Discurso durante a 158ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Críticas à Portaria nº 1.129/2017, editada pelo Ministério do Trabalho, que trata do trabalho escravo.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Críticas à Portaria nº 1.129/2017, editada pelo Ministério do Trabalho, que trata do trabalho escravo.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2017 - Página 10
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO DO TRABALHO (MTB), MOTIVO, EDIÇÃO, PORTARIA, ALTERAÇÃO, CONCEITO, TRABALHO, ESCRAVO, BRASIL, SOLICITAÇÃO, SENADO, APROVAÇÃO, URGENCIA, PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO, SUSTAÇÃO, NORMAS, REGISTRO, GREVE, AUDITOR, RELAÇÃO, FATO.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Presidente, Eunício Oliveira, eu venho à tribuna, nesta manhã de quinta-feira, falar do tema de que o Brasil todo está falando e o mundo está falando. Refiro-me à Portaria 1.129, de 13 de outubro de 2017, editada pelo Ministro do Trabalho, que altera profundamente o conceito de trabalho escravo no Brasil, dificulta a fiscalização e, praticamente, segundo os especialistas, revoga, de forma indireta, a Lei Áurea.

    Da leitura do art. 149 do Código Penal, nota-se claramente que, para definir o trabalho escravo moderno, exige-se a ocorrência de um dos quatro elementos, a saber: trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes ou jornada exaustiva. A referida portaria retira da definição de condição análoga à de escravo as condições degradantes, estabelecendo a existência de cerceamento de liberdade como condicionante para a sua demonstração, bem assim para a jornada exaustiva. Ou seja, desaparecem os dois instrumentos principais que o Brasil e o mundo aprenderam a respeitar para combater o trabalho escravo. Outro ponto grave: a portaria impõe a ausência de consentimento como cláusula para demonstrar trabalho forçado. É notório, Sr. Presidente, que a portaria extrapolou os limites, avançando em matéria reservada a lei em sentido estrito, além de usurpar o papel do Congresso Nacional. A portaria evidencia a falta de compromisso no combate ao trabalho escravo.

    O trabalho escravo é a face mais cruel do tratamento desumano e a forma mais vil de atacar a dignidade da nossa gente, do trabalhador. Infelizmente, apesar de todo o esforço, ainda convivemos num Brasil com essa prática nefasta. Segundo dados do próprio Ministério do Trabalho, nos últimos 20 anos, 50 mil trabalhadores em situação análoga à da escravidão foram salvos, resgatados, o que significa, na verdade, que há um número ainda muito maior de pessoas que permanecem em condições desumanas. De fato, de acordo com as estimativas divulgadas por organizações, há, neste País, mais de 150 mil trabalhadores em situação análoga à de escravo.

    A escravidão moderna, segundo o economista e professor da Universidade de Harvard, Siddharth Kara, é 30 vezes mais lucrativa do que a escravidão praticada nos séculos XVIII e XIX. Segundo o economista e professor, o lucro total auferido por esse mercado infame, desumano, cruel e assassino, eu diria, porque muitos morrem sob a escravidão, atinge a cifra anual de US$150 bilhões, dos quais 50% provêm da exploração do trabalho escravo, da exploração sexual de mulheres e crianças.

    As diversas entidades ligadas ao mundo do trabalho manifestaram-se, ontem e hoje também, contrárias e lembram o retrocesso que representa essa portaria para o combate ao trabalho escravo.

    Sr. Presidente, ontem a Procuradora-Geral da República, numa postura que tem que ser elogiada pelo Brasil e pelo mundo, abriu um procedimento formal para investigar a edição da dita portaria. Recomendou ao Ministro do Trabalho que revogue essa portaria no prazo de dez dias, pois está eivada de vícios de ilegalidade, afrontando as Convenções nº 28 e 105 da OIT, ao condicionar a caracterização de trabalho escravo contemporâneo à restrição de liberdade de locomoção da vítima.

    Sr. Presidente, o apelo que eu faço aqui a V. Exª é que seria fundamental que esta Casa aprovasse a urgência para a aprovação do PDS 190, de 2017, assinado por diversos Senadores. Eu fui um deles. Esse, no caso, Sr. Presidente, assinado também por Senadores que não estão aqui presentes, mas pediram que eu registrasse a presença, como o Lindbergh, o Paulo Rocha, a Senadora Regina Sousa e outros Senadores.

    Concluindo, Sr. Presidente, em 21 Estados, foi decretada greve dos auditores em relação a essa portaria.

    A PEC, Sr. Presidente, que trata do trabalho escravo foi aprovada por esta Casa, em um amplo acordo, em 2014. Depois o Relator foi indicado, o Senador Romero Jucá. Foi feito um grande acordo, Sr. Presidente, e foi passado para que eu fosse o Relator desta regulamentação da PEC. Estamos próximos a construir um grande acordo, Sr. Presidente.

