Discurso durante a 112ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da omissão do Estado com os povos indígenas.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Considerações acerca da omissão do Estado com os povos indígenas.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/2017 - Página 53
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • COMENTARIO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS (CDH), PRESENÇA, REPRESENTANTE, PROCURADORIA GERAL DA REPUBLICA, ASSUNTO, OMISSÃO, ESTADO, REFERENCIA, COMUNIDADE INDIGENA, PRECARIEDADE, ORÇAMENTO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), NECESSIDADE, DEMARCAÇÃO, TERRAS, COMBATE, INVASÃO, GARIMPEIRO, EXPLORAÇÃO, MADEIRA, REGISTRO, HOMICIDIO, PESSOAS, QUILOMBO (SC).

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, hoje, eu vou falar sobre a questão indígena no nosso País, porque hoje é o Dia Internacional dos Povos Indígenas.

    Ontem, realizamos, na Comissão de Direitos Humanos, uma audiência pública sobre a situação dos direitos dos povos indígenas no Brasil. Convidamos o Subprocurador da República Dr. Luciano Mariz, a Presidente da Associação Brasileira de Antropologia, pessoas estudiosas na questão, e também representantes dos indígenas, que vivem na pele o que eles estão passando. Os quatro convidados traçaram um quadro mais do que preocupante sobre como o Governo está tratando os direitos indígenas.

    O Dr. Luciano Mariz Maia, Subprocurador-Geral da República e Coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, iniciou sua intervenção lembrando que – abre aspas:

[...] esses a quem chamamos de índios a si próprios se chamam por mais de 300 nomes distintos. É uma pluralidade de etnias, cada qual com uma construção cultural, antropológica distinta, como o modo de ocupação territorial, o modo de organização social ou de estabelecimento de suas relações humanas com o próprio grupo e com outros grupos diferentes.

    Ele disse isso para chamar a atenção para a questão de que não conhecemos o modo de ser e de viver dos indígenas e, por isso, propomos soluções que, às vezes, vão na contramão de tudo que é conhecido sobre os indígenas.

    Seguiu o Procurador lembrando que essas diferenças ocorrem também na relação com a terra e na luta pela demarcação e proteção dos territórios indígenas. As terras indígenas no Brasil, quando demarcadas, passam a ser patrimônio da União para uso e fruição dos povos indígenas. A Constituição Federal prevê isto como uma forma de garantir que o Estado brasileiro seja, de fato, o guardião desses territórios.

    A omissão do Estado que coloca à míngua os recursos da Fundação Nacional do Índio e da Polícia Federal resulta em situações de conflito, seja pela invasão de garimpeiros, madeireiros e posseiros nas terras indígenas da Região Norte, seja pela falta de proteção que impeça o acesso de todo tipo de mazelas sociais nos territórios indígenas das Regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

    Sr. Presidente, Srs. e Srªs Senadoras, ao tratar a questão indígena como algo monolítico, o Governo Federal desrespeita a diversidade e finge desconhecer a natureza dos conflitos para manter o apoio político de sua base ruralista. Acabou de aprovar – diz que está em licitação – uma estrada que é um conflito só no Mato Grosso e que vai passar beirando a Reserva do Xingu. Certamente, muitos conflitos vão nascer por lá.

    A pergunta que se faz é: a questão de conflitos com povos originários é exclusiva do Brasil? E no mundo, como isso é tratado? Vamos ver um pouco sobre isso aqui.

    Poucos sabem que a população indígena nos Estados Unidos da América chega a 3 milhões de pessoas, sem contar os mestiços.

    No Canadá, a população indígena soma mais de 500 mil pessoas espalhadas em 2.200 territórios indígenas.

    A América Latina tem cerca de 45 milhões de indígenas distribuídos em 826 comunidades que representam 8,3% da população, conforme os dados do relatório Povos Indígenas na América Latina: Progressos da Última Década e Desafios para Garantir seus Direitos, elaborado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CepaI) e apresentado na 1ª Conferência Mundial sobre os Povos Indígenas, que ocorreu em 22 de setembro de 2014.

    Se tratarmos do conjunto dos povos originários, no qual se incluem os indígenas, a situação mundial é de conflitos com o dito processo civilizatório.

    Por ser uma questão mundial que exige atenção de todos os países do mundo, em 9 de agosto de 1995, a Organização das Nações Unidas, atendendo à reivindicação de representantes de povos indígenas de todo o mundo, criou o Dia Internacional dos Povos Indígenas.

    Após o decreto que estabeleceu a data de 9 de agosto, foram constituídos grupos de trabalho para a elaboração de uma declaração da ONU sobre o tema. Em 29 de julho de 2006, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou o texto da declaração. Um ano depois, em 13 de setembro de 2007, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração. Em setembro deste ano, celebraremos os dez anos da Declaração Internacional dos Direitos Indígenas.

