Discurso durante a 158ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Críticas à recente portaria editada pelo Ministério do Trabalho por supostamente promover retrocessos na legislação trabalhista relativa ao trabalho escravo.

Autor
Paulo Rocha (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Paulo Roberto Galvão da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Críticas à recente portaria editada pelo Ministério do Trabalho por supostamente promover retrocessos na legislação trabalhista relativa ao trabalho escravo.
Aparteantes
Paulo Paim, Simone Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2017 - Página 36
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO DO TRABALHO (MTB), MOTIVO, EDIÇÃO, PORTARIA, OBJETO, REGULAMENTAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, SOLICITAÇÃO, REVOGAÇÃO, NORMAS.

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho um pronunciamento aqui escrito, em que falo sobre a questão da portaria e a questão do trabalho escravo no nosso País, em que denuncio naturalmente a portaria, em que falo da greve dos auditores fiscais, em que falo da repercussão internacional que o Governo ilegítimo de Michel Temer traz, mais uma vergonha internacional com esta portaria, em que falo da questão da lista suja, enfim, em que trato dessa questão, mas não vou lê-lo e quero falar aqui dos meus sentimentos nesse processo.

    Acho que essa portaria, além de ilegítima e insensível, é um verdadeiro retrocesso, é uma posição indigna e desumana, que envergonha nosso País. Acho que nós tínhamos já avançado, conquistado muitos avanços no desenvolvimento econômico, social e humano no nosso País, mas essa portaria nos retrocede a séculos atrás, quando vivíamos em submissões dos grandes senhores feudais.

    Eu vou querer fazer questão de recuperar a história desse processo aqui, porque estou muito ligado a isso na minha militância sindical, na minha militância política e na minha presença no Congresso Nacional – não só minha naturalmente, outros companheiros participaram desse processo –, mas eu queria recuperar aqui esse processo de combate ao trabalho escravo, que se iniciou na década de 90, ou melhor, a questão mais legislativa se iniciou aqui, porque chegamos aqui e naturalmente repercutimos a nossa vivência de militantes sindicais e de lutadores sociais para realmente criar leis, legislação que combatesse essa vergonha que envergonha e envergonhava o nosso País.

    A lei de combate ao trabalho escravo é de minha autoria. Depois, há outra PEC que conseguimos aprovar e que é a chamada PEC do trabalho escravo, em que colocamos na Constituição aquela mesma concepção sobre as terras onde foram pegas plantações de psicotrópicos, que os nossos Constituintes da época incluíram na Constituição. Pois bem, paralelo a isso, nós criamos a PEC do trabalho escravo, em que as fazendas onde fosse pego trabalho escravo seriam confiscadas para ficar a serviço da reforma agrária. Foram legislações fundamentais, estratégicas para o desenvolvimento humano e para apagar de uma vez por todas a chaga da história de escravidão do nosso País.

    Pois bem, o que é que a lei do combate ao trabalho escravo diz? É a inclusão de três artigos no art. 149 do Código Penal, que caracterizam o que é trabalho escravo. E conseguimos aprovar, negociando inclusive com todos os setores, inclusive os nossos representantes dos ruralistas na época, representados pelo então Deputado Ronaldo Caiado. Foi processado isso.

    Claro que, quando nós chegamos aqui para denunciar, como movimentos sociais denunciavam a existência de trabalho escravo no nosso País, principalmente no meu Estado, que era o campeão disso – foi isso e a minha atividade sindical como Presidente da CUT no Pará –, eu trouxe para cá naturalmente essas mazelas para repercutir aqui e, através de legislação, criar as condições de o Estado brasileiro combater essa chaga que ainda existia no nosso País.

    Pois bem, a caracterização do que é trabalho escravo é o cidadão trabalhador levado lá para o interior da Floresta Amazônica sem as mínimas condições de reagir àquela condição de trabalho degradante, sob vigilância, sob endividamento, um conjunto da estrutura que impede que ele saia daquela condição de trabalhador submetido àquelas condições. E já existiam e já existem leis trabalhistas também que diferenciam o que é trabalho escravo e o que é uma infração trabalhista, uma falta de assinatura de carteira, as condições de trabalho nas fazendas, ambientais ou um ataque à saúde do trabalhador etc.

