Discurso durante a 157ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre os dados de evasão escolar no País.

Autor
Marta Suplicy (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO:
  • Comentários sobre os dados de evasão escolar no País.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2017 - Página 28
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO
Indexação
  • COMENTARIO, DESISTENCIA, ALUNO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, REFERENCIA, PUBLICAÇÃO, PESQUISA, JORNAL, VALOR ECONOMICO, IMPORTANCIA, ATRAÇÃO, JUVENTUDE, NECESSIDADE, INVESTIMENTO PUBLICO, IMPLANTAÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI DO SENADO (PLS), AREA, EDUCAÇÃO.

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Muito obrigada.

    Sr. Presidente, quase três milhões de jovens abandonam a escola no Brasil. Imaginem três milhões de jovens à deriva de uma vida promissora, de uma vida mais digna, até de constituir uma família! Um aluno a menos na escola pode representar um aluno a mais como aprendiz das ruas. E nós sabemos aonde vai dar isso. Essa evasão tem um custo social e privado de R$49 bilhões ao ano. A gente fala assim: "Essa meninada está nas ruas, não estuda, as escolas estão perdendo esses alunos adolescentes.", e isso fica no ar. Mas quando você percebe o que custa isso para o Brasil e o que custa isso em vidas futuras, vidas que poderiam ser produtivas, poderiam eu diria até ser mais felizes e tranquilas, e que não o são... Nós gastamos R$50 bilhões em educação por ano e temos uma evasão desse porte. Então, isso é um desperdício de recursos humanos, financeiros.

    Eu estava lendo uma matéria que saiu no jornal Valor Econômico sobre isso e que é bem interessante, porque fala exatamente dessa perda para a Nação com os jovens que não vão à escola ou que saem da escola. Isso é uma obviedade, porque manter fora da escola é um ônus gigantesco, mas é necessário escutar novamente que sai mais caro para o Brasil manter os nossos jovens fora da sala de aula do que educá-los. É disso que as pessoas não se dão conta, ou seja, sai mais custoso, é infinitamente mais doloroso em todos os termos o jovem estar fora da escola do que estar dentro dela. Essa reportagem mostra exatamente isso. É uma pesquisa Políticas Públicas para a Redução do Abandono e Evasão Escolar de Jovens, elaborada pelo Ensino Superior em Negócios, Direito e Engenharia (Insper).

    Bom, quais são os dados? São estarrecedores. Do total de 10,3 milhões de jovens, entre 15 e 17 anos – quer dizer, a meninada da população brasileira –, somente 8,8 milhões registraram-se em alguma escola no início do ano letivo. Quer dizer, nós estamos perdendo muita, muita garotada. Contudo, dessa população estudantil, 700 mil ainda abandonam a escola, ou seja, dos poucos que se inscrevem, há ainda um número grande que abandona a escola antes do final do ano. E 1,2 milhão são reprovados por mau desempenho ou por não comparecimento, atraso, etc.

    Então, nós estamos realmente com um problema sério. Detectamos mais ou menos isso quando vemos o número de jovens desempregados. Mas quando vemos os dados, percebemos a dimensão do problema.

    O estudo ainda acrescenta que aproximadamente 6,1 milhões de jovens irão concluir o ensino médio com, no máximo, um ano de atraso. E o impacto social resultante disso é irreparável no curto prazo.

    Se isso se tornar algo recorrente, nós vamos continuar estagnados no limbo dos países que não priorizam a educação. O Brasil continuará a ser um país de imensas desigualdades. Eu tenho a clareza, Senador Paim, de que, se não investirmos de forma correta na educação, nós não vamos sair do patamar em que vivemos. Os países que resolveram investir na educação focaram: "É aqui, é lá que nós vamos, é lá que nós vamos transformar o país." Eu espero que algum dia nós consigamos fazer esse tipo de investimento com prioridade na educação.

    Agora, vou continuar com a pesquisa. No ritmo da evolução da taxa de inclusão, nosso País levará, nada mais, nada menos, que 200 anos para atingir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e, em específico, a da universalização do atendimento escolar para a população entre 15 e 17 anos. Pelo PNE, essa meta deveria ter sido alcançada no ano passado. Pois é. Parece piada, porque, se se faz um plano que vai dar certo daqui a 200 anos, para que fazer plano? Está de brincadeira! Para que fazer plano?

