Discurso durante a 141ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar o Senador Aécio Neves do mandato.

Autor
Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Considerações acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar o Senador Aécio Neves do mandato.
Aparteantes
Cristovam Buarque, José Medeiros, Magno Malta, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 28/09/2017 - Página 30
Assunto
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • CRITICA, DECISÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), AFASTAMENTO, MANDATO, AECIO NEVES, SENADOR, DEFESA, OBSERVAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, LEITURA, ARTIGO, AUTORIA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP).

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Srª Presidente, Srs. Senadores, Senadoras, queria cumprimentar todos que nos acompanham pela Rádio e TV Senado.

    Eu não poderia, como fiz hoje na Comissão de Constituição e Justiça, vir à tribuna do Senado, fazer cara de paisagem e não tratar de um assunto que todos que acompanham as notícias políticas e a esteira dessa crise no Brasil estão falando, a imprensa – aqui no Senado não é diferente, certamente na Câmara –, no País inteiro. Eu me refiro à decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ontem, afastando um Senador da República.

    Eu queria, numa preliminar, deixar bem claro para os menos avisados que não é a hipótese: eu não estou aqui fazendo defesa do Senador Aécio. Não é essa a hipótese.

    Eu estou falando aqui da Constituição Federal. Estou falando aqui do Estado democrático de direito. O Senador Aécio foi um dos algozes, no meu ponto de vista, da nossa democracia, do nosso governo. Foi intolerante, não soube esperar, fez juízo precipitado, deu declarações absolutamente equivocadas, para falar o mínimo.

    Mas não é esse o ponto. Isso é parte da vida pública. Eu estou querendo me referir a uma decisão do Supremo, com todo o respeito que tenho, porque eu respeito o Supremo Tribunal Federal. Nós devemos respeito ao Supremo Tribunal Federal. É a segunda preliminar que eu queria deixar bem clara. O Poder Judiciário, a ação do Ministério Público, nós precisamos dessa ação isenta, independente e com base nesse livrinho, que é a nossa Constituição, e nas leis.

    Agora, e quando parte do Supremo delibera e fere a Constituição? O que fazer? Calar? Eu sou daqueles que pensam que decisão judicial nós cumprimos, não se discute. Mas não estamos falando disso só. O Brasil está vivendo tempos difíceis, Senador José Medeiros, de intolerância, vivendo tempos que nem acredito que estamos vivendo. Todos ficam chocados. Agora, essa decisão de ontem não pode ter como resposta o silêncio do Senado, o silêncio da Comissão de Constituição e Justiça, porque foi muito grave, muito grave. Uma Turma importante, que tem que ser respeitada por todos, do Supremo, por 3 a 2, afastou um Senador da República.

    E volto a repetir: eu não estou aqui para fazer a defesa ou salvar o Senador Aécio Neves. Muito pelo contrário, eu acho que nós temos que estar todos aqui para tentar salvar a Constituição e o Estado democrático de direito do nosso País.

    Não sei qual artigo da Constituição que deu amparo para propor um afastamento de um Senador da República, porque não existe esse artigo na Constituição, só se for em flagrante ou se for na prática de um crime hediondo. É isso que está escrito aqui no art. 53 da Constituição. O art. 53 da Constituição é claro, trata exatamente disso e diz em que circunstâncias. E eu não estou aqui fazendo a defesa da corporação. Volto a repetir: o Senador Aécio foi um dos algozes daquele impeachment, daquele golpe falseado de impeachment. Ele não aceitou o resultado das eleições, fez declarações contra todos nós, terríveis, mas não é disso que estou tratando.

    Eu fui um daqueles que foi execrado por ter votado contra aquela condução, aquela decisão que envolvia o Senador Delcídio do Amaral, porque, naquele dia, eu fiquei do lado da Constituição. Se o Senador Delcídio tinha culpa – e as evidências mostravam isso –, que fosse denunciado, julgado e, se condenado, que pagasse a pena. O mesmo vale para o Senador Aécio. Há evidências, mas que ele seja julgado. Se as provas forem confirmadas e ele for condenado, que pague a sua pena.