    Quando nós conseguimos aprovar essa legislação, ainda na época do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, aí quando chegou ao Ministério do Trabalho, foi criado lá – ainda na época, eu me lembro de que a diretora do setor lá se chamava Ruth – o grupo móvel para fazer a fiscalização nos Estados, uma vez que os fiscais locais poderiam estar influenciados pelo poder econômico etc. e tal. Então, foi criado o grupo móvel, para poder movimentar os fiscais de todo o Brasil que fiscalizariam aquela questão. E aí eu quero recuperar uma conversa que eu tive com o então Deputado Ronaldo Caiado de que essa questão do trabalho escravo não ficasse vinculada só ao campo, ao trabalho rural. E nós, então, conjuntamente, colocamos também na lei que tinha que ser trabalho escravo no campo e na cidade, para poder caracterizar que também existia trabalho escravo na área urbana. Isso foi feito. Exatamente, qual era o argumento? Para que os nossos produtos exportados não ficassem com esse carimbo de que eram produtos feitos por mãos do trabalho escravo etc. E aí, como consequência disso, criou-se a lista suja, que era exatamente para separar o joio do trigo, para separar, como há em todo o qualquer lugar, o mau e o bom.

    Eu queria dialogar aqui com todos que é uma lei que não é contra, no caso, o agronegócio, pois nós sabemos a importância que tem o agronegócio para o nosso País, os grandes produtores rurais. Ao contrário, era inclusive para beneficiar, exatamente por causa do nosso comércio internacional, para não ficar com as nossas produções rurais, principalmente do agronegócio e da exportação, caracterizadas como se fossem produção a partir do trabalho escravo. E, por isso, se criou a lista suja, para separar exatamente o bom empresário, que é naturalmente a maioria do nosso País, mas há no campo... E já foi caracterizado isso com verdadeiras libertações de verdadeiros exércitos de mão de obra, principalmente no meu Estado. Então, também falo para os companheiros, porque aqui já foi provocado esse debate, principalmente pelo nosso Senador Cidinho, que, naquele momento, quando nós aprovamos esse tipo de lei, não foi contra o empresário rural, mas para combater o trabalho escravo então existente. E a lista suja também foi criada, inclusive na época do Fernando Henrique Cardoso, exatamente para separar o joio do trigo, assim como o grupo móvel, que era para criar as condições de combate ao trabalho escravo, que era um reclamo da sociedade.

    É só para ficar claro e para caracterizar exatamente que essa portaria é uma vergonha, é um retrocesso, porque coloca por terra todos esses avanços construídos aqui entre aqueles que representavam o trabalho... E aqui recupero essa nossa luta, principalmente minha e do companheiro Paulo Paim, quando ele era Presidente da Comissão do Trabalho, e eu era Vice-Presidente. Foi a partir disso que nós criamos lá um fórum, uma subcomissão para poder fazer esse debate. Foi daí que surgiu a legislação de combate ao trabalho escravo, partindo de um projeto de minha autoria, que era a mudança de três artigos do Código Penal. Se não me engano, é no art. 149 que está lá caracterizado o que é trabalho escravo.

    Estou recuperando isso para mostrar que realmente – perdoem-me aqueles que estão hoje no Governo – é um verdadeiro retrocesso e coloca de novo o nosso País em uma vergonha internacional. O País volta novamente à lista suja da OIT. Fomos caracterizados, por essa legislação que nós conseguimos aprovar, como um dos principais países em termos de combate ao trabalho escravo, ao trabalho degradante. E agora, com essa portaria, revoga-se tudo.

    Então, não me venham justificar que a culpa é do fiscal ou que a culpa é da falta de uma legislação mais clara sobre essa questão do que é trabalho escravo e do que é infração trabalhista.

    Por isso, é fundamental trazer esse debate para cá. Não se trata de uma posição aqui de Governo ou de oposição, de representante dos trabalhadores ou de representante dos empresários. Não! É o resgate de uma legislação que criou condições de resgatar um trabalho digno, um trabalho humano, que possa produzir, com dignidade, as riquezas do nosso País.

