Discurso durante a 152ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre o artigo do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado pelo jornal O Globo, intitulado “Quais os Rumos do Brasil”.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA:
  • Reflexões sobre o artigo do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado pelo jornal O Globo, intitulado “Quais os Rumos do Brasil”.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2017 - Página 56
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
Indexação
  • COMENTARIO, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, REFERENCIA, SITUAÇÃO, POLITICA, PROGRESSO, BRASIL, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, PROJETO, ORGANIZAÇÃO, POLO DE DESENVOLVIMENTO, DEMOCRACIA, ANALISE, DEFESA, ORADOR, TEXTO.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Senador Elmano, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ontem eu li um artigo que concluía com um parágrafo que tem os seguintes dizeres:

Se não organizarmos rapidamente um polo democrático (contra a direita política, que mostra suas garras), que não insista [ou seja, que esse polo democrático não insista] em “utopias regressivas” (como faz boa parte das esquerdas), que entenda [volto a insistir, o polo democrático] que o mundo contemporâneo tem base técnico-científica em crescimento exponencial e exige, portanto, educação de qualidade, que seja popular, e não populista, que fale de forma simples e direta dos assuntos da vida cotidiana das pessoas [ou seja, o polo democrático; se não fizermos esse polo democrático], corremos o risco de ver no poder quem dele não sabe fazer uso ou o faz para proveito próprio. E nos arriscamos a perder as oportunidades que a História nos está abrindo para ter rumo definido.

    Senador Reguffe, esse parágrafo é de um artigo que eu li ontem do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. Eu vou resumir, porque é mais fácil ler, com tantos parêntesis e frases de certa maneira longas, do que falar. Lendo a gente entende melhor.

    Depois de um longo artigo sobre quais os rumos do País, o que ele diz é que, se não organizarmos rapidamente um polo democrático – e aí ele insiste – que perceba o avanço técnico que está ocorrendo no mundo – não podemos fechar os olhos –, que olhe para a frente e não para trás, como muitos – ele fala aqui das esquerdas, mas eu não vou citar apenas das esquerdas –, como muitos fazem e ficam olhando para trás, nós corremos o risco de entregar o poder a quem achamos que não devemos entregar. O título é "Quais os Rumos do Brasil?" e o que está por trás disso, Senador Elmano, é que nós perdemos coesão e rumo. O País está sem coesão nacional e sem rumo.

    E essa semana passada um grande jornalista brasileiro, que é o Roberto D'Avila, me perguntou, fora da entrevista que eu lhe dei: "Por que nós estamos nesta situação? E mais, por que nós não estamos vendo o caminho para sairmos disso?" Senador Elmano, no momento em que ele me fez esta pergunta, eu tive a sensação de que o Brasil vem caminhando dentro de um labirinto e perdeu a noção de como voltar ou de como sair e ir em frente. Nós já estamos há muito tempo no labirinto construído pelos conservadores: o labirinto da escravidão, o labirinto do latifúndio, o labirinto mesmo de um império, em vez de uma república, mas não dá para jogar a culpa no passado. Nós, esta geração, nós estamos nos embrenhando em um labirinto de posições ruins para o Brasil.

    Fizemos uma democracia e uma Constituição; maravilha. Mas fizemos uma Constituição que foi basicamente orientada para sair da ditadura, e não para construir o futuro. Tanto que nós criamos direitos que o regime militar tinha eliminado, mas não criamos os deveres, que cada um de nós tem que ter com a República e com a Nação. E aí começou o nosso labirinto: o labirinto dos direitos sem deveres.

    Esse labirinto de deveres e direitos terminou nos levando à pressão inflacionária. Essa pressão inflacionária até nós vencemos com o Plano Real, com a responsabilidade fiscal, mas não cumprimos plenamente isso, continuamos nos embrenhando no labirinto da dívida – dívida individual para trocar de carro a cada tanto tempo, para construir casas; os pobres para sobreviverem. Entramos no labirinto do endividamento e o Estado se endividou para fazer Copa, Olimpíadas, prédios majestosos – inclusive do Poder Judiciário, inclusive do Ministério Público, que luta contra a corrupção dos políticos, felizmente, mas não luta contra a corrupção das prioridades, fazendo palácios de vidro, de aço, quando, ao lado, as pessoas não têm casa, não têm saneamento.

