Discurso durante a 131ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão a respeito da atual situação das universidades brasileiras.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO:
  • Reflexão a respeito da atual situação das universidades brasileiras.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/2017 - Página 38
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, CRISE, FINANÇAS, UNIVERSIDADE, DEFESA, OBJETIVO, ESTUDO, PROGRESSO, EFICIENCIA, TRANSFORMAÇÃO, PAIS, NECESSIDADE, INTERNACIONALIZAÇÃO, COMPROMISSO, ATIVIDADE SOCIAL, REGISTRO, IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO INFANTIL.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Boa tarde a cada uma e a cada um.

    Fico satisfeito também de tê-lo na Presidência e de ter a Senadora Ana Amélia, porque eu vou tocar, aqui, em algo que ela fez neste Senado.

    Sr. Presidente, nós estamos tão envolvidos com essa crise que toma conta do Brasil a cada instante, que o Senador Jorge Viana, ontem, chamou de "maldição" o que nós estamos vivendo.

    E é verdade: é uma maldição que estamos vivendo, que estamos perdendo a perspectiva de fatos muito graves que estão acontecendo e que vão demorar mais do que essa maldição, que ou algum juiz, ou algum policial, ou algum pai de santo vai dar jeito, em algum momento.

    Por exemplo, a situação das nossas universidades.

    Não é possível um País deixar que suas universidades sejam asfixiadas.

    Quando uma universidade para, é como se uma transfusão de sangue fosse parada no organismo do País, para o seu futuro. E está acontecendo isso atualmente com as universidades.

    Mas o que eu quero chamar a atenção aqui é que a situação que nós atravessamos, hoje, exige uma reflexão por parte da universidade. Nós não estamos só num assassinato por falta de dinheiro; nós estamos vivendo um suicídio, por falta de alma das universidades. Se elas não entenderem os pecados que elas vêm cometendo – eu até diria nós, porque eu sou parte disso, sou universitário –, não vai adiantar jogar dinheiro.

    Eu vou listar aqui alguns desses pecados, Senador, que eu andei pensando ultimamente. Por exemplo, o primeiro pecado que – e aí eu falo da URJ, que é a que simboliza hoje a crise, mas são todas... O primeiro pecado é que as universidades ou nós ficamos alheios, calados, durante as irresponsabilidades que os governos cometiam. Era óbvio que, mais dia, menos dia, essa irresponsabilidade fiscal chegaria para cobrar um preço sobre as universidades. As universidades não tinham o direito de ficar caladas quando se faziam estádios em vez de escolas, quando se vendia a Copa como se fosse a saída para o Brasil, quando se falava num pré-sal que não tinha aquela capacidade de salvar o Brasil... E as universidades ficaram caladas! Elas têm que entender isso.

    O segundo pecado que eu quero colocar é o pecado da universidade querer ser escada social, dando diploma, e não a alavanca do progresso, inventando novos conhecimentos. Nossas universidades não têm essa perspectiva que as outras, no mundo, têm, de serem alavanca do progresso e também uma escada social. Nós temos nos limitado à escada social. É como se a universidade existisse para fazer diploma, dar diploma, e estava cumprindo o seu papel social com as cotas. Não é verdade! O papel social de uma universidade é o progresso – e também dar diplomas. Nós cometemos o pecado de não buscar eficiência.

    Estamos sem receber recursos, mas as nossas universidades são tão caras, e até mais, do que as outras do mundo.

    As universidades europeias custam, por aluno, o que as nossas custam também. Em Portugal e Espanha custam menos, e universidades melhores do que as nossas. As universidades asiáticas, que hoje estão entre as boas do mundo, custam menos.

    Nós perdemos a capacidade de buscar eficiência, e aí é que eu cito a Senadora Ana Amélia e também a capacidade de buscar outras fontes de financiamento, porque a Senadora Ana Amélia trouxe a proposta da possibilidade de as universidades receberem doação.

    Mas essa ainda é pouco. Elas tinham que estar vendendo patentes, talvez cobrando estacionamento dos donos de carros que põem os seus carros ali, durante o dia inteiro. É um pecado as universidades não buscarem mais eficiência e novas fontes de recursos.