    Eu mesmo, quando cheguei aqui como Senador – e ali está a Senadora Simone Tebet –, entrei também com um projeto de combate ao trabalho infantil. Aliás, num trabalho a quatro mãos, a gente arredondou um projeto capaz de ir ao encontro do combate ao trabalho infantil também, que é muito usado em nossos Estados, no dela, Mato Grosso, e no meu também – ainda sobre a questão do trabalho infantil, ou seja, na continuidade do avanço e da conquista do trabalho humano, da dignidade humana no trabalho.

    Portanto, nós estamos repercutindo para que o Plenário do Senado Federal possa, através do decreto legislativo que nós colocamos para ser votado, com os nossos Senadores e Senadoras, estancar, acabar com essa portaria, com a revogação feita pelo decreto legislativo, para que o País volte às conquistas e aos avanços da modernidade na relação entre capital e trabalho, e possamos todos desenvolver o nosso País – tanto o grande empresário rural, assim como os trabalhadores, com a sua dignidade, criando as condições de desenvolvimento do nosso País.

    Concedo um aparte a V. Exª, Senadora Simone.

    A Srª Simone Tebet (PMDB - MS) – Obrigada, Senador Paulo Rocha. O meu aparte é breve. Primeiro, quero parabenizar V. Exª pelo pronunciamento – mais um dentre tantos colegas que já subiram a esta tribuna, desde ontem, para tratar dessa questão. Mas V. Exª, mais do que muitos de nós – provavelmente mais do que eu –, tem condições de ocupar essa tribuna e fazer um resgate da história, da evolução, do quanto evoluímos em termos de legislação no que se refere aos direitos trabalhistas. E não são os direitos trabalhistas nessa briga, nessa dicotomia ideológica, que existe; mas resgatar realmente os princípios básicos e elementares da Constituição, a começar pelo princípio da igualdade. Daí partem todos os demais direitos de qualquer cidadão brasileiro. V. Exª, quando resgata a história, mostra que, em um passado não muito distante, nós tínhamos, no seu Estado e no meu, Mato Grosso do Sul, verdadeiros trabalhos análogos à escravidão. Em alguns casos até, verdadeiros trabalhos caraterizados – não análogos – como escravidão. Eu me refiro especificamente a um caso de Mato Grosso do Sul que acontecia nas carvoarias da região de Ribas do Rio Pardo.

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – Exatamente.

    A Srª Simone Tebet (PMDB - MS) – V. Exª lembrou, inclusive, uma servidora que foi fundamental para o processo. Graças, nos idos de 2002, 2003, a um programa de erradicação do trabalho infantil – e aí, também, relacionado à escravidão –, conseguimos erradicar, tirar crianças de carvoarias e os seus pais da escravidão. Lembro-me de um caso em duas fazendas de Mato Grosso do Sul, em Ribas do Rio Pardo, onde se constatou que havia uma criança de dois anos, acompanhando o seu pai, numa carvoaria, no trabalho. Nesse caso, o pai trabalhava 18 horas por dia; a mãe trabalhava e não recebia; e o pai recebia apenas comida, e não tinha carteira. O que é isso senão um trabalho escravo? Não é nem trabalho análogo ao escravo. Daí surgiu toda a legislação. Quero dizer, de forma muito objetiva, de forma técnica, que portaria, no Brasil, nunca revogou e jamais revogará uma lei. O Código Penal é claro ao dizer o que é trabalho análogo ao escravo. Qualquer portaria que tente regulamentar e contrariar o que dispõe a lei não só é inconstitucional e ilegal, mas uma afronta a esta Casa, que tem o poder constitucional de legislar. Portanto, naquilo em essa portaria contraria a lei e o Código Penal, nós podemos pegá-la e jogá-la no lixo. No mérito, Senador Paulo Rocha, V. Exª falou "governo". Aqui não há governo, nem oposição; essa é uma causa de todos nós, cristãos acima de tudo, cidadãos brasileiros acima de tudo, mas, mais do que isso, agentes políticos, que nada mais fizemos do que prometer honrar e cumprir a Constituição Federal. E, nesse aspecto, encerro a minha fala dizendo que, no mérito... E não vou entrar na questão do que diz a portaria, apenas quero dizer ao Ministro do Trabalho, ao Ministério do Trabalho e aos seus técnicos que, se há um problema – e acredito que haja realmente – de excesso de fiscalização em alguns poucos casos e de abusos em alguns poucos casos por parte de auditores fiscais do trabalho, que se resolva o problema, aí sim, baixando portarias para regulamentar de que forma é esse trabalho dentro do rigor da sua atividade.