    Nós entramos no labirinto do desperdício. Dobramos uma escada do desperdício, do endividamento. Nós entramos no labirinto da depredação ecológica e estamos pagando o preço: rios secando, cidades sem água, rios sujos. Nós fomos entrando em um labirinto depois do outro e ficamos nos perguntando como sair do labirinto. E, por trás de tudo isso, nós não fizemos o que era necessário para não ficar no labirinto, que era educação de qualidade para todos, que era garantir que neste País, a cada criança que nascesse, todos soubessem, vai haver uma escola de qualidade e tão boa qualidade para uns quanto para outros, independente da renda, independente do lugar. Talvez a maior causa de estarmos neste labirinto é não acreditarmos que é possível o Brasil ter escola de qualidade igual para todos. Não se acredita nisso.

    Eu já repeti, creio, aqui – e volto a repetir –, que eu lia recentemente uma entrevista com o ex-jogador de futebol Raí, que jogou no mesmo time que joga hoje o Neymar. E a jornalista perguntava sobre o que mais o havia surpreendido quando ele morou na França, jogando nesse mesmo time do Neymar. E o Raí responde, nesse lugar que eu li: "O que mais me surpreendeu na França é que os meus filhos iam na mesma escola que os filhos da minha empregada".

    Senador Elmano, eu fiquei tão impactado com aquela frase, que eu procurei o telefone e liguei para ele, para saber se era verdade. Primeiro, se era verdade que ele tinha dito; segundo, se era verdade que havia sido a coisa que mais o impressionou na França, mais do que torre Eiffel, mais do que todas essas coisas que lá vão ver os turistas. E ele me confirmou que, de fato, isso era o que mais o havia impressionado positivamente.

    Por que é que os franceses fazem e nós não fazemos? E esse é o caminho para sair do labirinto. Labirinto que nós, aqui nesta Casa, temos ampliado, ao não darmos os exemplos devidos à juventude, sobretudo. Labirinto em que entramos por conta das mordomias que têm o Poder Público no Brasil, no Executivo, no Legislativo e, sinceramente, ainda mais no Judiciário.

    Esses maus exemplos que vamos dando à população são os que agravam a situação e que fazem o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ex-Presidente, escrever um artigo em que levanta a hipótese de que, se nós não fizermos um dever de casa que precisamos fazer, caminhamos para depois lamentarmos que o povo pode estar empurrando a política brasileira para uma situação de retrocesso na democracia.

    O povo quer ter o poder de escolher as coisas pelas urnas. Mas quando ele sente que há um caos, que há uma insegurança, que as coisas não funcionam, que os dirigentes não dão bons exemplos...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – ... o povo é capaz de abrir mão do poder de determinar as coisas pelas urnas e aceitar ser controlado pelas armas.

    E aí a gente joga a culpa nos que usaram as armas. Não: a culpa é nossa, que não soubemos usar as urnas. E não estamos sabendo. Tanto não estamos sabendo, que nos deixamos levar para dentro desse labirinto em que está o Brasil, um labirinto que vem das esquinas que nós dobramos, tomando decisões equivocadas. Decisões equivocadas que vão nos embrenhando num labirinto do qual não sabemos, hoje, como sair. E o povo não se satisfaz com que não saibamos como sair. O povo quer uma saída.

    E se nossa geração, nós, hoje, os líderes, não formos capazes de encontrar essa saída, e muito rapidamente, a saída virá por fora de nós, por cima de nós, os líderes de hoje, os políticos, os civis. E não joguemos a culpa nos outros. Não joguemos a culpa nos que passarem por cima de nós, porque eles passarão, porque nós não fomos capazes de usar bem o poder que o povo nos deu pelas urnas.

    Creio que Fernando Henrique Cardoso alertou ao dizer: "É preciso um polo; é preciso que organizemos rapidamente um polo democrático, mas um polo que não insista em utopias regressivas, que não insista e que entenda as mudanças que estão ocorrendo, hoje, no mundo contemporâneo, na ciência e na técnica. E não adianta querer lutar contra isso."

