacar o desemprego e o subemprego. Entretanto, tendo feito uma política fiscal ao menos parcialmente correta, o governo norte-americano, através do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e das agências de risco, pressionou duramente para que países em desenvolvimento, como o nosso Brasil, embarcassem na balela da austeridade.
A marcha da hipocrisia financeira de Meirelles não para na falácia da política fiscal. Juntando déficit fiscal com a política de gastos da seguridade social, os falsários da Fazenda, a mando de Meirelles, anunciam um déficit previdenciário de R$402 bilhões para este ano. Trata-se, Senador Reguffe, de uma manipulação – grosseira manipulação dos orçamentos – com vista a justificar a reforma previdenciária, a entrega da previdência para a banca privada.
Na realidade, a previdência, no Brasil, não tem déficit. O que existe são gastos constitucionais do sistema de seguridade social totalmente descolados do sistema previdenciário, a cargo, esses gastos, do Tesouro. A previdência é sustentada com colaboração do empregado e do empregador, mais PIS, Cofins, participação no lucro líquido das empresas, e até das loterias. Ela é altamente superavitária. O déficit apresentado resulta da soma do déficit financeiro exorbitante com os gastos da seguridade que a Constituição impõe que não sejam pagos pelo emprego e pelo empregador, mas cobertos pelo Tesouro, com a receita dos impostos. Nada tem a ver com a Previdência Social. O resto é hipocrisia, má-fé, manipulação de contas nacionais.
E isso deverá ser enfrentado no momento oportuno com um referendo revogatório das medidas adotadas pelo Governo Temer, de forma a restaurarmos as condições para a retomada do desenvolvimento do País sob a bandeira de um projeto nacional, não de um projeto do entreguismo, do domínio absoluto da banca e dos rentistas nacionais e internacionais.
Entretanto, por mais que sejamos tentados a associar a política econômica em curso às pessoas de Meirelles e Temer, devemos buscar suas raízes reais em maior nível de profundidade. Meirelles não é, a meu ver, Senador Reguffe, um sujeito mau. Não é um homem vaidoso. Não tem orgulho. Não é dado a mentiras triviais. Apenas encontrou, no círculo de Temer, o mais bem articulado grupo político que conseguiu, como num ato de mágica, ganhar o Palácio do Planalto e impor uma política econômica neoliberal que jamais seria aceita pela sociedade brasileira na hipótese de uma eleição normal.
A sombra que está por trás de Meirelles é a Ponte para o Futuro: o arremedo de programa do Governo Temer a que se deu o nome de Ponte para o Futuro e que efetivamente se constituiu na ponte para o passado em termos de política fiscal, política trabalhista, política previdenciária, entre outras.
Jamais na história do País um conjunto tão retrógrado e tão diversificado de medidas governamentais está sendo feito com tamanha velocidade e tamanha ausência de debate no Congresso e na sociedade brasileira.
Meirelles tem feito seu papel, como xerife da economia e seu explicador, mas o fato é que revela, em todos os campos, um notável desconhecimento das matérias tratadas, atuando apenas na área ideológica do liberalismo econômico, que já faliu na Europa, que quebrou a Grécia, que desgraçou Itália, Espanha e Portugal. Falido e moribundo, pede para irresponsáveis no Brasil asilo. E esse asilo, num golpe parlamentar, é concedido, sem a participação e contra os interesses do nosso povo e da nossa gente.
Sem condições de fazer escolhas pessoais de economia política, já que isso está fora de suas habilidades, Meirelles faz o que sempre soube fazer: atua como um fiel executivo de banco internacional – no caso dele, o Banco de Boston –, colocando o Brasil a serviço da financeirização globalizante, falida na Europa. O mecanismo mais eficaz para isso é a manipulação da taxa básica de juros, a Selic, que segue sendo a mais alta do mundo, a despeito da queda da inflação.
O juro é a remuneração do dinheiro mais a taxa de risco e a inflação. A inflação no Brasil tem caído abruptamente porque pararam o País, pararam os investimentos, mas o juro não cai no mesmo ritmo da inflação e continua sendo o mais alto do planeta Terra, oferecendo a bancos, como o Bradesco e o Itaú, lucros simplesmente fantásticos.
A combinação da alta taxa de juros com o déficit público financeiro leva a uma situação explosiva da dívida pública, sem qualquer benefício para o setor público e a sociedade brasileira. Faltam medicamentos nas bases do SUS.
Aparentemente, Meirelles, na sua ingenuidade, não consegue perceber isso. Comprometido a conduzir a economia brasileira até o fim do próximo ano e talvez além do próximo ano, ele é capaz de destruir o Brasil, por falta de formação econômica, por falta de informação, sem – imagino eu – mesmo se dar conta do que está fazendo.
Obrigado, Presidente, pelo tempo.