Discurso durante a 113ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso do Dia do Advogado, comemorado em 11 do corrente.

Autor
Simone Tebet (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Simone Nassar Tebet
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Registro do transcurso do Dia do Advogado, comemorado em 11 do corrente.
Publicação
Publicação no DSF de 11/08/2017 - Página 12
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • ANUNCIO, COMEMORAÇÃO, DIA, ADVOGADO, COMENTARIO, HISTORIA, IMPORTANCIA, CATEGORIA PROFISSIONAL, ELOGIO, ALTERAÇÃO, ESTATUTO, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), REFERENCIA, PRERROGATIVA DE FUNÇÃO.

    A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Muito obrigada, Sr. Presidente.

    Srªs Senadoras, Srs. Senadores, amanhã se comemora, no Brasil, o Dia do Advogado. Essa data foi escolhida, há mais de 190 anos, não só como motivo de comemoração pelo dia, pelo profissional que somos, mas principalmente porque, há 190 anos, instalaram-se, no Brasil, pela primeira vez, os dois cursos de Direito: o curso do Largo São Francisco, em São Paulo, até hoje referência nacional, conhecida por todos nós como USP, e a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco.

    Portanto, amanhã, numa homenagem aos mestres – também discípulos –, é importante trazer aqui uma reflexão. Mais do que comemoração, em tempos difíceis como o nosso, em que a Justiça se vê no centro das atenções no Brasil, quero chamar a atenção para o papel do advogado.

    Nada mais justo, neste momento em que comemoramos, repito, a instalação, pela primeira vez, dos dois cursos de Direito no Brasil – isso há 190 anos –, do que trazer um episódio emblemático envolvendo um mestre de todos nós, Rui Barbosa, e seu discípulo Evaristo de Morais, um caso que tem tudo a ver com o momento atual, um caso que tem a ver com a preocupação de todos nós com essa relativização dos direitos e, principalmente, dos princípios constitucionais mais republicanos e democráticos.

    Pela primeira vez, talvez, na história da República, estamos vendo princípios absolutos, sagrados, sacramentados na Constituição Federal, terem interpretações e jurisprudências diversas daquelas já consolidadas ao longo do tempo. Falo especificamente, Sr. Presidente, dos princípios gerais de Direito Constitucional, como o devido processo legal, o direito ao contraditório, à ampla defesa, à presunção absoluta de inocência até que se prove o contrário, a que tenhamos decisões judiciais fundamentadas, acima de tudo, em provas e menos em fatos. E aí trago, nesse contexto, esse episódio emblemático. Vou rapidamente resumi-lo, lendo.

    No dia 11 de outubro de 1911, em plena Capital da República – então o Rio de Janeiro –, o Capitão de Fragata Luís Lopes da Cruz foi assassinado. Pouco mais de um ano antes, o Brasil havia se dividido entre dois candidatos à Presidência da República: Hermes da Fonseca e Rui Barbosa. O primeiro, militar de espada e coturno, sobrinho do proclamador de uma República marcada, desde o início, por graves crises políticas que provocaram, inclusive, o fechamento do Congresso Nacional. O segundo, Rui Barbosa, intelectual e político armado de princípios e palavras, tomou, ele sim, as rédeas dos ideais republicanos, na luta pela consolidação de uma ordem civil no País, com ampla participação de toda a sociedade. Aquela eleição estabeleceu, então, um muro político a dividir, de um lado, o que se convencionou chamar "hermismo"; e, de outro, "civilismo".

    O hermismo tinha como um dos seus principais defensores o médico Dr. José Mendes Tavares. Ele era também um dos principais assessores de Hermes. Do lado civilista, Rui Barbosa contava com o apoio incondicional e os préstimos do advogado Evaristo de Morais.

    Ocorre que o hermista, médico, Dr. José Mendes Tavares, foi exatamente acusado, um ano depois, de ter sido o mandante do assassinato do Capitão Lopes da Cruz. Por se tratar de homem público conhecido, tornou-se, de imediato, alvo da mídia. O escândalo, como se chamou então, ocupou as primeiras páginas dos jornais, esgotados tão logo editados. Transformou-se em personagem de uma novela contada em capítulos, que excitavam a imaginação popular e que envolviam dramas pessoais, desafios para duelos de morte e coisas do gênero – um verdadeiro folhetim. Por exemplo, ao lado da falsa notícia de que Mendes Tavares teria morrido na prisão, editoriais davam conta de que a sua morte era "plenamente justificada".

    O sensacionalismo fez com que, aos olhos e ouvidos do povo, a Justiça se vestisse de vingança. E todos os caminhos se direcionaram para a condenação.

    O médico foi, então, abandonado à própria sorte. Amigos, correligionários, a sociedade, todos os segmentos o abandonaram. Pior: a Justiça o abandonou, porque nenhum advogado, à época, aceitou assumir a sua causa.