    Hoje a gente pode dividir os que estão aí na política em três grupos: os que recusam o avanço do progresso, os que aceitam os aspectos negativos do progresso... E um terceiro, que a gente precisa construir, com uma filosofia da construção, que seja capaz de dizer: o progresso é bom e temos que aproveitá-lo. Mas precisamos usar da ética e da política para corrigir os defeitos que esse progresso traz consigo. Uma espécie de filosofia da construção, no lugar da filosofia da aceitação de que as coisas continuem desse jeito, e que não há como fazer diferente, e também da filosofia da negação, reacionária, contra o progresso. Este é o nosso desafio, uma filosofia da construção de um mundo novo.

    O Elmano é da minha geração, que acreditou tanto no desenvolvimentismo lá no Nordeste, como também o Armando, que é mais novo, mas também participou disso. Aquele desenvolvimentismo não dá mais resposta. Quantos de nós acreditou no socialismo? Aquele socialismo fracassou. Quantos de nós, às vezes, recusa o capitalismo, porque concentra renda, porque depreda a natureza? Mas é a realidade. A pergunta é como administrar isso, não é como se recusar; não é como aceitar do jeito que ele vem; mas como administrar, para trazer um progresso com cara humana?

    E, aí, não adianta olhar pelo espelho retrovisor, nem adianta apenas querer limpar o banco do carro. É preciso olhar pelo vidro da frente. É preciso olhar pelo para-brisa, lá na frente.

    Eu creio que, com outras palavras, foi nessa linha que o Fernando Cardoso escreveu ontem no O Globo. Só que eu acho que ele tem ainda idade e experiência para não apenas ficar escrevendo artigo, mas também para tentar nos ajudar, na construção desse polo democrático. E ele se esqueceu de dizer aqui que esse polo democrático... Mas está implícito: não é uma questão de siglas partidárias: A, B, C, D, E, F, G, H... Não. É uma questão de concepção de mundo, concepção de mundo democrático, concepção de mundo de oportunidades iguais para todos, concepção do mundo de equilíbrio ecológico, concepção do mundo de respeito ao equilíbrio fiscal. Tudo o que for feito tem que ser feito com responsabilidade fiscal. Compromisso e responsabilidade. É um desafio que ele faz e que, lamentavelmente, nós não estamos aqui sabendo fazer, com o devido cuidado, mas que, ao vir de um...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – ... ex-Presidente da República, com a formação intelectual e pessoal de Fernando Henrique, merece a nossa atenção. E é nesse sentido que eu vim aqui, fazer esse discurso.

    Citei apenas o último parágrafo, mas o artigo inteiro nos faz refletir sobre como parar de aprofundar, embrenhar-se num labirinto que parece não ter caminho de volta, e como encontrar um caminho. E que não seja de volta; que seja para cima; que seja para frente.

    E o Brasil tem tudo que é preciso para isto: tem um empresariado potente, criativo; tem líderes sindicais capazes de participar desse esforço; tem, hoje, 7 milhões de estudantes nas universidades; tem uma escola de qualidade deficiente, desigual, mas pelo menos quase todos matriculados nela. Precisa apenas que nós nos encontremos e criemos esse polo democrático...

(Interrupção do som.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Eu tinha concluído, Senador. Faltam apenas duas últimas palavrinhas.

    Quero dizer que precisamos nos encontrar aqui com o espírito de construir esse polo democrático que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso sugere. E eu gostaria muito que pudéssemos participar dessa construção, pois, se não fizermos isso, não seremos perdoados por esses jovens que eu vejo aqui nos visitando. Eles vão até um dia lembrar que assistiram a isso aqui e vão se perguntar de que adiantou aquela fala. Mas eu espero que, no futuro, eles olhem e digam "eu estava lá presente, quando se falou disso" e eles tenham conseguido levar o Brasil no bom caminho.

    É disto que nós precisamos: do bom caminho. Sair do labirinto dos erros em que estamos mergulhados e no qual muitos se acham prisioneiros. O Brasil não é prisioneiro; nós, os políticos, sim! Mas o Brasil vai encontrar o caminho...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Conosco ou o País, com outra geração.

    Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2017 - Página 56