    Mas o que fazer diante de uma decisão que vem de parte do Supremo e que não tem amparo na Constituição? É muito perigoso viver uma situação dessas.

    E eu espero e confio que a imprensa não nos coloque num caminho de estar salvando um colega ou outro como uma corporação. Pelo menos, vamos ter um compromisso com os fatos e com a verdade.

    O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES) – Dê a palavra para o homem aqui.

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Eu não estou sinceramente aqui preocupado em querer salvar um colega. Eu acho que nós todos temos que estar preocupados em tentar salvar a Constituição.

    Há um artigo muito importante que eu quero aqui ler, mas eu faço essa ressalva, porque entendo, Senador José Medeiros e Senador Magno, que estão aqui pedindo um aparte, que o Senado precisa ter uma posição. É dessa maneira que nós vamos pondo em risco a democracia e o Estado democrático de direito.

    Volto a repetir: tenho muito respeito pelo Supremo Tribunal Federal, por todo o Judiciário, pelo Ministério Público, mas eles também erram, são compostos por seres humanos. E, nesses tempos de tudo ao vivo, eu sinceramente acho que é um grave erro nós termos as sessões do Supremo e do STJ todas transmitidas ao vivo. Aí, alguém vai dizer: "Não, então, o Jorge Viana é a favor de esconder as coisas". Não sou a favor de esconder nada. Transparência. Mas nenhum país civilizado importante do mundo funciona assim, porque nós somos seres humanos. Quem é que não tem vaidade? Quem é que não procura fazer o melhor quando está ao vivo para todo o Brasil e o mundo? Normal! Mas os juízes têm uma tarefa. Eles agem em nome do Estado. E o que é o Estado? São as leis, a Constituição. Eles não podem fugir disso.

    Eu ouço o Senador José Medeiros e, em seguida, o Senador Magno Malta.

    Eles agem em nome do Estado, diferentemente de nós. Nós representamos nossos eleitores, os nossos Estados, temos liberdade de opinião, mas quem nos julga o faz com base na Constituição e nas leis.

    Eu ouço o Senador José Medeiros.

    O Sr. José Medeiros (PODE - MT) – Muito obrigado, Senador Jorge Viana. Talvez o que eu vou dizer aqui possa parecer um pouco duro, mas é o que eu estou sentindo neste momento. Há um pensador que dizia que quem se comporta como verme não pode reclamar quando é pisado. Quanto aos Poderes, a Constituição, no art. 2º, diz o seguinte: Legislativo, Executivo e Judiciário, Poderes "independentes e harmônicos entre si". Pode olhar que está no art. 2º quem estiver nos assistindo. Bem, independência e harmonia não querem dizer conivência, não querem dizer... Querem dizer que não precisam estar se atacando. Agora, o Senado – como V. Exª bem tem feito um histórico – precisa se comportar como o Poder que é.

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Independente.

    O Sr. José Medeiros (PODE - MT) – E, quando se diz "se comportar", não é nem extrapolar, nem se diminuir. Neste momento... Aliás, a meu ver, no momento em que saiu aquela decisão, o Senado teria que se reunir imediatamente, para deliberar sobre o que fazer. E aqui não vou entrar no mérito.

(Soa a campainha.)

    O Sr. José Medeiros (PODE - MT) – Mas o Senado tem que se posicionar. Outra coisa, o STF, como V. Exª falou, merece todo o respeito, como o Poder que é. Não merecem respeito condutas e palavras do tipo que o Sr. Ministro Fux falou. Não compete ao juiz – não compete ao juiz – tripudiar; não compete ao juiz ser desrespeitoso; não compete ao juiz fazer escárnio; não compete a ele ser – como digo? – hilário, debochado. Espera-se do Senado Federal o respeito que deve ter; do Executivo, respeito no sentido de que seus membros se comportem como deve ser. Agora, muito mais do Supremo; muito mais se espera dos seus membros. Muitas críticas se faziam, por exemplo, a Joaquim Barbosa – e eu mesmo tenho algumas. Agora, nunca o vi desrespeitando ninguém. Eu trabalhei, Senador Jorge Viana, por 22 anos, na Polícia, fazendo segurança pública. Eu me lembro, quando entrei na Polícia, de um jargão que um velho policial...