    Senador Cristovam Buarque, com enorme satisfação, concedo um aparte a V. Exª dentro do meu tempo – e, de fato, eu estava terminando.

    V. Exª está com a palavra.

    O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Senador Paim, eu fico satisfeito que o senhor tenha trazido o assunto e acho que ninguém aqui tem mais credibilidade do que o senhor sobre isso. Eu creio que é um dos gestos mais absurdos do Governo do Presidente Temer – e olhe que ele tem cometido muitos atos absurdos. E, nesse caso, não basta esse decreto legislativo. Acho correto prepará-lo, mas, se o Presidente não demitir esse ministro, ele, de certa forma, está sendo conivente. E é por não demitir ministros que fazem coisas desse tipo – e a cada dia a gente descobre que tem mais um ministro fazendo algo desse tipo, que depois ele até veta ou suspende, como recentemente a proposta de abrir para exploração uma área protegida na Amazônia – a ponto que deve ter gente se perguntando se ele não combina com o ministro para o ministro fazer em um dia e ele vetar no outro. Ele fica bem e o ministro continua no cargo. Eu quero aqui enfatizar que algo desse tipo não é apenas um simples erro, não é apenas um retrocesso social, como alguns têm dito. É mais do que isso, é a sinalização de um crime contra a humanidade, em um País onde, durante 350 anos, condenamos os negros à escravidão; onde fizemos a abolição sem dar escola e sem distribuir terras para os ex-escravos. Mantemos até hoje preconceitos raciais, embora alguns digam que isso não exista. Mas está aí, na cara: entre os analfabetos, a imensa maioria é de negros; entre os que não terminam o ensino médio, a imensa maioria é de negros; os salários dos negros são mais baixos. Tudo resquício da escravidão. E vem um decreto desse tipo. Ainda que não fosse ruim, e é muito ruim, seria um símbolo negativo de uma marcha para o progresso do tratamento condigno de todos os brasileiros, sem essa diferenciação entre alguns...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – ... que terminam sendo escravos do tipo do século XXI, que não é igual ao anterior, mas também é imoral. Esse é um decreto imoral, e eu devo dizer aqui: o Presidente deveria fazer o gesto de demitir esse ministro. Lamento que, no Brasil, diferente de outros Estados, o Parlamento não possa demitir um ministro nem chamá-lo aqui para se explicar e retirar a confiança dele. Mas fica aqui, pelo menos, a minha fala de que apoio o seu discurso. Fico feliz em ouvi-lo falando isso e acho absolutamente normal. Sabia que o senhor iria tocar no assunto. Fica aqui minha cobrança ao Presidente da República de tomar um gesto...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – ... duro em relação a isso, feito por um de seus ministros.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Senador Cristovam, eu tenho...

    O SR. PRESIDENTE (Eunício Oliveira. PMDB - CE) – Senador Paim, eu vou recuperar o tempo de V. Exª.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Senador Cristovam, nós tivemos um desencontro.

    O SR. PRESIDENTE (Eunício Oliveira. PMDB - CE) – E, na sequência, vou abrir a...

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – E eu fico até um pouco emocionado com V. Exª. Essa questão a gente vai resolver, eu tenho certeza.

    Quero cumprimentar muito V. Exª. Teria de vir de V. Exª, em um momento como este. Nós estávamos sem nos falar há um ou dois meses e V. Exª, em um momento bonito como esse, me faz... Eu não esperava de outra pessoa, neste momento, a não ser de V. Exª. Eu tinha certeza de que, se V. Exª estivesse no plenário, faria esse tipo de encaminhamento. Quero agradecer muito a V. Exª. Faço questão de que conste aqui do meu pronunciamento a fala de V. Exª. Eu fico feliz que esse incidente resolvamos nós aqui, no plenário e, ao mesmo tempo, passemos a dialogar, como sempre dialogamos ao longo das nossas vidas.

    Obrigado, Senador.

    O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Eu é que agradeço.

    O SR. PRESIDENTE (Eunício Oliveira. PMDB - CE) – Senador Paim, sinceramente, eu quero falar ao Brasil para dizer que, cada dia mais, tenho admiração por V. Exª, porque V. Exª é sempre ponderado, equilibrado, tem posições firmes, mas é sempre um homem do diálogo e tem demonstrado isso nesta Casa. Então, como Presidente da Mesa, quero, mais uma vez, dizer a V. Exª que fico feliz por ouvi-lo fazer exatamente esse depoimento que faz V. Exª neste momento.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2017 - Página 10