    Mendes Tavares apelou, então, ao seu antigo colega de escola, adversário político, Dr. Evaristo de Morais. Evaristo também relutou. Afinal, as feridas da campanha política ainda não haviam cicatrizado. Ele sabia que a aceitação da causa significaria marchar contra tudo e todos – leia-se: a sociedade –, que já haviam se transformado em um imenso "corpo de jurados" que, numa decisão unânime, já tinha decidido condenar o réu.

    Decidiu então o discípulo ouvir seu mentor e mestre, Rui Barbosa. Mal sabia ele que a sua decisão daria ensejo a uma das mais belas lições no campo do Direito e da Justiça da história brasileira.

    A inicial da carta ao mestre resume a sua angústia. Abro aspas: "Devo, por ser o acusado nosso adversário, desistir da defesa? [...] Prosseguindo nela, sem a menor quebra dos laços que me prendam ao civilismo, cometo uma incorreção partidária?"

    A resposta de Rui Barbosa deveria ocupar a cabeceira de todos nós, advogados.

    Leio rapidamente alguns trechos, resumindo a sua obra, se é que poderíamos resumir uma obra de um grande mestre como Rui Barbosa – abre aspas:

"Quando se me impõe a solução de um caso jurídico ou moral, (...) volto­ me para dentro de mim mesmo, e dou livremente a minha opinião, agrade ou desagrade a minorias ou a maiorias.

Civilismo quer dizer ordem civil, ordem jurídica, a saber: governo da lei, contraposto ao governo do arbítrio, ao governo da força, ao governo da espada. A espada enche hoje a política do Brasil. Coroou-se em rainha e soberana. Soberana das leis. Rainha da anarquia. Pugnando, pois, contra elas, o civilismo pugna pelo restabelecimento da nossa Constituição".

    Em relação à defesa, diz Rui Barbosa:

    "Voz do Direito, no meio da paixão pública, tem a missão sagrada, nesses casos, de não consentir que a indignação degenere em ferocidade e a expiação jurídica em extermínio cruel."

    Mais adiante:

"Trata-se de um crime detestável que acordou a cólera popular. Mas, abrasada assim, a irritação pública entra em risco de se descomedir. Já não enxerga a verdade com a mesma lucidez. Contra o acusado, tudo o que se alegar ecoará em aplausos.

Desde então começa a justiça a correr perigo, (...) é, ao contrário, obrigação do advogado zelar pelo interesse da verdade.

Tratando-se de um acusado em matéria criminal, não há causa em absoluto indigna de defesa. Ainda quando o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova: e ainda quando a prova inicial seja decisiva, falta, não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas."

    Nada mais apropriado, Sr. Presidente, para os dias atuais. Ao invés da homenagem aqui, trago a esta Casa, neste momento, falando diretamente aos advogados e às advogadas do Brasil, uma reflexão em relação ao nosso papel e ao nosso dever como advogado.

    Cumprindo o seu dever de advogado, Evaristo de Morais aceitou a causa. Vou resumir a sequência, em rápidas palavras, dos fatos: os autos não continham aquelas monstruosidades que a mídia havia relatado; o Sumário da Culpa demonstrou com clareza que houve arranjo das provas e acomodação de testemunhos, inclusive se comprovou que quatro testemunhas haviam mentido; essas e outras contradições inviabilizaram o estabelecimento de qualquer elemento de prova capaz de formar a convicção da culpa do acusado.

    Resultado: o acusado, apesar de tudo e do clamor popular, foi absolvido nos três júris a que se submeteu.

    Sei que se mudaram os tempos, provavelmente até os costumes, mas o dever do advogado, não; continua sendo o de não prejulgar, o de não temer a ira insana das multidões, o de não descansar enquanto não for alcançada a verdade real.

    E, aqui, leia-se em relação a ela: defender o inocente e absolvê-lo e também colocar o culpado como responsável na área criminal, inclusive na cadeia.

    Com isso, resumindo e finalizando em termos definitivos por Rui Barbosa:

"Ainda que as provas iniciais indiquem a culpa, é preciso depurar essas provas, e, depuradas as provas, deve-se sempre observar o processo, as formas legais, à luz da Lei e da Constituição. Não devemos esquecer que, quando se trata de Justiça, a obediência à forma legal é tão importante quanto a evidência material dos fatos."

    Abre aspas, e fecho aspas para encerrar, ainda na lição imortal de Rui Barbosa:

    "A característica da lei está no amparar a fraqueza contra a força, a minoria contra a maioria, o direito contra o interesse, o princípio contra a ocasião. (...) A República [Sr. Presidente] é a lei em ação. Fora da lei, pois, a República está morta."

    Era o que eu tinha a dizer, numa homenagem à classe dos advogados e das advogadas, num reconhecimento ao nosso trabalho e à nossa missão, que está, inclusive, consagrada na Constituição Federal. Somos fundamentais e essenciais à Justiça.

    Ontem, nesta Casa, aprovamos uma alteração do Estatuto da Ordem, Senadora Vanessa, garantindo que os direitos e as prerrogativas dos advogados, se forem violados nos itens estabelecidos naquela lei, passam a constituir crime, e o agente público, seja ele quem for, vai ter que ser processado e julgado, desde que, claro, se comprove o dolo específico em relação a isso.