    Em todo o mundo, os países buscam adequar suas legislações e avançar no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, tendo como referência a Declaração Internacional da ONU. O Brasil não fez isso ainda.

    A Presidenta da Associação Brasileira de Antropologia, antropóloga Lia Zanotta, lembra que o ingresso de indígenas na educação superior e a consequente capacidade de falar de igual para igual no mundo dito civilizado cria novas condições de diálogo e de exigência de respeito para com os povos indígenas. Mas as oportunidades de estudo são poucas ainda para a população indígena.

    No Brasil, infelizmente, a ação do Governo ignora essa nova realidade e retroage no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. E aqui vem a parte mais séria: o atual Governo, na contramão dos outros países do mundo, editou um parecer cujo objetivo é impedir a demarcação das terras indígenas. Isso foi ardilosamente construído a partir da tese de que haveria um marco temporal para se identificar e demarcar terras indígenas. O marco temporal seria a data de promulgação da Constituição Federal de 1988.

    E aí eu volto à fala dos indígenas. Justo a Constituição de 88... Antes dela, vivemos a ditadura, e foi a ditadura militar que exterminou índios, expulsou-os da terra, exterminando muita gente. Há um livro, que acho que todo mundo deveria ler, sobre como foi o extermínio dos índios na ditadura militar, que se chama Os fuzis e as flechas, no qual há depoimentos de pessoas que estiveram lá, que participaram desses atos, pessoas que estavam a serviço da ditadura, mas que se propuseram a dar depoimentos sobre a questão indígena na ditadura. Esse livro é muito importante. Nós o lançamos na Comissão de Direitos Humanos. Eu me esqueci do nome do jornalista que lançou, mas fez um trabalho de pesquisa intenso para lançá-lo. Entrevistou muita gente que viveu naquela época e atuou nas regiões das aldeias indígenas. E aí vem o marco temporal: 88. Por que não outra? A Constituição de 34 já dava direito das terras aos índios, já dava posse das terras aos índios.

    E o indígena que estava lá, o Francisco José, disse: "Meu tataravô nasceu naquelas terras, meu bisavô também, meu avô, meu pai. E eu, com 52 anos, como é que aquela terra não é nossa?" Porque eles estão lá em conflito também com a questão da posse da terra.

    Sr. Presidente, na prática, o atual Governo Federal está negando aos povos indígenas os direitos previstos na Constituição Federal, na Declaração Internacional dos Direitos dos Povos Indígenas e na Convenção 169 da OIT.

    Como disse o representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o indígena Eliseu Lopes da etnia guarani kaiowá, "no papel está tudo escrito". É a fala do índio: "É uma vergonha que o Governo não cumpra o que está escrito no papel." Quer dizer, tem coisas que estão no papel, mas não são cumpridas em relação aos direitos dos indígenas, e eles estão cobrando isso.

    Estão preocupados com o julgamento que vai haver dia 16 no Supremo Tribunal Federal. E aí conclamo os Senadores para que a gente possa fazer uma ação de tentar sensibilizar lá no Supremo Tribunal Federal, argumentar sobre essa votação que é exatamente essa história do marco temporal.

    A gente pergunta: será que, se fosse estabelecer um marco temporal para o latifúndio, gostariam que fosse apresentado um marco temporal do latifúndio? Se há o marco temporal das terras indígenas, vamos fazer um marco temporal do latifúndio e ver como é que vai ser a reação?

    Então, Sr. Presidente, a celebração deste Dia Internacional dos Povos Indígenas será, como já foi o Dia do Índio, um dia de denúncias contra os retrocessos do atual Governo. Não haverá, como não houve no Dia do Índio, nenhum anúncio de melhorias para os povos indígenas do Brasil ou do reconhecimento de seus direitos, não será homologada nenhuma demarcação e, ao invés de garantir o direito à terra aos indígenas, irá, veladamente, apoiar as chacinas e conflitos que acontecem nas aldeias através dos jagunços nos acampamentos.

    Que os povos indígenas do Brasil e do mundo sigam no caminho de preservar suas culturas e garantir a sustentabilidade ambiental de nosso Planeta. Que o Dia Internacional dos Povos Indígenas sirva para mostrar que em nenhum país do mundo eles estão sós e serão os grandes responsáveis pelo surgir de uma nova era onde o ser humano e a natureza consigam conviver em harmonia.

    Eu quero concluir dizendo: se o Governo tivesse sensibilidade nessa questão, demarcaria essas terras – e aí há também culpa de governos anteriores, não estou dizendo que é só agora. Porque, se tem alguém que preserva e se o Brasil está bem na fita ainda na questão do meio ambiente, os índios são os grandes responsáveis, porque, se tem alguém que preserva, são os indígenas – eles só tiram da terra aquilo que eles precisam, eles não usam para exploração.