    Precisamos pensar que a evasão de jovens da escola não é restrita ao Brasil: a média nacional é equivalente à de outros países da América do Sul e está até abaixo em âmbito global. Entre 2003 e 2013, o Brasil teve um progresso de apenas um ponto percentual – estamos falando de dez anos. No mesmo período, o Chile cresceu 15 pontos; nós ficamos iguais. De acordo com um pesquisador, se mantivermos a velocidade da última década, serão necessários 150 anos para alcançarmos os chilenos. De acordo com o estudo, seria necessária uma velocidade 23 vezes maior para universalizar o acesso de jovens à escola em uma década.

    Aí me pergunto: o que a gente deve fazer para tornar a aprendizagem algo mais atrativo para o jovem e evitar esse desengajamento? Construir um ambiente escolar mais agradável, mais atraente para esses adultos em desenvolvimento; uma linguagem, eu diria, mais moderna, uma linguagem que atraia o jovem, que faça com que o jovem queira ficar na escola, que ele sonhe chegar à escola, que seja um momento não só de encontrar os amigos, mas um momento de aprender, de ter conhecimento, de pensar nas oportunidades que aquele conhecimento está gerando, nas expectativas, na esperança.

    Eu sempre tenho a clareza de que não adianta só recurso; tem que se investir no professor. É o caminho! Se não investir no professor... E aí eu diria que, às vezes, empaca-se num corporativismo e fala-se: "Não; mas tem que ser o salário..." Salário tem que ter e tem que vir junto, mas tem que se investir na formação.

    E, se a formação hoje é tão deficitária, nós temos que investir em cursos de formação que sejam oferecidos para esses professores, para que eles possam se aprimorar, para que eles possam ter uma aprendizagem contínua também. Eu diria até que seja complementar à que eles tiveram ou não tiveram na sua formação. E isso implica haver professores que sejam dedicados; e eu vejo que a maioria dos nossos professores são dedicados, são missionários, senão eles não estariam nessa missão, porque hoje apanham do aluno.

    Lembro-me daquela professora que salvou aquelas crianças da creche; foi uma heroína, uma professora completamente dedicada ao ensino. É uma missão mesmo. Mas só isso não basta. Nós vamos ter que investir na formação.

    E eu diria que a família é a primeira escola; portanto, os pais têm que ser conscientizados. Eu não diria que esse é o maior problema, não; a família sabe. Toda família sabe, seja pobre ou seja rica, que a escola é o caminho para a sua criança. É o caminho... Eu não diria nem de ascensão social, o que muitos podem pensar também; mas é o caminho para ser alguém na vida no sentido pleno. Pode ser para um sucesso financeiro, mas pode ser para um sucesso quanto ao que escolher fazer; mas, principalmente, para ter a possibilidade de poder escolher na vida o que se vai ser, de poder realizar a sua vocação.

    Agora eu estava falando e estava lembrando, quando a gente fez os CEUs em São Paulo, na época em que os CEUs tinham tudo, inclusive as orquestras de cordas, com 21 mil instrumentos, quantos meninos ali iam para a orquestra, escolhiam um instrumento sem nunca ter visto um instrumento, e quantas surpresas nós tivemos.

    Eu lembro um caso específico, Senadora Regina: um menino começou a apresentar um problema na mão, o que não o permitia tocar violino direito. E o maestro veio falar comigo: "Prefeita, eu não sei o que fazer, porque eu nunca estive em frente a um gênio. E esse menino não vem ao ensaio direito, vem com a mão toda machucada." E aí fomos perguntar ao menino, e ele foi muito relutante em contar, mas acabou contando. Sabe por quê? Porque ele catava entulho com o pai no final de semana, na carrocinha do pai. Esse é o menino que hoje toca numa grande orquestra; um talento de que nós nunca saberíamos; e ele nunca chegaria próximo a potencializar aquilo tudo com que nasceu, porque talento para a música é bastante nato, não é?

    Bom, voltando ao estudo: ele acrescenta que aproximadamente 6,1 milhões de jovens vão concluir o ensino médio... Não, desse eu já falei. Espere aí.

    Nós precisamos pensar... Também já falei que muitos países da América do Sul têm evasão grande e que o Brasil está no páreo da evasão, que não é um páreo muito lindo, não é?

    E, agora, eu também gostaria de falar que nós temos que fazer este esforço em relação aos professores, de melhores recompensas também para eles, de estruturação das escolas para os receberem.