    Infelizmente, algumas categorias, não entendendo o projeto, fazem lobby nesta Casa tentando, talvez, destruir essa que poderá ser – não é de minha autoria; sou apenas Relatora – a lei mais importante para a advocacia brasileira desde a promulgação da República, e não é nem da Constituição Federal atual, porque desde a primeira Constituição republicana nós temos ali o papel fundamental do advogado estabelecido.

    Essa é uma lei que consagrará a democracia, se for aprovada, e nós faremos gestão e todos os esforços para que tenha caráter terminativo na CCJ, como teve, e para que não haja recurso para vir a este plenário, porque seria um retrocesso, inclusive uma perda no tempo, de algo que já deveria ter sido aprovado há muito mais tempo nesta Casa.

    Não é privilégio; é direito. É direito do advogado, que não está defendendo a si mesmo; ele está defendendo o cidadão, normalmente o cidadão mais humilde.

    Quando o advogado é barrado lá nos fóruns da Justiça, nas delegacias – e normalmente é o advogado do pequenininho, mal vestido, que não tem um sobrenome, não tem um cartão bonito ou não tem uma banca de advogados com prestígio –, quando ele fica sentado em compasso de espera, no aguardo de um processo porque o diretor do fórum ou daquela circunscrição tinha "outras coisas", entre aspas, a fazer, não é um desrespeito ao advogado ou à sua prerrogativa; é um desrespeito à Constituição Federal, que garante a dignidade de o cidadão brasileiro ter direito à sua defesa, ao seu processo, a uma Justiça célere.

    Quero agradecer a oportunidade que V. Exª me deu, pelo tempo inclusive, e com o maior prazer...

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Eu só quero aproveitar esta oportunidade, já que V. Exª inaugura a tribuna nesta quinta-feira, para mencionar que eu não faço parte da Comissão de Constituição e Justiça, mas tomei conhecimento desse projeto, relatado por V. Exª, que altera o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e que, evidentemente, vai trazer uma contribuição ampla, como faz parte de V. Exª aqui, pela sua atuação, competência, dinamismo, em defesa dos advogados, que representam um pilar importantíssimo na democracia e na Justiça brasileira.

    De fato, eu acho que posso afirmar também com convicção de que existe, infelizmente, uma discriminação ainda de advogados e advogados. É evidente que aqueles que são mais renomados, que têm mais experiência, são tratados de forma diferente.

    E o que o projeto de V. Exª estabelece, em linhas gerais – eu não li a matéria, não estudei, mas me in formei a respeito de forma muito superficial –, cria uma logística própria, de respeito ao cidadão não só ao advogado, mas ao cidadão independente da sua experiência, da sua idade...

(Soa a campainha.)

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – ...e do prestígio que ele já tenha conseguido efetivamente na sociedade. De maneira que, mais uma vez, V. Exª está de parabéns, é uma querida amiga, correligionária que orgulha muito este Senado Federal e, por isso, eu quero parabenizar mais uma vez V. Exª.

    A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) – Eu agradeço a V. Exª pelo aparte e me permita, inclusive, complementar ao encerrar as minhas breves palavras para dizer que este projeto, Senador Cássio Cunha Lima, levei um pouco mais de tempo do que gostaria para relatar justamente porque foi um projeto relatado por diversas mãos; tivemos inúmeras emendas apresentadas justamente para tirar qualquer vício de inconstitucionalidade ou qualquer tentativa de entrar na seara, na esfera, na atribuição e responsabilidade do Judiciário, do Ministério Público ou de outros poderes. Portanto, foi um projeto relatado com tempo maior do que gostaria justamente porque tivemos o apoio incondicional dos nossos consultores desta Casa, ouvimos a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação Nacional do Ministério Público, todos deram suas contribuições, todos foram decisivos para elaborarmos esse projeto que é um projeto que ficou pronto. Ele está pronto para ser enviado à Câmara dos Deputados e para que nós possamos fazer justiça àquela classe que tão bem defende o cidadão brasileiro, seja ele pequeno, seja ele grande, mas principalmente para que nós possamos fazer com que a balança da justiça esteja efetivamente equilibrada.

    De um lado, repito o que disse na CCJ, a mão acusadora do Estado através do Ministério Público que tem todas as suas prerrogativas constitucionais garantidas: da inamovibilidade, da irredutibilidade de salários, da vitaliciedade. E isso faz com que ele seja respeitado onde quer que for e possa ter independência, autonomia para processar mesmo quem quer que seja, de um presidente da República, no caso uma procuradoria, até um prefeito municipal ou um cidadão mais humilde, mas, do outro lado da balança, está o advogado a defender esse cidadão porque, volto a repetir e com isso encerro as minhas palavras: nada é mais sagrado e belo numa democracia do que um princípio constitucional – e a nossa Constituição também o tem – da presunção de inocência até que se prove o contrário.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/08/2017 - Página 12