    Então, eu acho que a gente precisa se sensibilizar mais. Infelizmente, a audiência pública... Se as pessoas se dedicassem a passar pelo menos meia hora na audiência pública para ouvir o que aquele pessoal tem a dizer... Porque a gente não chamou só indígena, chamou um subprocurador da República, que foi lá e ficou totalmente contra esse marco temporal; uma antropóloga que é estudiosa da questão indígena há muitos anos. Mas não vão. Então, o Brasil não tem conhecimento do problema que vivem os índios, assim como os quilombolas.

    Amanhã, tem audiência sobre os quilombolas também na CDH, a partir das 10 horas, porque a gente se sensibiliza com muita coisa. O senhor, ainda agora, estava falando da violência que campeia, mas a gente se preocupa – tudo bem, é preocupante a situação da Venezuela, principalmente a morte das pessoas –, mas, agora mesmo, na Bahia, em uma semana, oito quilombolas foram mortos, independentemente do que possam ter feito.

    Isso é impossível de se aceitar. E ninguém fala. Não vi um discurso aqui sobre Colniza. Aliás, vi de algumas pessoas: de quem mora lá e de quem é da Comissão de Direitos Humanos; o que aconteceu em Colniza, a chacina, e o que aconteceu no Pará, onde dez pessoas foram mortas...

(Soa a campainha.)

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – ... e ainda disseram que foi em legítima defesa, que foram recebidos a bala, e todo mundo morto pelas costas. Como é que é isso?

    Então, a gente precisa prestar mais atenção nessas coisas, porque não dá só para falar em direitos humanos no discurso; tem que realmente demonstrar que se preocupa com direitos humanos. E aí eu faço a conclamação de que é preciso que os partidos indiquem seus membros para a Comissão de Direitos Humanos, porque até hoje tem partido que não indicou nenhum membro, e a gente já está no segundo semestre do ano. Então, significa que a gente vai compreender que esses partidos... A pauta de direitos humanos não diz respeito a esses partidos. Então, é preciso que a gente...

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Senadora Regina.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – ... pense melhor nessa história de como está a situação da violência no Brasil.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Senadora Regina, só um...

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Pois não.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – O PMDB tem vaga na Comissão de...?

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Tem vaga, sim.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Tem?

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Tem.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Então, como eu já fiz parte da outra legislatura...

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Será muito bem-vindo, vai ajudar bastante nas nossas discussões, com certeza.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – ... vou pedir para...

    Que dia é a sessão mesmo da Comissão?

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – É quarta-feira. Infelizmente, está tudo concentrado...

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Quarta-feira?

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Agora, a gente botou para as 11 horas, que é hora em que as outras já estão distensionando um pouco. Mas é tudo na quarta-feira, as comissões. É outra questão séria: a gente tem terça, quarta e quinta, mas as comissões se concentram na quarta. Aí nós estamos com muitos projetos terminativos sem poder votar, porque não dá quórum – terminativo é quórum qualificado. Mas o senhor será muito bem-vindo e veja se os outros companheiros também indicam o nome...

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Realmente.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Porque tem mais de... Tem quatro vagas, parece, o PMDB lá.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Realmente, Senadora Regina, a reunião na quarta-feira é um problema sério.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – É, para todos nós.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Mas isso, evidentemente, não impede de se fazer um esforço para fazer frente a essa necessidade e dar vazão aos projetos que V. Exª tem e que são extremamente importantes.

    Eu vou pedir para o meu Líder, já vou aproveitar aqui em plenário, Senador Raimundo Lira, que possa me designar membro da Comissão, que eu acho que essa Comissão é uma comissão que nós, muitas vezes, não estamos dando a importância...

(Soa a campainha.)

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – ... que ela verdadeiramente merece, que ela é muito importante para o Senado Federal.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Eu gosto sempre de dizer que é a Comissão que dá visibilidade aos invisíveis e voz aos que não têm voz. Então, é importante ouvir a voz dessas pessoas. Acho que, tem uma audiência pública, não custa nada ir lá para saber o que esse pessoal está querendo mesmo. Às vezes é tão pouco, dava para visibilizar. Eu recebi indígenas que disseram: "Homem branco levou tanta coisa ruim para a aldeia: doença, cachaça, cigarro. Por que homem branco não leva coisa boa? Energia, por exemplo. Mas índio não quer energia de poste. Índio quer energia solar".

    Eu acho que se juntasse todo mundo dava para resolver a questão. Eles têm uma hora de energia por dia lá, naquele motor a diesel. Dava para resolver a questão da energia solar, que só o que tem neste País é sol. Então, se a gente escutar mais a voz dos indígenas, a gente vai aprender tanta coisa. Eu já aprendi muito com eles.

    Muito obrigada, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/2017 - Página 53