Discurso durante a 153ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 7 de 2016, que dispõe sobre o direito da vítima de violência doméstica ter atendimento policial e pericial especializado.

Autor
Marta Suplicy (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Defesa da aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 7 de 2016, que dispõe sobre o direito da vítima de violência doméstica ter atendimento policial e pericial especializado.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2017 - Página 44
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI DA CAMARA (PLC), ALTERAÇÃO, LEI MARIA DA PENHA, ASSUNTO, AMPLIAÇÃO, PROTEÇÃO, MULHER, VITIMA, VIOLENCIA DOMESTICA, COMPETENCIA, AUTORIDADE POLICIAL, ENFASE, PRECARIEDADE, ATENDIMENTO, DELEGACIA DE POLICIA, IMPORTANCIA, RESPEITO, DIGNIDADE, AFASTAMENTO, AGRESSOR.

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP. Sem revisão da oradora.) – Esse projeto, o PLC 7, Sr. Presidente... Eu quero enfatizar mais uma vez a pertinência da proposta, porque eu acredito que nós estamos todos convencidos – quanto a isso não há discussão – de que, após 11 anos da vigência da Lei Maria da Penha, ela precisa de um aprimoramento. E a mulher brasileira continua com muita dificuldade de ter seus direitos.

    Não é apenas a falta de capacitação dos servidores públicos para lidar com as questões específicas da violência de gênero; não é apenas o fato de que os serviços especializados, as delegacias da mulher, as defensorias, as promotorias, as varas judiciais especializadas, estão limitados às capitais dos Estados. Então, são poucas as cidades que podem dar esse atendimento à mulher, que vai ter esse atendimento se estiver nas regiões metropolitanas do Brasil e na capital. Não é apenas a precariedade da rede de atendimento, que é incapaz de prover centros de referência e casas-abrigo em número e condições suficientes para atender à demanda. Aí nós temos o constrangimento, a frustração, o desamparo, que estão presentes em todo o percurso que a mulher faz, da denúncia até o julgamento.

    Ela é tratada com descaso, com desrespeito, como mero objeto de investigação, condenada a reviver, a cada novo depoimento, a cada nova audiência, a violência, agora institucional, de que ela foi vítima.

    Bom, o PLC 7 tem o mérito de reforçar o dever jurídico do Estado em assegurar a dignidade da vítima. Não é possível que aceitemos mais que as mulheres sejam constrangidas, quando não ridicularizadas, pela autoridade policial, quando tentam registrar uma ocorrência. É preciso assegurarmos que o atendimento seja feito de forma humanizada, por profissional especializado, preferencialmente do sexo feminino, em instalações adequadas, que respeitem a privacidade e as suscetibilidades do caso.

    Também fui relatora daquele projeto que proibiu que crianças vítimas de violência tenham que, continuamente, repetir o que elas passaram de humilhação. Nisso nós progredimos, porque conseguimos que elas fizessem só um depoimento gravado e tal.

    Não é a mesma coisa, mas me lembrou que é uma proteção no caso da exposição da mulher, porque esse atendimento à mulher vítima da violência tem que ser contínuo, ininterrupto. Não podemos, após a denúncia, abandonar a vítima à própria sorte. Nós cansamos, na comissão onde isso foi votado, de ver mulheres que chegavam lá, faziam a denúncia, o delegado não podia tomar providência nenhuma, o juiz ali não estava, e o que é que acontecia? Ela voltava para casa. E ela voltava para casa e apanhava de novo, e às vezes correndo até risco de morte, por ter ido à delegacia.

    Então, não é mais possível que medidas cautelares que visem a salvaguardar a integridade física das mulheres, em situação de violência, demorem dias ou meses. É necessário que asseguremos que os agressores sejam imediatamente afastados do contato com a vítima e com os seus familiares.

    Esta é, aliás, uma das principais inovações do PLC 7, que assegura que, verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade psicológica da mulher ou de seus dependentes, os próprios delegados ou delegadas de polícia possam aplicar, provisoriamente – esta palavra é importante –, medidas protetivas de urgência, sujeitas à confirmação judicial em até 48 horas.

    Quer dizer, a última palavra vai continuar sendo do juiz, mas ela não vai voltar para casa, para apanhar de novo, porque ele vai ser afastado. Então, isso é muito importante. E é importante que seja o delegado ou a delegada, e não qualquer autoridade policial.

