Discurso durante a 111ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária à aprovação de projeto de lei que trata de cessão de direitos creditórios a pessoas jurídicas de direito privado.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Manifestação contrária à aprovação de projeto de lei que trata de cessão de direitos creditórios a pessoas jurídicas de direito privado.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2017 - Página 41
Assunto
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • DESAPROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, CESSÃO DE DIREITOS, NATUREZA CREDITICIA, DESTINAÇÃO, PESSOA JURIDICA, DIREITO PRIVADO, MOTIVO, FAVORECIMENTO, GRUPO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, SISTEMA BANCARIO NACIONAL.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Presidente Paulo Paim, a minha intenção hoje é falar sobre um assunto que já devia ter sido encerrado no Senado da República: a farsa da manipulação de dívida por empresas estatais – entre aspas – "independentes".

    Nós já derrotamos essa tese aqui no Plenário, mas por um artifício mais ou menos regimental, a questão voltou para a Comissão de Economia e volta à discussão nesta Casa o PLS nº 204/2016, cujo conteúdo já havia sido discutido pelo Plenário em dezembro do ano passado e remetido à Comissão de Assuntos Econômicos para nova discussão. Na CAE, assumiu um novo Relator, o Senador Romero Jucá. Como sempre lesto e profícuo, desde o dia 10 de julho, o Senador tem o relatório pronto, prontinho.

    O que se vê é um claro esforço para que se evite o aprofundamento da discussão. O que se quer é a aprovação imediata do tal PLS. Afinal, são tantas as armadilhas conceituais e de semântica que caracterizam o projeto que o Governo foge do debate para que intenções pouco republicanas não sejam desnudadas.

    Logo de início, o PLS omite o objetivo de se criar uma empresa estatal, mascarando a entidade como "pessoa jurídica de direito privado" e, no relatório do Senador Jucá, como "instituição privada".

    Essa manobra procura esconder o que está sendo gestado, que é uma empresa estatal, e principalmente uma empresa estatal financeira, o que confronta a Constituição Federal que só admite criação de empresa estatal – abro aspas – "que atenda aos requisitos de relevante interesse público ou de segurança nacional" – fecho aspas –, conforme expressa, com toda clareza, o art. 173 da nossa Constituição Federal.

    Nos Estados e Municípios onde esse esquema já foi armado, a empresa criada foi denominada "empresa estatal não dependente", com o claro objetivo de fugir dos limites e dos controles da Lei de Responsabilidade Fiscal.

    A essência de empresas de desse tipo consiste em:

    1. Emitir derivativos financeiros com garantia estatal (debêntures), comprometendo-se a pagar juros abusivos, que, pela experiência prévia, chegam a mais de 23% ao ano;

    2. Receber toda a receita decorrente de multas e juros sobre créditos arrecadados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios;

    3. Receber imóveis públicos em doação, para em seguida serem leiloados, sob a alegação de que tais recursos seriam aplicados em atividades do interesse do Município;

    4. Temos aqui o exemplo de Belo Horizonte, onde um leilão foi suspenso por ordem judicial devido à ação popular que questionou os valores e as condições oferecidas;

    5. Participar de Parceria Público Privada, mediante a mercantilização de ativos do setor público.

    Esclareça-se que o PLS do Senador Romero Jucá, com base em iniciativa do Senador José Serra, só trata dos itens 1 e 2 acima, ou seja: a emissão de derivativos e o recebimento de multas e juros sobre créditos.

     Os outros itens estão sendo aplicados onde já existem tais empresas, como no Estado de São Paulo, a Companhia Paulista de Securitização, e em Belo Horizonte, a PBH Ativos S.A.

    Mas nada evitará que todos os itens venham a ser adotados tão logo o projeto seja eventualmente aprovado. Afinal, este é o modelo a ser aplicado universalmente.

    Entretanto, vamos esmiuçar como o sistema funciona, sob quaisquer denominações – e eles têm variado artificiosamente as denominações. A armação inicia-se com a transferência do chamado direito ao recebimento do crédito da União, do Estado ou Município para a empresa que o PLS pretende criar. Este direito, em tese, corresponde à concessão de garantia pública e, adicionalmente, dos valores de multas e juros pagos em atraso pelos contribuintes.

    Em seguida, a empresa emite derivativos financeiros, em especial debêntures, sob a garantia do setor público. Tais debêntures rendem juros estratosféricos e são lançados mediante – abro aspas – "esforços restritos de colocação" – fecho aspas. Isso significa que não há oferta pública desses papéis. Com isso, foge-se do controle da CVM, que trata apenas, ela, a CVM, de oferta pública. Enfim, é uma forma descarada de favorecimento a alguns apaniguados do sistema financeiro e bancário que serão, em última instância, os beneficiários desse processo. Além de favorecer alguns amigos do rei, o esquema proposto nesse projeto caracteriza-se como uma operação de crédito disfarçada, ilegal e extremamente onerosa para o Estado.

    Em Belo Horizonte, onde esse escabroso esquema foi implantado, o Município teria recebido R$200 milhões. No entanto, registrou uma obrigação no valor de R$880 milhões. Note-se que, em último caso, pretende-se fazer uma operação escandalosamente direcionada pelo setor público em conluio com alguns privilegiados. Voltando a Belo Horizonte, o banco BTG Pactual, que se diz vinculado ao Ministro Henrique Meirelles, foi, ao mesmo tempo, coordenador líder da emissão dos derivativos, debêntures, e o comprador único desses 100% dos papéis.

    Por fim, o atestado definitivo da ilegalidade vai aqui: essa operação de crédito não esconde o óbvio, tem cheiro de ARO (Antecipação de Receita Orçamentária), tem formato de ARO, anda e age como ARO, mas arranjam para ela outros nomes. Indisfarçadamente, é uma Antecipação de Receita Orçamentária, uma ARO, o que reforça a sua marginalidade.

    Este, Srªs e Srs. Senadores que não estão presentes no Senado neste momento, porque falo aqui, isoladamente, com a Presidência da Senadora Gleisi Hoffmann e a assistência da Senadora Fátima... Por onde andam os Senadores da República nesta tarde de terça-feira?

    Enfim, é um negócio, é um negócio e que negócio, minha gente? Trata-se pura e simplesmente de uma operação de agiotagem a que não corresponde absolutamente nenhum trabalho real. É um negócio, mais um desses negócios que surgem no Congresso Nacional desde que o novo Governo assumiu com ampla e inquestionável maioria, suportada numa desbragada distribuição de favores, de emendas e de nomeações em empresas públicas.

    Pobre Brasil! Mas como vocês veem, neste momento eu faço a resistência pelos interesses do povo contra o avanço terrível do capital financeiro e do desejo absoluto de ganhar dinheiro sem nenhum trabalho, acumulando em cima da predação do erário. O erário, como vocês sabem, é a Fazenda pública.

    Obrigado, Presidente, pela tolerância do tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2017 - Página 41