(Soa a campainha.)

    O Sr. José Medeiros (PODE - MT) – ... semianalfabeto dizia: "Nunca tripudie sobre as pessoas; não é o seu papel." A lei já é dura o bastante; e, se não for, se você não achar que é, vá pelos meios normais e faça com que o Congresso faça uma lei mais dura. Mas não cabe ao agente, seja ele qual for – juiz, policial, quem quer que seja –, tentar fazer justiça com suas próprias...

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Mãos.

    O Sr. José Medeiros (PODE - MT) – ... com seus próprios anseios. Então, eu só quero também ir nessa linha, que V. Exª colocou, de que nós precisamos nos posicionar. Não cabe ao Senado deixar que este ou aquele órgão crie artigos que não existem. Eu vi o Procurador do Estado de São Paulo ontem. Ele colocou no Twitter da seguinte forma: "O embasamento para essa decisão do Supremo se encontra no art. 437, inciso II, da Constituição Federal brasileira." Ponto. Ele foi extremamente...

(Soa a campainha.)

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Irônico.

    O Sr. José Medeiros (PODE - MT) – ... irônico, porque não existe esse artigo na Constituição brasileira. Então, nós não podemos, nem esta Casa pode inventar lei que não existe. Aliás, nós podemos fazer uma lei aqui, e ela ser aprovada, mas não podemos permitir que isso aconteça. E chegou o momento de a Casa se posicionar e sem pessoalizar – sem pessoalizar. Se o Senador Aécio tem que pagar, isso é um ponto, mas que seja dentro da lei, porque, no dia em que um Senador da República da magnitude e do tamanho dele não tiver o amparo da lei, muito menos terá o Zé – o Zé que está trabalhando de servente, de pedreiro lá no interior do Brasil. Muito obrigado.

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Obrigado, Senador José Medeiros.

    Eu ouço o Senador Magno Malta e peço a compreensão da nossa Presidente. Não quero extrapolar o tempo.

    Senador Magno, por gentileza, ouço o aparte de V. Exª.

