Comunicação inadiável durante a 120ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Protesto contra ataques racistas veiculados em redes sociais contra a recém-eleita miss Brasil, Monalysa Alcântara, representante do Piauí (PI).

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Comunicação inadiável
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Protesto contra ataques racistas veiculados em redes sociais contra a recém-eleita miss Brasil, Monalysa Alcântara, representante do Piauí (PI).
Aparteantes
Jorge Viana, Marta Suplicy, Simone Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 23/08/2017 - Página 29
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • REPUDIO, RACISMO, OFENSA, VITIMA, DISCRIMINAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, MULHER, CONCURSO DE BELEZA, ESTADO DO PIAUI (PI), MIDIA SOCIAL.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, pessoal que acompanha pelas redes sociais, eu me inscrevi para fazer esta comunicação inadiável de um assunto que traz alegria para o meu Piauí, mas também traz tristeza para o Brasil.

    A Miss Piauí acabou de ser eleita Miss Brasil. É a primeira vez na história que o Piauí tem uma Miss Brasil, uma menina negra de 18 anos, estudante de Administração. Mas ela não é só uma menina bonita. Ela é uma menina politizada, ela é uma menina do seu tempo.

    Então, acho que esperavam que ela fizesse um discurso ensaiado, aquele discurso falando de moda, de revistas, da revista Caras, dessas coisas que geralmente se ouve, um discurso ensaiado. E a menina fez um discurso politizado, contra o preconceito, contra o racismo, contra a violência contra a mulher e pelo empoderamento das mulheres.

    Perguntaram o que ela ia fazer durante o seu reinado. Ela disse que ia lutar contra o racismo, pelo empoderamento das mulheres e contra a violência. Bastou isso para ela começar a apanhar nas redes sociais. O que essa menina está sofrendo nas redes sociais é incrível. Tem coisas terríveis, escritas por quem a gente conhece, gente esclarecida, dizendo assim: "Cara de empregada doméstica", como se empregada doméstica não pudesse ser bonita e miss. Empregada doméstica pode ser miss, por que não?

    "Não é mais um concurso de beleza. Avacalhou..." Desse tipo. "Se for negra, magricela e tiver uma juba é miss." "Cara de empregada. Devia morrer antes do concurso de Miss Universo." "Favelada."

    Isso é um pouco do que está saindo contra essa menina nas redes sociais. É um preconceito que o Brasil não quer mais esconder, não esconde mais. As pessoas estão movidas a muito ódio, a muito preconceito. Ela não merece isso. Nunca houve isso em nenhum concurso de miss. Já houve uma negra. Por que só com ela? Tem também a questão regional. É do Piauí, um Estado pobre, patinho feio, que era considerado... Nem é mais o último da fila. O Piauí já subiu muitos degraus. Mas tem isso também. 

    Ela mesma disse que sofreu na pele antes de ser miss. Ela desfilava, desfila como modelo, e houve um grife que não a deixou desfilar comum vestido, porque a sua cor não combinava, não "valorizava" o vestido.

    Então, uma menina que passou por tudo isso, que resiste, que tem o discurso que ela tem com certeza tem um futuro brilhante pela frente.

    Bem vinda, Monalysa Alcântara, à luta contra a discriminação, contra a violência que ataca as mulheres neste País e contra o racismo.

    Estou falando isso também por mim, que sinto alguns preconceitos e hoje tive uma notícia ruim. Por ocasião do impeachment da Presidente Dilma, esteve uma blogueira aqui, convidada de um Senador, que nem estava credenciada como jornalista. Ela me xingou, assim, de um jeito... Que ela não gostasse da minha fala, que fosse contra a Dilma, não tem problema. Mas ela me chamou de coisas terríveis, entre elas, anta, analfabeta e uma série de outras coisas de que ela me chamou...

(Soa a campainha.)

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Eu entrei com uma ação na Justiça, primeiro para tirar do ar, porque era muita ofensa. E consegui, na primeira instância. Mandou tirar do ar. Mas hoje fui surpreendida com a notícia de que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal mantém o vídeo em que a Senadora do Piauí é chamada de gentalha, fora outras coisas que ela já disse. E foi unanimidade.

    Fico pensando o que se passa na cabeça de um colegiado que aceita...que é normal em uma crítica as pessoas fazerem isso. Eu fico pensando que essa tribuna acha que eu sou gentalha, analfabeta, anta. Só pode, porque um vídeo que já foi visto por um mundo de gente...

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Um aparte que o Senador Jorge...