    Eu creio que é um pecado da universidade não fazer um debate sério para dizer que gratuidade não é grátis. Uma pessoa não paga na gratuidade, mas alguém está pagando. Esse alguém é o povo brasileiro. Esse alguém é a Nação brasileira.

    Cada real que entra na universidade saiu de algum lugar: ou foi para propina – e as universidades ficaram caladas durante o período de corrupção que tomou conta dos governos brasileiros – ou vai sair da educação ou da saúde ou da segurança ou do saneamento. De algum lugar sai. Nenhum real entra na universidade, sem sair de algum lugar. Mas antes a gente se enganava, porque não havia o teto. Agora há o teto para chamar a atenção disso.

    Nossas universidades estão pecando muito, por não se internacionalizarem. Acabou o tempo de uma universidade ser provinciana e boa. Para ser boa hoje, ela tem que estar dentro do cenário mundial, disputando, falando os idiomas de fora.

    O Brasil é um dos poucos países em que as universidades ainda não têm cursos – são raros – em inglês. São raros no Brasil. É o comum nos outros lugares do mundo: em outros idiomas.

    As universidades que não se internacionalizarem morrerão, até porque as universidades esqueceram que, daqui para a frente, o ensino a distância vai crescer. Então, os alunos que moram no Brasil vão ser alunos de Harvard pela televisão, pelo computador, usando essas modernas técnicas de ensino a distância. Nossas universidades estão pecando por não se internacionalizarem e por não usarem esses novos instrumentos de modernidade técnica.

    Nossas universidades estão pecando pelo corporativismo. Foram dominadas. Chegou-se ao ponto de dizer que mérito é uma coisa burguesa. Eu nunca ouvi ninguém dizer que não se precisa de mérito para jogar na Seleção Brasileira de Futebol. Tem-se que ter mérito. Por que não é preciso ter mérito para ser melhor professor do que outro? Ou melhor aluno do que outro? Tem-se que reconhecer o mérito, sobretudo nas universidades.

    É um pecado esse corporativismo que se apropriou da universidade, como se ela não fosse do povo, do Brasil e da humanidade inteira; e, sim, de cada corporação, em nome de uma falsa democracia, que é a democracia para dentro.

    Mas, talvez, o pior dos pecados da universidade, Senador Cássio, foi a universidade ter abandonado a educação de base. É inacreditável, mas as universidades acham que o ensino começa a partir do vestibular, e não a partir da primeira infância. Não há um sistema universitário bom, em nenhum país, que não tenha um bom sistema de educação de base, porque é daí que vêm os alunos.

    O que faz uma boa educação é menos o bom professor do que o bom aluno. Numa universidade em que os alunos são bons, não se aceita professor ruim: eles são expulsos. Numa universidade em que os alunos não são bons, até os bons professores têm que se apequenar, para ficar do tamanho dos alunos.

    E as nossas universidades, Senador Fernando, não dão importância à educação de base, nem politicamente, lutando com os governos para que eles priorizem a educação de base, nem tecnicamente, usando a universidade para formar bons professores, Senador Caiado.

    Nossos cursos de pedagogia e licenciatura têm sido abandonados, em parte – dizem e têm razão – por falta de apoio de governo, mas, sobretudo, por falta de consciência e motivação interna.

    Esses são pecados das universidades. Nós precisamos lutar por mais recursos, mas mais recursos não resolverão, se não formos capazes de resolver os pecados da universidade.

    Sucessões de greves; isso é um pecado hoje. Tanto é que a UERJ hoje está praticamente parada por falta de dinheiro, mas o povo acha que é mais uma greve igual a tantas outras.

    Nós precisamos de mais recursos, mas precisamos fazer uma autocrítica dos nossos pecados.

    Para não continuar falando, vou citar um fundamental: a universidade não quer...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – ... se relacionar com o setor produtivo; tem medo dos empresários, que é onde se realizam, na ponta, as invenções que nós fazemos dentro da universidade. Universidade de um lado e empresa de outro não faz universidade com condições de receber recursos. Além de que isso poderia trazer recurso para cá.

