Discurso durante a 132ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Reflexão a respeito do aumento dos índices de pobreza no Brasil.

Autor
Rose de Freitas (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Rosilda de Freitas
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL:
  • Reflexão a respeito do aumento dos índices de pobreza no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/2017 - Página 47
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL
Indexação
  • COMENTARIO, DESIGUALDADE SOCIAL, CRESCIMENTO, INDICE, POBREZA, PAIS, CRITICA, CORRUPÇÃO, IMUNIDADE TRIBUTARIA, DEFESA, IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS, ADAPTAÇÃO, TRIBUTAÇÃO, DEBATE, EXECUTIVO, CONGRESSO NACIONAL, PARTICIPAÇÃO, MULHER, ASSUNTO, COMBATE, FOME, UTILIZAÇÃO, SUSTENTABILIDADE, MEIO AMBIENTE, PRODUÇÃO AGRICOLA.

    A SRª ROSE DE FREITAS (PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, eu apenas queria, permita-me por uma questão democrática e de respeito a todos meus companheiros, quero registrar o seguinte.

    Eu não saí desta Casa, permaneci trabalhando no anexo ali do lado para que eu pudesse ler os textos que me ocorreram e já fui passada três vezes hoje, durante esta sessão, sem reclamar. Daqui para frente, eu vou tentar – eu tenho por V. Exª o maior carinho e admiração, V. Exª sabe disso – ser diferente. Eu vou tentar dizer que há uma discriminação em relação às mulheres aqui na Casa e vou exigir que eu fale na hora em que eu estou inscrita, porque não saí, não fui almoçar, não tomei outra decisão. Respeito, cedo o meu tempo todas as vezes que me pedem, mas acho que, assim como há prioridade na vida das pessoas, existe na minha também.

    Eu agradeço, então, a V. Exª por ter corrigido essa distorção com a sua sempre atenciosa reflexão.

    Eu também quero fazer uma reflexão aqui desta tribuna e é uma preocupante reflexão. É sobre uma pesquisa recente que revela o aumento da faixa da pobreza brasileira.

    Eu, de antemão, quero dizer que as minhas palavras aqui não são no sentido de imputar culpa, mas apenas de chamar a atenção do Congresso Nacional para uma mobilização urgente em torno desse fato.

    Não há nada que possa incomodar mais a população brasileira do que nós falarmos que, em vez de estarmos debelando a pobreza, nós estamos convivendo com ela e, dessa vez, com o aumento dessas taxas, que eu considero deveriam ser repudiadas por todo e qualquer governo.

    Nós sabemos que a luta contra a pobreza é perene, ela não vai acabar.

    Nosso compromisso, no Congresso Nacional e com o País, é que exige que lutemos permanentemente para que acabe. Nós não conseguimos abandonar plenamente a linha da pobreza em todos os governos que por aqui passaram. E ela volta a nos assustar e, da maneira com que está nos assustando, com as declarações, com as estatísticas, com as pesquisas, a ONU informa – inclusive, isso foi publicado em agosto de 2017 – que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, independentemente dos métodos paternalistas ou não empregados na condução das soluções, com bolsas e tudo mais. O nosso problema da pobreza persiste.

    Tão desigual quanto o Brasil, em todo o continente sul-americano e mesmo no mundo, temos, ainda segundo estatísticas recentes da ONU, uns tantos países, como a vizinha Colômbia, que já foi reiteradas vezes citada em outras estatísticas que foram mostradas. É uma situação análoga. Esses índices apontam para um Estado que sempre se apresentou problemático na resolução definitiva da pobreza. O Estado não aplica uma justiça social que possamos reconhecer como eficiente. E eu entendo que essa visão distorcida, Sr. Presidente, tem atravessado gerações a fio. Estão sempre colocando aqui todas as propostas que são direcionadas para o enfrentamento da questão da pobreza, mas eu digo sistematicamente: sem algo de concreto e definitivo, tudo que está sendo proposto, que foi proposto até hoje não nos permite dizer que, a tempo médio, sairemos da pobreza que aí está. Os altos impostos e a gestão estatal devem ser considerados, inclusive, na raiz do problema também, além das diferenças salariais entre as mais diversas categorias dos trabalhadores.

    Ao falar de pobreza, eu gostaria de, em outra oportunidade, oferecer números que mostram que o nosso Brasil, dentro dessa crise toda, está evoluindo para uma saída dela, mas, dentro desse quadro de analisar a questão da safra, a questão da inflação, temos que analisar essa questão alimentar, a alta de impostos, que traz consequência inevitável e que é sempre mais desigualdade e mais risco social. E o pior é que a entrada desses valores provenientes de novos impostos – ou de majorações periódicas – pareceu criar um fluxo contábil de caixa, renovado constantemente com base em cobranças ainda maiores, sem o qual o Estado arrecadador não pode mais se ver. Virou uma sistemática que sustenta o desenvolvimento pela lógica da arrecadação. A distribuição que não é. A desigualdade é que continua. E, com isso, nós vamos criando e gerando um ciclo vicioso neste País extremamente danoso para os pobres, aqueles que ficam mais pobres.