    O Sr. Magno Malta (Bloco Moderador/PR - ES) – Senador Jorge, não quero entrar no mérito, não sou advogado de Aécio Neves. Muito pelo contrário, depois do que vi, dos áudios dele no primeiro advento da denúncia dos irmãos metralha, do fim do mundo – quando eles fizeram a delação e saíram voando, como quem tomou Red Bull, criaram asas para Nova York –, eu fiquei envergonhado. E jamais na minha vida eu darei um voto a Aécio Neves. Fiquei com vergonha de um homem que o defendeu no processo eleitoral.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Magno Malta (Bloco Moderador/PR - ES) – Vergonha... Porque ele pode fazer o que quiser no escuro, problema dele, mas aquele áudio falando mal das dez medidas, falando um monte de palavrão, aquilo para mim... A minha decepção é a do povo brasileiro. Mas... O mesmo Ministro Fux, que tem também o meu respeito – só não sou mudo, nem surdo, nem calado, nem frouxo –, fez uma fala lindíssima e usou dois bordões que eu achei maravilhosos: é preciso que os irmãos Batista, que estão no seu exílio novaiorquino sejam trazidos de volta para curtir o seu exílio na Papuda. Representou milhões de brasileiros. E não é nem normal que um Ministro do Supremo – já dizia José Medeiros – tripudie dessa forma; mas eu achei maravilhoso. Minha alma foi lavada. Dois vagabundos, que cometeram crime de lesa-pátria... Eu espero que apodreçam como carne podre na Papuda. Mas o mesmo Ministro que faz essa fala porque reconheceu, depois de ouvir os áudios – os áudios dos caras, os caras que foram trabalhar e chamar as pessoas para dentro de um crime, para dentro de uma arapuca –, que são dois canalhas e, com base nisso, ele fez essa fala; na hora de tratar do caso do Aécio, esqueceu-se das relações do cara. E aí aquilo que era lúcido virou "ilúcido". E aí o Ministro extrapola a sua competência. Delcídio foi preso, porque criaram a figura do flagrante continuado, estava lá a gravação, flagrante continuado. Como com o Aécio não houve a figura do flagrante continuado – e ele não pode determinar a prisão de um Senador, porque não houve o flagrante continuado –, ele criou outra figura; ele criou a figura do recolhimento noturno domiciliar. De qualquer maneira, ajudou os pais, os avós, que, quando tiverem que dar uma bronca em um filho, podem dizer: "Olha, você não pode chegar tarde, não; você terá o recolhimento, meu filho, noturno domiciliar." Não pode dormir na rua. Ou seja, criou uma figura para inventar a prisão. Quer dizer, não é prisão? Não é prisão? É meia gravidez, mas não vai parir. É meio emprego, mas você não tem salário. Foi meio gol, mas a bola não entrou. Oxente, de onde ele tirou isto? De onde ele tirou isto? Agora, eles fazem isso e continuam fazendo porque ninguém se levanta. Eu nunca vi político ter medo de Supremo desse jeito. Por que eu vou ter medo de Supremo? Eu votei aberto aí contra a indicação de Barroso. Votei aberto aí contra a indicação de Fachin. Ou exerço o meu direito, de um povo do Estado do Espírito Santo que confiou em mim e me fez Senador da República, ou não venho aqui para botar o galho dentro com medo de Ministro do Supremo! Primeiro, eles não são suplentes de Deus; não são o suprassumo da verdade. A verdade absoluta não mora na casa deles e nem na casa de ninguém – nem na casa de ninguém! Então, se o Aécio cometeu crime, que pague! Se o Aécio cometeu crime e errou, que seja punido! O Conselho de Ética que o casse. Não estou aqui para defender ninguém que comete crime – não estou! –, mas a decisão de Fux não tem o menor sentido. Nem um ministro de tribunal superior, nem um juiz de primeira instância podem se dar ao luxo de cometer uma incoerência e uma grosseria dessas, como ele fez.

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Eu agradeço.

    De fato, nós estamos falando de um assunto muito grave, Srª Presidente.

    Está ali o meu colega Senador Cristovam...

(Soa a campainha.)

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – ... pedindo um aparte também. Eu agradeço a intervenção do Senador Magno e do Senador José Medeiros e ouço o Senador Cristovam Buarque.

    O Sr. Cristovam Buarque (PPS - DF) – Senador, esse tema eu acho que vai dominar os debates aqui, porque nós estamos em mais uma das armadilhas em que entramos. Simplesmente fechar os olhos ao fato de que houve uma espécie de cassação branca não dá. Fechar os olhos ao fato de que um colega nosso foi gravado pedindo R$2 milhões também não dá. Eu só quero dizer, antes de tomar posição no debate, que nós cometemos um grande erro quando não levamos o caso do nosso colega Aécio ao Conselho de Ética – e na época eu disse isso. Deveríamos ter aberto um processo, deixado o Aécio vir se defender, outros fazerem as acusações, e o Conselho, o Senado tomar uma decisão. Mas nós nos alienamos, fechamos os olhos, jogamos debaixo do tapete, arquivamos o pedido de análise da situação do Aécio, e o resultado é este: o Supremo Tribunal tomou uma posição, que nos incomoda, que achamos que não é justificada...

    O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES. Fora do microfone.) – Você não estava no meio disso, não. Eles arquivaram! Você não estava no meio disso, não; nós não arquivamos, não.