    Eu sei que grande parte da culpa disso é dos próprios empresários brasileiros, que não estão aí preocupados com inovações criadas aqui dentro; preferem comprar todas, sem o risco de investir numa pesquisa que às vezes demora.

    Esses são, Sr. Presidente, alguns dos pecados da universidade.

    E, para concluir, o compromisso social. Mas compromisso social da universidade não é aumentar o número de alunos; é produzir para todos. Uma boa universidade não é a que tem mais alunos fazendo medicina; é a universidade onde há medicina servindo a todos. Não é o fato de entrar o filho do pobre para ser médico e fazer uma universidade boa; é o fato de a universidade fazer médicos que vão atender a todos os pobres.

    E na universidade entram os melhores, como na Seleção Brasileira de Futebol. Entram os melhores. A gente se deleita com a Seleção, porque são os melhores. Teríamos que nos deleitar com o produto da universidade, porque ali estão os melhores.

    Enquanto a universidade não fizer essa autocrítica, essa avaliação dos seus erros, não sei se vamos conseguir o dinheiro que é preciso, mas, se conseguirmos, não vai adiantar.

    Deixo aqui um apelo para que as universidades aproveitem a crise e façam uma reflexão sobre os seus erros, seus pecados, sobre a responsabilidade delas na crise que o Brasil atravessa, na falta de recursos que elas – as universidades – atravessam e sobre o que elas precisam fazer para justificar os recursos, dando resultados de que o povo brasileiro precisa.

    Era isso, Senador.

    Mas a Senadora Ana Amélia pediu um aparte. Não sei se é possível. Estou falando como orador inscrito.

    A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – Eu quero apenas dizer que, antes de V. Exª subir à tribuna, o Presidente Cássio Cunha Lima fez uma referência: nós teríamos uma aula antes de V. Exª começar a falar. A aula lamentavelmente acabou muito cedo. Eu incluiria também, Senador Cristovam, entre esses pecados que só agora as universidades estão abrindo o seu saber, o seu conhecimento, o resultado das suas pesquisas – pagas pela sociedade – e estão transferindo para a população, para que aquilo que é descoberto seja aplicado na prática, no chão de fábrica. No mundo inteiro, não há preconceito na relação entre o setor público, a universidade pública e o setor privado, porque o setor privado é que sabe fazer aquilo que é desenvolvido tecnologicamente nos centros maravilhosos, como na Politécnica de São Paulo, na Unisinos ou na UFRGS, no meu Estado, e em tantas outras universidades públicas. Mas é preciso essa interação. Então, eu queria cumprimentá-lo exatamente pela autoridade moral de V. Exª, por ter sido reitor de uma grande universidade, a UnB. Então, Senador, é muito gratificante para um Parlamentar que está aqui acompanhar um colega com esse grau de conhecimento e de autoridade para falar desse tema. Parabéns, Senador Cristovam! É sempre – sempre – confortante ouvi-lo.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – Muito obrigado, Senadora.

    Eu concluo dizendo que as universidades precisam fazer um pacto com a Nação. E que de fato digam: nós precisamos de mais recursos, mas está aqui o que vamos dar. E não é só ter mais alunos, não é só distribuir mais diplomas, não é só ser escada social para alguns que ali entram, mesmo que por cota; tem que ser algo mais que isso. Tem que ser um instrumento de transformação do País!

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – Isso é possível.

    O Brasil precisa das universidades. Elas precisam entender que para isso elas têm que estar sintonizadas com o tempo e com a Nação.

    Era isso, Sr. Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Cássio Cunha Lima. Bloco Social Democrata/PSDB - PB) – Agradeço ao Senador Cristovam. E não apenas agradeço, mas parabenizo V. Exª pela coragem, posso dizer, da autocrítica, porque não há como desassociar Cristovam Buarque das universidades brasileiras. V. Exª faz uma autocrítica.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) – Obrigado. É uma autocrítica.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/2017 - Página 38