    Eis aqui mais um diagnóstico. Mais ali, mais adiante, o questionamento da eficiência administrativa. O fato é que o Estado brasileiro precisa avançar.

    Em um país com um território desse tamanho, com tantas riquezas, com tantas frentes de oportunidades de investimento, ainda voltar a falar aqui desta tribuna – há 30 anos, estou neste Congresso – da pobreza da nossa população não é uma coisa que me passa apenas no mérito das palavras. É de doer o coração da gente.

    O que retiro dessas observações todas iniciais que estão postas e que eu disse aqui é que precisamos rever imediatamente, para o bem do Brasil, a dinâmica cruel da geração da pobreza, ao mesmo tempo em que devemos apreciar a participação dos agentes políticos como parte da resolução das desigualdades econômico-sociais, fruto de debates em todas as comissões desta Casa.

    A inabilidade política em taxar grandes riquezas, para considerar um exemplo quase nunca citado, tem vínculos profundos com a corrupção e com a isenção e imunidade tributárias. Estudos econômicos, Sr. Presidente, têm demonstrado que a taxação de 35% da renda na faixa dos muito ricos arrecadaria ao País mais R$90 bilhões ao ano e que o fim da isenção de dividendos do Imposto de Renda da Pessoa Física daria aos cofres públicos mais R$70 bilhões, o que perfaz mais do que os anunciados R$159 bilhões da meta de déficit fiscal do Governo central.

    Há uma diferença enorme entre aquilo que se fala que é operar para tentar debelar a pobreza e aquilo que se faz na prática. Há a possibilidade de resolução dessa questão no curto prazo, que imediatamente colocaria nos cofres públicos esse montante de recursos que estamos aqui citando, com benefício inclusive imediato, se for assim a vontade dos governos, para a população mais pobre que aqui se tem. A decisão do Governo de tributar determinadas zonas em detrimento de outras mais sensíveis, poderia, em face do visto, apontar para soluções que não comprometessem áreas fundamentais, como a educação, a pesquisa científica, a saúde e a assistência social.

    Portanto, a equação de equilíbrio é bastante complicada quando pensamos no todo que é o nosso País e no sem-número de variáveis problemáticas com as quais temos de lidar, mas que de fato precisamos enfrentar. E o fato é que, desde a crise de 2015, temos mais de 4 milhões de pessoas jogadas na faixa da pobreza. O número é alarmante, e precisamos, já que debatemos aqui todos os assuntos da área econômica e social, urgentemente pensar como o Poder Legislativo tem de agir para propiciar a reversão desse quadro.

    A criação de políticas públicas responsáveis, associada a um sistema de tributação mais justo, é o objeto principal dessa meditação que ora faço desta tribuna. Sua factibilidade é, para mim, algo patente. Precisamos apenas nos ligar, nos antenar, prestar atenção, com quem sabe orquestrar tecnicamente essas áreas e criar o debate aqui no Congresso Nacional, que muitas vezes se furta de abordar temas importantes como este, porque a pobreza não pode ser indiferente a nenhum congressista, a nenhum brasileiro mais bem aquinhoado.

    Queremos a estabilidade econômica e política imediatamente. Não é isso que estamos perseguindo aqui nesta Casa todos os dias? Não é isso que o Governo propõe a todo momento, a toda hora? Não é tolerável que a fome volte a rondar o nosso povo, o sofrido povo brasileiro, sobre o qual recaem sempre, injustamente, os maiores danos. E, até o final do ano, pelo que as pesquisas dizem, nós poderemos ter de 2,5 a 3,6 milhões de pessoas engrossando essa cifra de esfaimados, conforme estima o Banco Mundial.

    A fome foi representada como um dos quatro cavaleiros do Apocalipse, ao lado da peste – as doenças –, da guerra e da morte. A fome talvez seja o mais insidioso desses cavaleiros que nós apontamos mitologicamente, pois vai minando aos poucos a vitalidade das pessoas, vai lhes tirando o ânimo, vai preparando para a doença e para a morte pela insegurança alimentar e pela falta de mecanismos de defesa dessas populações carentes.

    Acredito que toda e qualquer preocupação com a produção de alimentos deve ser discutida. E deve ser discutida diante dessa caótica visão social dos problemas que estamos tendo e que vão se acumular e agravar daqui a pouco. No Brasil, o modelo mais praticado é o do plantation, mas a agricultura familiar precisa ser apoiada e precisa ser rediscutida, pois é ela que oferece variedade de alimentos, é ela que está ali ao alcance das populações que estão fora dos centros de desenvolvimento, das cidades. Alimentar a população dá ao pequeno agricultor a certeza de sua sobrevivência, ao mesmo tempo em que defendemos a manutenção da dieta mínima necessária para os brasileiros.

    Não se pode abdicar de políticas públicas protetivas nessa área, de maneira nenhuma – temos várias bolsas para as quais o Orçamento destina recurso para que sejam mantidas –, pois ela é, sim, fundamental, é crítica, é insubstituível neste momento, sim. Nós não podemos voltar, Sr. Presidente, ao dilema da geografia da fome, anunciada por Josué de Castro nos idos de 1952. Nós estamos falando, em 2017, novamente da fome do povo brasileiro.