    O Sr. Cristovam Buarque (PPS - DF) – Eles arquivaram. O Conselho.

    O SR. MAGNO MALTA (Bloco Moderador/PR - ES. Fora do microfone.) – Não fale "arquivamos"...

    O Sr. Cristovam Buarque (PPS - DF) – Ah, muito bem. Obrigado, Senador. Quando eu digo "nós"... Eu costumo falar assim: quando eu acho que se refere ao Senado, eu digo "nós". Eu não tenho nada a ver com isso e, na época...

(Intervenção fora do microfone.)

    O Sr. Cristovam Buarque (PPS - DF) – Está bem. Na época, eu disse: "É um erro não abrir o processo e o Conselho de Ética não analisar a situação, em vez de deixar que o Supremo tome a iniciativa." Hoje estamos nesta difícil decisão: fechar os olhos a uma tomada de posição do Supremo, que, de certa forma, interfere no Legislativo, ou tomar uma posição contrária ao Supremo no momento em que tudo indica que eles têm razões suficientes para dizer que houve uma quebra de ética de um Senador.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Cristovam Buarque (PPS - DF) – Só isso que eu queria colocar, Senador Jorge.

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Eu agradeço-lhes os apartes.

    E queria, Srª Presidente, fazer a leitura de um artigo da Folha de S.Paulo de hoje que eu acho que é muito importante. O jornal Folha de S.Paulo de hoje traz um artigo do professor titular de Teoria do Estado da Faculdade de Direito da USP, de São Paulo, e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro Lewandowski. Eu vou ler rapidamente e pedir que possa constar nos Anais, porque trata disso que nós estamos debatendo. "Significado de devido processo legal" é o título:

O conceito de devido processo legal aparentemente anda um pouco esquecido entre nós nos últimos tempos. Cuida-se de uma das mais importantes garantias para defesa dos direitos e liberdades das pessoas, configurando um dos pilares do constitucionalismo moderno.

Tem origem na Magna Carta, de 1215, através da qual o rei João Sem Terra, da Inglaterra, foi obrigado a assegurar certas imunidades processuais aos seus súditos.

O parágrafo 39 desse importante documento, ainda hoje em vigor, estabelece que [aspas] "nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado de seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado [...] senão mediante um julgamento regular de seus pares ou em harmonia com a lei do país".

Tais prerrogativas foram sistematicamente reconfirmadas pelos monarcas subsequentes, sendo a expressão "lei do país" substituída pela locução "devido processo legal", em...

(Soa a campainha.)

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) –

... 1354 [Srª Presidente], no Estatuto de Westminster.

Com isso, os direitos das pessoas passaram a ser assegurados não mais pela mera aplicação da lei, mas por meio da instauração de um processo levado a efeito segundo a lei.

De lá para cá, essa franquia incorporou-se às Cartas políticas [constitucionais] da maioria das nações democráticas [que a adotaram], constando do art. 5º, LIV, de nossa Constituição, com o seguinte teor: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal." [Fecha aspas.]

Trata-se de uma moeda de duas faces. De um lado, quer dizer que é indispensável a instauração de um processo antes da restrição a quaisquer direitos. De outro, significa que o processo precisa ser adequado, ou seja, não pode ser simulacro de procedimento, devendo assegurar, no mínimo, igualdade entre as partes, o contraditório e a ampla defesa.

O devido processo legal cresce em importância no âmbito penal, porque nele se coloca em jogo a liberdade que, depois da vida, é o bem mais precioso das pessoas. [Diz o Ministro Lewandowski no seu artigo, na Folha de S.Paulo de hoje, Senador Requião.]

Sim, porque o imenso poder persecutório do Estado, detentor monopolístico do direito de punir, só se submete a temperamentos quando observada essa garantia essencial.

Nunca é demais lembrar que o processo atualmente não é mais considerado meio de alcançar a punição de quem tenha infringido as leis penais, porém um instrumento de tutela jurídica dos acusados.