    Eu não esqueço que, no governo da Luiza Erundina, trabalhei muito próxima a Paulo Freire, na educação sexual nas escolas, e ele falava, eu lembro: "Marta, tem que ter beleza; as crianças têm que entrar num lugar muito diferente da casa pobre de que eles veem, onde falta vidro na janela, onde as coisas não funcionam, onde a comida, às vezes, não chega para todos." E isso sempre ficou na minha cabeça.

    Quando a gente desenvolveu os CEUs, na Prefeitura de São Paulo, era esta ideia: tem que dar aquele ambiente que a criança não tem, que ela não conhece. E ela começa a pensar em novas oportunidades, até em outras profissões. Eu lembro que eu falava com as crianças, fizemos uma pequena pesquisa para saber o que elas esperavam ser, e o sonho era ser paquita na época e, para o menino, era ser Ronaldinho na época, porque eles viam que era como poderiam sair daquele lugar em que estavam. Mas aí, com uma escola bonita, com possibilidades, a criança passa a pensar que pode ter outra profissão, que não precisa nem ser a do pai, porque, muitas vezes, o pai nem está ali tão presente, nem a da artista da televisão, porque vai ser muito difícil. Ela pode conseguir outras coisas. A escola tem de ser isso, uma escola aberta.

    E essa história ridícula de ficar falando que não pode haver escola sem partido... Gente, escola é para pensar, escola é para ter um professor que pensa diferente do outro, é para o aluno ser instigado a chegar em casa e ter esse debate com o pai, com a mãe; é para o aluno poder fazer um grupo para pensar diferente do professor ou pensar igual.

    Alguém aqui que está me ouvindo pensa hoje igual ao que pensava quando tinha 15 anos? Não pensa! Mas por que pensa, adquire a função pensamento? É porque é instigado a pensar, tem bons professores que o estimulam. Isso é escola de verdade.

    Quero terminar dizendo que relatei, na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, o PLS 525, de 2009, que faz constar em lei a comprovação de condições adequadas de construção e de equipamentos pedagógicos para o funcionamento de escolas de educação básica. Esse projeto pode auxiliar muito a atração – aquilo que eu mencionava – pelo ambiente escolar e pode também dar mais efetividade aos esforços de construção de sistemas de ensino eficientes, que vão garantir uma educação melhor.

    A outra relatoria que também proferi tratou de dar suporte mais sólido ao ambiente escolar. É o PLC 76, de 2011, que torna obrigatória a oferta de serviço de psicólogo da educação nas escolas públicas do ensino básico. Hoje, há a automutilação, há a internet ensinando tudo que não pode também, há o bullying na escola, o bullying cibernético, agressões que envolvem professores. Mais do que nunca, nós precisamos cuidar. Cuidar!

    O professor também está abandonado, o professor não tem o tempo hábil, nem a formação para lidar com essa precariedade com que os alunos chegam, com a violência com que chegam, com a raiva com que muitas vezes chegam da situação em que vivem ou que aprendem em casa.

    Sempre achei que seria muito adequado – pode ser um psicólogo, mas acho que também pode ser um professor mais sensível – que, na sala dos professores, na reunião dos professores, possam conversar sobre aquele aluno que era quietinho e que, de repente, começa zoar, e o professor não consegue dar aula; há alguma coisa errada. Da mesma forma, se aquele aluno que era muito efusivo virou mau aluno, fica quieto e tímido, de lado, muitas vezes isso é sinal de abuso sexual; o outro que fica lá tentando ser o engraçadinho tem algum problema, mas não sabemos qual é. Mas, se há algum professor que possa ajudar o professor a detectar esse aluno que está com comportamento estranho, que está atrapalhando a escola ou que mudou de comportamento, isso pode ajudar muito. Esta pessoa na escola, o psicólogo ou um professor que faça esse papel, pode conversar com esse aluno, pode visitar a família. Aí, o assistente social pode entrar.

    Todos esses instrumentos modernos temos de pôr à disposição hoje do nosso aluno.

    Era essa a minha conversa com vocês que estão assistindo hoje, falando da grande preocupação que nós temos de ter com a educação dos nossos jovens e com a alocação de recursos da melhor forma possível; e, principalmente, da preocupação com o nosso professor.

    Obrigada, Senador Paim.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2017 - Página 28