(Soa a campainha.)

    A Srª Simone Tebet (PMDB - MS) – E até há portarias regulamentando o que já dispõe a lei, no que se refere ao abuso do exercício dessa atividade. No mais, os auditores fiscais do trabalho merecem o nosso reconhecimento. Como regra, fazem o seu trabalho. E, no que se refere ao cadastro, aquele que, de alguma forma, for autuado, não vai ter o seu nome, enquanto não tiver ampla defesa, contraditório... Tem recurso. Só em último grau, constatado, é que a legislação permite a inclusão do nome desse cidadão empregador, seja da zona rural, seja da zona urbana. Portanto, parabéns mais uma vez. Não é nem pelo pronunciamento de V. Exª; parabéns a V. Exª pela luta de V. Exª, por quase duas décadas, pela causa do cidadão brasileiro, do trabalhador e, principalmente, das nossas crianças. E infelizmente, no Brasil, ainda – poucas, é verdade –, são trabalhadoras. Muito obrigada.

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – Muito obrigada, Senadora.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – E há uma coisa: se o profissional – no caso, o fiscal – extrapolar, há o código de cada profissão, que pode ser regulamentado através de uma portaria, como bem diz V. Exª, para que o superior administrativo possa enquadrá-lo se houver alguma divergência. Mas não venham jogar a culpa para cima dos fiscais para resolver um problema de atraso em nosso País.

    Senador Paulo Paim.

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Senador Paulo Rocha, é bem rápido, um minuto, só para cumprimentar V. Exª pelo pronunciamento, na linha do que fizeram todos os Senadores. Nós, quando éramos Deputados ainda, travávamos esse bom diálogo – eu diria –, bom diálogo... E nesse momento eu lamentei muito. Eu tenho uma relação muito boa com o Ministro do Trabalho e tomei a liberdade de ligar hoje de manhã para o Ministério...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... no sentido de que essa portaria não tem razão de ser – não tem razão de ser! V. Exª está coberto de razão. Acredito até que o Ministro vai revogá-la, porque, veja bem, chegou ao ponto de a Procuradora-Geral da República dar dez dias para que a medida seja revogada. Nós, por iniciativa, junto a V. Exª, marcamos, em três comissões, de ouvir o Ministro: CCJ, Comissão de Assuntos Sociais e Comissão de Direitos Humanos. Nós, juntos a V. Exª, encaminhamos inclusive o decreto legislativo; nós, juntos a V. Exª – porque V. Exª nos orienta nessa matéria –, entramos até com uma ação no Supremo. Fere a Constituição, fere os direitos básicos na linha dos direitos humanos e fere os princípios da OIT, dos quais o Brasil é signatário. Então, V. Exª, com certeza, há de avançar nesse sentido.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Acredito que essa medida será revogada no máximo na semana que vem. Cumprimento também o Presidente Eunício, que entendeu o apelo que nós fizemos e já avisou que vai ler o requerimento na próxima terça-feira e que, mediante acordo, pode ser votado na terça ou na quarta. Essa não é uma questão de oposição ou de Governo; essa é uma questão de direitos da nossa gente, do povo brasileiro. Por isso, eu vi que, no requerimento que pede a urgência para liberar, tem até Vice-Líder do Governo que assinou – liderados nós todos por V. Exª. Parabéns, Senador Paulo Rocha. Tenho certeza de que vai dar resultado positivo, sem achar que o mérito é da situação ou da oposição; o mérito é de interesse do nosso povo, de toda nossa gente.

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – Obrigado, companheiro Paulo Paim. E, portanto, vamos esperar até terça-feira para discutir. E vamos dialogar respeitosamente e debater democraticamente com o Ministro do Trabalho, para que ele tome, quem sabe, a iniciativa de revogar essa portaria, que coloca o nosso País em retrocesso não só na democracia social, econômica e política, mas que tem também uma repercussão negativa para o nosso País.

    Portanto, não ao trabalho escravo, não à jornada exaustiva, não à condição degradante e desumana do nosso trabalhador brasileiro!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2017 - Página 36