Mas não é só no plano formal que o devido processo legal encontra expressão. Não basta que os trâmites, as formalidades e os procedimentos, previamente explicitados em lei, sejam observados pelo julgador. É preciso também [diz o Ministro Lewandowski em seu artigo] que, sob o aspecto material, certos princípios se vejam respeitados.

[E eu já concluo a leitura, Srª Presidente.]

Nenhum valor teria para as partes um processo levado a efeito de forma mecânica ou burocrática, sem respeito aos seus direitos fundamentais, sobretudo os que decorrem diretamente da dignidade da pessoa humana, para cujo resguardo a prestação jurisdicional foi instituída.

(Soa a campainha.)

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) –

O direito ao contraditório e à ampla defesa fica completamente esvaziado quando o processo judicial se aparta dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade ou do ideal de concretização do justo.

Com efeito, uma decisão que atente contra a racionalidade, a realidade factual ou os princípios gerais do direito universalmente reconhecidos, embora correta do ponto de vista procedimental, não se conforma ao devido processo legal substantivo.

E aí eu ressalto, Sr. Presidente, para concluir, o último parágrafo do artigo do Ministro Lewandowski, Professor Titular de Teoria do Estado da Faculdade de Direito da USP:

Prisões provisórias que se projetam no tempo, denúncias baseadas apenas em delações de corréus, vazamentos seletivos de dados processuais, exposição de acusados ao escárnio popular, condenações a penas extravagantes, conduções coercitivas, buscas e apreensões ou detenções espalhafatosas indubitavelmente ofendem o devido processo legal em sua dimensão substantiva, configurando, ademais, inegável retrocesso civilizatório [conclui o Ministro Lewandowski].

É algo que nós precisamos ver, porque estamos tendo uma verdadeira caçada contra o Presidente Lula. Estamos vendo, Senador Requião, delatores criminosos morando em coberturas em frente à praia, usufruindo do dinheiro roubado por denunciarem pessoas, personalidades, e ninguém vai atrás de ver a veracidade disso. Eu acho que o Brasil nunca cometeu tanta injustiça como agora em nome da justiça. Pode ser parte da vida humana cometer injustiça, mas o Judiciário é o guardião desta Carta, da Constituição, das leis e da justiça. Eu faço um apelo aos membros do Supremo: o Brasil está precisando neste momento do que o Supremo tem de melhor.

Eu não vim aqui – e nem viria, com todo o respeito a um colega, que sigo respeitando – fazer defesa nenhuma do Aécio Neves. Ele foi um dos algozes da democracia, do nosso governo. Ele foi intolerante com o resultado das urnas; agrediu o meu Partido e todos nós; cometeu erros – há provas. Que ele possa se defender, apresentar suas razões, ser julgado e, se condenado, que pague pelo que fez. Eu estou falando não de defender Aécio Neves, mas de defender a Constituição. Eu não estou aqui para salvar ninguém e nem estou fazendo parte de corporação. Estou tentando salvar a Constituição. Se este nosso País seguir nesse caminho, nós vamos viver o que eu chamaria de anarquia institucional. Quem vai pagar caro é o nosso sofrido povo.

Eu ouço V. Exª, Senador Requião, para poder concluir, pedindo aqui a compreensão do Presidente Paulo Paim, mas já estou realmente no final.