    A principal controvérsia entre as emendas de plenário sugeridas ao projeto visava exatamente a expandir o alcance dessa prerrogativa a qualquer autoridade policial. Mas a CCJ já deixou claro, tanto no relatório do Senador Aloysio Nunes quanto no relatório do Senado Cássio Cunha Lima, que a autoridade policial a que se refere a proposta só pode ser o delegado ou a delegada de polícia, porque o nosso ordenamento jurídico não admite que nenhuma outra autoridade policial possa adotar, de ofício, medidas acautelatórias em meio à investigação criminal.

    Portanto, entendo que a proposta de correção da redação do projeto original, que eu mesma sugeri e que foi acolhida pelos relatores e aprovada pela CCJ, merece, sim, ser preservada. É importante que explicitemos que, como determina a lei, apenas o delegado ou delegada de polícia – e, mesmo assim, provisoriamente –, pode adotar medidas cautelares para preservar a vítima de violência doméstica. Senão, vai ser um novo festival de violência a que essa mulher vai ser submetida.

    Espero, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, que essas mudanças que visam aperfeiçoar os dispositivos da Lei Maria da Penha possam não apenas reduzir o constrangimento, mas sobretudo estimular as mulheres em situação de violência a buscar o amparo do Estado. Muitas mulheres não vão à delegacia buscar esse amparo, porque elas sabem que vai demorar e que o risco depois de apanharem é muito grande.

    Se já não é fácil superar toda a fragilidade e a vulnerabilidade inerentes à situação, mais difícil ainda é enfrentar o fato sem a perspectiva de um genuíno acolhimento. E é disto que precisam essas mulheres: acolhimento. A mulher brasileira precisa perceber que ela não está sozinha, que a violência de que é vítima não é ocasional, mas sistemática, que não é episódica, mas estrutural, que não é pessoal, mas cultural. Os números falam por si.

    Segundo o Relógios da Violência, do Instituto Maria da Penha, a cada 7,2 segundos uma mulher é vítima de violência neste País. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou, em 2015, um estupro a cada 11 minutos. E veja, Sr. Presidente, que estamos falando aqui apenas dos casos notificados oficialmente. Segundo o Mapa da Violência, 13 mulheres são assassinadas por dia, no Brasil, vítimas de feminicídio. Muitos casos poderiam ter sido evitados se o agressor tivesse sido afastado no dia em que ela foi fazer a queixa.

    E é uma violência tanto mais perversa quanto melhor percebemos que, na maior parte dos casos, atinge os mais fracos: as crianças, os adolescentes, e surge de onde menos se espera: das pessoas mais próximas, justamente daqueles de que a vítima, muitas vezes, depende financeira ou emocionalmente. Principalmente, nós sabemos que essa violência... A gente faz lei, a gente aprova lei, fica contente com as aprovações, mas a gente vê que não está diminuindo a violência. O número de mulheres assassinadas por ex-parceiros e cônjuges, entre 2010 e 2017, já é 21% maior do que o verificado na década passada. E a Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, registra, por ano, mais de 700 mil atendimentos. Esses números de proporções assustadoras ainda não foram suficientes para que promovêssemos uma verdadeira mudança cultural, talvez porque a violência contra a mulher continue, em muitos casos, impune.

    Segundo levantamento realizado pelo portal G1, apenas 15,7% dos acusados de estupro foram presos no Estado de São Paulo entre janeiro e julho de 2017, e o levantamento da Human Rights Watch revela que, em Roraima – que infelizmente ostenta o recorde brasileiro de 11,4 mulheres mortas para cada 100 mil habitantes, que é o dobro da média nacional –, mais da metade das investigações de violência doméstica prescrevem sem alguém ser sequer acusado. Por incrível que pareça, dos 8.400 boletins de ocorrência acumulados na capital, Boa Vista, nenhuma investigação foi conduzida...

(Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) – ... como informou a própria delegada titular da única Delegacia da Mulher no Estado.

    Nós sabemos que as mudanças legislativas são apenas um primeiro passo e não têm condições de alterar, por si mesmas, a triste realidade. A Lei Maria da Penha tem uma repercussão incrível, e cabe-nos agora ampliar essa luta, humanizar o atendimento e conferir agilidade ao processo, para que as mulheres não tenham mais receio de recorrer à Justiça, e a redução do número de subnotificações exponha mais abertamente a face terrível dessa ameaça.

    Que façamos, pois, a nossa parte, porque basta de misoginia.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2017 - Página 44