    As Nações Unidas têm se preocupado com a fome em escala mundial e periodicamente rediscutem o progresso dos objetivos propostos. A fome no mundo, tenho certeza, é o que mais choca toda a humanidade; mata, faz sofrer bilhões de pessoas, e não queremos ver a reprodução proporcional aqui, no Brasil, dessas cifras citadas.

    Todas as questões relacionadas com a geração da fome devem ser pensadas e amadurecidas, Sr. Presidente, pelo Poder Legislativo. Não é porque nós somos uma Casa Legisladora, porque não fazemos parte do processo executivo, mas daqui emanam os projetos de lei, as iniciativas. Aqui, aprovamos o Orçamento e aqui aprovamos as políticas sociais que são adotadas no Brasil.

    Temos de tomar em nossas mãos decisões que revertam esse processo, que possui raízes históricas que não estão tão distantes como nós pensávamos, mas que, no momento, são as mais graves que eu quero relacionar.

    Como eu disse no início, o que me importa agora não é imputar culpas. Para que dizer quem fez mais e quem fez menos? Elas são desnecessárias diante da gravidade da situação. Mas resolver a preocupante situação de milhões de pessoas que estão a passar fome no Brasil é um assunto que tem muita urgência nesta Casa, e isso pode ser compatibilizado com uma agenda, com certeza, de comum acordo no debate com o Poder Executivo.

    Nós precisamos erradicar a miséria e tratar nosso povo com o respeito merecido. A fome não simplesmente exclui as pessoas. Todo ano se tem uma bandeira inclusiva. Nós vamos fazer o processo inclusivo na educação, inclusivo na doença, inclusivo na saúde, para disseminarmos os problemas com a sociedade que onera sobremaneira a dignidade do povo brasileiro, que onera a saúde do povo brasileiro, além de formar cidadãos inabilitados, enfraquecidos, subnutridos.

    Terá menos ação crítica essa população que passa fome, menos discernimento, dois dos pilares fundamentais defendidos por quem fala do futuro, por quem fala de educação. A criação de medidas inclusivas e justas é a forma mais viável de barrar a fome e mais viável de barrar a miséria absoluta.

    Diante de tantos vieses que nós salientamos aqui, eu gostaria de acrescentar a questão do meio ambiente como um dos pontos centrais. Continuamos dilapidando o nosso pequeno Planeta de forma irresponsável. É necessário que a gente veja isso pela ótica dos danos que são causados, das oportunidades que são perdidas, da falta de inserção do cidadão num meio ambiente saudável para que ele, dali, possa tirar, muitas vezes, o seu próprio sustento. Do modo que nós estamos indo, nós não deixaremos muito para as gerações futuras.

    A questão do aproveitamento do solo para a produção de alimentos que sejam energicamente viáveis ao consumo humano deveria ocupar, também, uma agenda de combate à fome e à miséria. Aqui falei da geração da fome. É que eu queria chamar a atenção para o fato de termos uma síndrome de algo destrutivo em relação à natureza. Nós estamos sempre correndo atrás e dizendo que estamos fazendo alguma coisa para proteger a Amazônia, a floresta, as nascentes. Devemos, sim, falar da geração de alimentos saudáveis em um meio ambiente igualmente saudável, o que será um suporte para o desenvolvimento sustentável do qual todos nós enchemos a boca para falar nesta Casa. No entanto, cobramos poucas decisões a respeito desse tema.

    Acho necessário, Sr. Presidente, concluindo as minhas palavras, tomar posições com relação ao tamanho do mercado que precisamos ter em função da preservação de vidas em escala global. Quanto mais dividirmos o pão, com certeza seremos mais felizes, mais participativos e mais inclusão teremos. Quanto mais lutarmos em prol do mundo e quanto mais nos dermos a essas batalhas cotidianas – e parece um sofisma abordar esse tema desta tribuna num País com tantas crises – mais nos encontraremos nos outros e no sorriso daqueles que estão abandonados pelo mundo afora.

    Eu quero que meu semelhante tenha comida em sua mesa. Não basta ter na minha mesa. Não basta saber, Senador, que há na sua mesa e na de vários que estão trabalhando com oportunidades e que podem ter uma vida digna. Eu quero que as mulheres sejam mais ouvidas nesse processo, e levadas em conta nas políticas públicas. As mulheres sentem com o coração, reagem com o coração e com uma mente solidária. Essas discussões têm de permear o Poder Legislativo.

    E eu quero, finalmente, dizer que o Congresso Nacional Brasileiro, o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, devem se comprometer com essa causa em todos os projetos de lei que aqui são apresentados. Quem estiver – seja quem for – no comando do Governo central, tem de colocar na sua pauta dissipar a fome, acabar com a desigualdade; tem de ter a superioridade da solidariedade de qualquer governo, de qualquer poder executivo, para construir uma sociedade mais justa, mais igualitária e com menos fome.

    Para o seu agrado, Presidente, concluí.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/2017 - Página 47