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Agora, querem que ele volte para ser visto de novo.

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Eu sei que neste momento não é permitido o aparte, mas devido à denúncia da maior gravidade, eu vou abrir para os dois apartes se assim a senhora também entender.

    O Sr. Jorge Viana (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – A Srª Senadora Simone. Em seguida, eu.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Senadora Simone.

    A Srª Simone Tebet (PMDB - MS) – Senadora Regina, eu não sei nem o que dizer, a não ser começar a dizer que V. Exª, como todos nós, temos que colocar o dedo na ferida e começar a falar. Está na hora de desmistificar este País. Está na hora de deixar de falar que somos o País cordato, cordial, pacífico, humanitário, que não discrimina. Está na hora de falar o que realmente somos, parar de negar a negação. Somos, sim, infelizmente, Senadora Regina, um País racista. Não é à toa que a nossa Constituição coloca como um dos únicos crimes imprescritíveis – não prescreve nunca – o crime de racismo. V. Exª sofre na pele uma injustiça. Eu sei o que é a dor da injustiça, mas não posso avaliar qual é a dor da injustiça de ser avaliada, analisada pela cor da pele. Eu só posso dizer a V. Exª do carinho, do respeito que tenho por V. Exª e do orgulho que tenho de ser brasileira e, portanto, ter no meu sangue a raça negra. Esta Casa, diante da denúncia de V. Exª, tem que tomar providências. Se precisarmos ir à Justiça para isso, é o papel da Mesa Diretora falar por todos nós, assim como da nossa Comissão de Direitos Humanos, presidida por V. Exª, tendo o apoio do Senador Paulo Paim. Conte comigo para estar à frente dessa trincheira. Nós temos que começar a falar. Não sei o que mais poderíamos fazer em nível de legislação. Eu acho que o problema não está na legislação. É um problema cultural, um problema educacional, um problema de caráter, de berço, de educação e, acima de tudo, de reconhecer e fazer um trabalho dentro das escolas. Infelizmente, não somos esse país dos sonhos. A nossa realidade mancha a nossa história e nos envergonha interna e internacionalmente. O meu reconhecimento, o meu apreço pelo trabalho de V. Exª. Conte com a solidariedade das Parlamentares, das mulheres. Acho que falo por todos os Senadores. Se tiver que entrar na Justiça para retirar novamente das redes sociais esse tipo de vídeo, estamos prontos para, em seu nome e em nome da raça negra brasileira, começar a falar, começar a cobrar e começar, principalmente, a punir essas pessoas que se utilizam de redes sociais, portanto, do ostracismo, da falta de rosto que muitas vezes a rede social dá para dizerem aquilo que não têm coragem, porque são covardes de dizer frente a frente.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Obrigada, Senadora.

    Senador Jorge Viana.

    O Sr. Jorge Viana (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Querida colega, Senadora Regina, eu não podia, como fez a nossa colega, Senadora Simone, me calar também diante do seu depoimento, diante da sua emoção. Acompanhei aqui do meu cantinho, aonde nos sentamos juntos. V. Exª senta-se aqui do lado, às vezes até mais na minha cadeira. E eu fico do seu lado. Tenho muito orgulho de ser seu colega, tenho muito orgulho da sua postura ética, honesta, decente, que está faltando, inclusive, em muitos que vivem na política, e senhora ter que se deparar com esse tipo de agressão, que é algo primitivo, é algo que não deve compor a sociedade, o mundo deste novo século, deste novo milênio. É muito triste. Eu sou usuário de redes sociais. Eu acho que ela veio para nos aproximar, mas ela traz também graves problemas. Dependendo do mau uso, ela nos afasta. E, pior do que isso, na sociedade sempre há gente – nós somos seres humanos – da pior qualidade, uma minoria que vivia até num certo anonimato. E essas redes sociais, de algum jeito, por mais que tenham trazido coisas boas, tiram do anonimato essas figuras que não são pessoas humanas. São monstros, monstros que agem escondidos atrás de redes sociais, monstros que agridem pessoas e que não deveriam fazer parte de uma sociedade civilizada. Eu me solidarizo com a senhora. Tenho muito orgulho de ser Senador e de, no Senado, haver uma Senadora como a senhora, pelos discursos que fez, a coerência que tem. Já ocupou cargo de Secretária de Estado. É uma pessoa que militou nos melhores movimentos sociais e sindicais da nossa sociedade. E honra o povo do Piauí aqui nesta Casa. Honra o povo brasileiro. Eu queria me somar às outras vozes do plenário. A Senadora Marta também está pedindo, mas eu queria que a senhora superasse este momento, recebendo o abraço nosso, deixando isso de lado, sem que lhe afete, porque a senhora é muito maior do que essas agressões que vêm de baixo. Agora, devemos, sim, tomar providências, a direção do Senado. Vamos recorrer aonde for necessário, para identificar e punir essas pessoas que são a expressão dessa sociedade odiosa, dessa sociedade intolerante, dessa sociedade que me causa vergonha quando se expressa. Não é neste mundo que eu quero viver. O mundo que eu quero viver é o mundo dos diferentes, de um respeitando o outro, do amor prevalecendo, do bem comum sendo o maior motivo do nosso trabalho e das nossas vidas. Minha solidariedade à senhora, querida Senadora Regina.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Obrigada, Senador Jorge.