    O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR) – Senador Jorge Viana, não se trata de fazer a defesa do Senador Aécio Neves. As acusações que caem sobre ele são pesadíssimas, são gravações telefônicas, são comprovações de transporte de recursos financeiros, são muito pesadas, mas eu não vejo que este caso seja objeto de muita polêmica. Aqui no Senado e em qualquer lugar onde pessoas como nós funcionam, existem erros e acertos. O Tribunal errou: não existe este tipo penal, nem na Constituição, nem na legislação, de afastamento de um Senador. Esse afastamento não tira a qualidade de Senador do Aécio Neves ou, então, Minas Gerais ficaria sem representação, porque, não deixando de ser Senador, não pode ser substituído.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR) – O Senador Aécio Neves merece, como qualquer brasileiro, o devido processo legal e o direito de defesa. Eu só espero que isso seja rápido, tão rápido quanto tem sido em relação a alguns membros do PT na seletividade das investigações brasileiras, mas nós tivemos votos corretos. Então, ao invés de uma grande polêmica, se essa questão for trazida ao Plenário, eu vou acompanhar o voto do Ministro Marco Aurélio Mello. Não pode haver condenação antecipada, tem que haver o direito de defesa e o processo legal, e, se houver a condenação, o resultado dela, que nesse caso necessariamente seria a prisão, mas o Senado não pode concordar – e deve fazê-lo sem muita polêmica – com um atropelo da legislação. Antecipação de condenação, não. Isso não significa, como V. Exª, por diversas vezes, insistiu em afirmar, uma...

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Tentativa de salvar...

    O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR) – ... visão benevolente para com os erros que provavelmente cometeu o Senador, mas vamos acompanhar, no plenário, sem barulho e sem muito discurso, o voto do Ministro Marco Aurélio Mello. Antecipação de condenação, não! Esse vai ser o meu voto no plenário.

    O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Muito obrigado, Senador Requião. Eu incorporo ao meu discurso.

    Peço que possa constar nos Anais esse artigo do Ministro Lewandowski, Professor, publicado na Folha de S.Paulo de hoje.

    E encerro fazendo uma breve referência ao sociólogo espanhol Juán José Linz, sociólogo, que fala de lealdade à Constituição. Ele chamou de lealdade à Constituição referindo-se à oposição. Eu falei isso aqui na época do impeachment, tentando fazer ver que essa ação injusta de um Poder sobre o outro, quando o Congresso resolveu, sem crime de responsabilidade, apear a Presidente Dilma do poder. Quando agora eu vejo uma verdadeira caçada contra o Presidente Lula, forjando-se provas, quando eu vejo lá Vaccari sendo inocentado por um tribunal de segunda instância e seguindo preso, quando eu vejo o País de cabeça para baixo, é muito perigoso isso.

    Eu queria muito que o Supremo Tribunal Federal, imediatamente, com os seus componentes, em que nós confiamos, pudesse nos ajudar a encontrar um caminho que não afastasse o País da Constituição – o mesmo dos juízes e membros do Ministério Público.

    O sociólogo espanhol, renomado, que ganhou prêmios, que é uma referência, inclusive, para o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, que conhece o nosso País de muito tempo, que escreve sobre o Brasil, diz que a estabilidade de um governo, da democracia depende da lealdade que a oposição tenha à Constituição. Vejam só! Eu acho que faltou, para os nossos opositores, lealdade à Constituição quando fizeram o impeachment. E nós agora não podemos ser desleais, porque somos oposição ao Governo Temer. Somos contra os desmandos. Estão vendendo o País, destruindo um País nesse curto espaço de tempo. Tenho procurado denunciar, mas não é disso que nós estamos tratando. Eu acho que, mais do que nunca, nós que somos minoria aqui temos que ser leais à Constituição, sob pena de estarmos sendo desleais com a democracia.

    Eu vim à tribuna, porque eu espero que os Anais registrem. Não vim aqui para gritar, para tripudiar com um colega. Não vim aqui para ser juiz de ninguém. Não vim aqui para tentar salvar ninguém. Eu vim aqui para reafirmar o compromisso, que foi meu juramento, de lealdade à Constituição. Se há algo que precisa de salvamento, que precisa ser salvo neste momento no Brasil, são a Constituição, as leis e o Estado democrático de direito.

    Obrigado, Sr. Presidente.

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR JORGE VIANA.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

    Matéria referida:

     – Significado de devido processo legal - Ricardo Lewandowski.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/09/2017 - Página 30