    A Srª Marta Suplicy (PMDB - SP) – Pela ordem.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Senadora Marta, eu estava falando sobre o preconceito contra a Miss Brasil. E recebi a notícia de que o TJ do Distrito Federal teria mantido um blog em que havia saído uma postagem da época do impeachment. Agora eles estão retornando com a postagem em que me chamam de anta, de cretina, de analfabeta e de outras coisas mais. Olhem o que diz o relatório do Desembargador: "A liberdade de expressão, para ser garantida, não precisa ficar confinada ao debate político entre estranhos políticos". Isso é muito sério. Quer dizer, vale tudo. Se sou contra você, vale tudo em nome da liberdade de expressão.

    Passo a palavra à Senadora Marta.

    A Srª Marta Suplicy (PMDB - SP) – Senadora Regina, eu vou começar o meu pronunciamento falando do meu respeito a V. Exª. Quando V. Exª entrou como Senadora, eu vi a sua biografia e fiquei muito impressionada e muito feliz de a senhora ser uma mulher negra, que tenha chegado ao Senado e que defenda as causas em que acredito. Somos colegas. E toda hora estamos disputando. Hoje de manhã, até disputamos um voto. Quando vemos algo tão forte como o que V. Exª conta, eu fico pensando que a intolerância no País é algo que está realmente além dos limites de qualquer limite que se possa ter. É contra a mulher, é contra a raça, é contra LGBT, é contra tudo o que alguma pessoa, não sei por que motivo, acha que tem de ser discriminado, tem de ser menos, tem de ser humilhado ou que tem de ser ofendido. Então, quero dizer da minha solidariedade a V. Exª. É inadmissível. Eu não acompanhei todo o depoimento de V. Exª. Quando vi que estava no meio, eu vim correndo, porque tinha que me solidarizar neste momento. Mas parece que, com a Miss Brasil, houve algo parecido também. Então, nós vivemos num país onde 52% da população é negra e há ainda esse embate e essa agressão, e agora uma agressão à Senadora da República. É uma mulher. Nós temos que nos indignar. É uma Senadora negra. Nós temos que nos orgulhar e ficar mais indignados ainda. Então, quero prestar a minha solidariedade pessoal. Nós vamos conversar com a Procuradora-Geral da Mulher também aqui, a Senadora Vanessa, porque nós queremos ter uma manifestação da Procuradoria-Geral da Mulher. Mas, mais que isso, acho que vai além de ser mulher. Aí nós entramos no quesito raça, crime inafiançável, imprescritível, tudo que votamos aqui. E temos V. Exª Presidente da Comissão de Direitos Humanos, que sempre teve ao seu lado o Paim, que é o maior defensor, nesta Casa, de todas essas causas. Nós queremos dizer que estamos juntos, vamos à Mesa. Isso não pode ficar assim. É injusto para todas as mulheres negras neste Brasil e é injusto para todas as mulheres que um dia também querem chegar ao Senado, almejam chegar ao Senado. Nós lutamos tanto por isso que não é para chegarmos aqui e termos uma humilhação de uma Senadora pela qual nós todos temos respeito.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI) – Obrigada, Senadora Marta. Eu quero incorporar à minha fala todo o aparte, Presidente.

    Quero concluir, porque a emoção veio, mas a coragem não acaba, não. Só faz aumentar a minha coragem, a minha garra, porque eu, desde menina, sou lutadora e não vai ser ninguém que vai me transformar no que eu não sou. Eu serei sempre esta aqui: do meu jeito de falar, do meu jeito de vestir, do meu cabelo enrolado. Ninguém vai mudar isso.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/08/2017 - Página 29