Discurso durante a 158ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Reflexão acerca a distribuição mundial de alimentos, bem como sobre a responsabilidade do Brasil neste provimento.

Autor
Simone Tebet (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Simone Nassar Tebet
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO:
  • Reflexão acerca a distribuição mundial de alimentos, bem como sobre a responsabilidade do Brasil neste provimento.
Aparteantes
Reguffe.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2017 - Página 45
Assunto
Outros > AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO
Indexação
  • REGISTRO, CELEBRAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, ALIMENTAÇÃO, ENTENDIMENTO, ORADOR, FATO, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, ARMAZENAGEM, PRODUTO AGRICOLA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

    A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Obrigada, Sr. Presidente.

    Srªs e Srs. Senadores, o assunto que me traz a esta tribuna nesta tarde, de alguma forma, tem correlação ao tema debatido por alguns colegas no que se refere a essa portaria do Ministério do Trabalho relacionada a um possível retrocesso em relação ao trabalho escravo, porque também trato aqui de um dos direitos inalienáveis mais sagrados de qualquer cidadão brasileiro ou não. Estou tratando aqui, especificamente, de alimento, alimentação.

    Senador Reguffe, no último dia 16 outubro, segunda-feira, a Organização das Nações Unidas (ONU) celebrou o Dia Mundial da Alimentação, se é que podemos falar em celebração e usar esse termo quando sabemos que, no mundo, mais de 800 milhões de pessoas passam fome todos os dias. Nós celebramos aquilo que nos deixa felizes. No caso, nós poderíamos dizer que o que nós temos que fazer – e, talvez, seja o que a ONU quis fazer nesse caso – é mostrar exatamente a antítese da alimentação, mostrar que, no mundo moderno como o nosso, ainda impera a fome. A fome que atinge não só 800 milhões de cidadãos, seres humanos no mundo, mas é mais grave e mais triste, porque, desses mais que 800 milhões, que é praticamente toda a população da Europa, 150 milhões são crianças menores de 5 anos, crianças que dormem hoje sem saber se amanhecerão no outro dia. E, se amanhecerem, provavelmente, amanhecerão com a sua capacidade cognitiva reduzida, o que significa com cada vez menos condições de aprender e, consequentemente, poder ter, no futuro, um futuro; ou um futuro diferente. Com certeza, a ONU tenta lembrar nesse dia a barbárie humana.

    E aqui faço minhas, se é possível, as palavras de D. Hélder Câmara – abre aspas: "A fome dos outros condena a civilização dos que não têm fome".

    Presidente, Senador Davi, somos hoje 7 bilhões de seres humanos neste Planeta. A expectativa e as estatísticas mostram que, em 2050, seremos 9 bilhões. Serão 2 bilhões a mais de seres humanos a serem alimentados. Nós poderíamos, seguindo ainda os números, falar nas proporções, o que significa que nós teremos mais dez vezes a população do Brasil a alimentar. A pergunta que fazemos, neste momento, é se estaremos aumentando ou diminuindo o número de famintos.

    É verdade que, no Brasil, nós avançamos e avançamos muito na busca pela diminuição da desigualdade e da miséria. Mas as estatísticas também apontadas pelo IBGE são muito tristes: 7 milhões de brasileiros estão abaixo da linha da miséria; 23 milhões de brasileiros, sob a linha da pobreza, ou seja, não chegam a ter 75% da quantidade calórica de alimentos necessários para comer e consumir todos os dias.

    Este, que é o País considerado o celeiro do mundo, e é mesmo, avançou a passos largos no que se refere à produção. Hoje somos um dos países que mais produz grãos e carne. E também avançamos no que se refere à produtividade. Os números aqui também não nos deixam mentir. Somos grandes exportadores para todos os países do mundo. O agronegócio influencia a balança comercial brasileira. Nestes três anos de recessão, chegaríamos a um déficit de US$120 bilhões se não fosse o superávit do agronegócio em US$226 bilhões.

    Mais do que esses recordes sucessivos, também o Governo tem sido patrocinador do agronegócio. O Plano Safra, outro grande projeto do Governo, colocou à disposição do produtor rural R$190 bilhões em financiamento, inclusive em seguro rural, com juros baixos, abaixo do mercado, inclusive neste ano menores do que os do ano agrícola passado.

    É verdade que os números não são só positivos, de um lado, no que se refere ao incentivo do Governo e também ao resultado que o agronegócio dá para o próprio Governo e para o próprio País, mas também no que se refere à quantidade de alimentos que são colocados não só na mesa dos trabalhadores brasileiros, mas também do mundo.

    Os recordes são anuais. Mato Grosso do Sul, este ano, vai ter o maior recorde agrícola da sua história, dos seus 40 anos de existência. Segundo expectativa, nós estaremos fechando o ano com 20 milhões de toneladas de grãos. Mato Grosso, o maior Estado produtor de grãos do mundo, nosso Estado mãe, também terá a sua maior safra de todos os tempos.

    Mas o grande problema da alimentação não está apenas na produção, mas principalmente no fato de que nem tudo o que é produzido consegue chegar à nossa mesa. E não chega à mesa por dois grandes fatores: pela perda, de um lado, na comercialização; e pelo desperdício, de outro, dentro de nossa casa. Aqui especificamente perda e desperdício não são sinônimos. A perda acontece lá mesmo antes da porteira, quando o produtor lança a semente na terra lavrada, e, muitas vezes, essa semente está mal guardada, muitas vezes mal manuseada. Ali se começa o desperdício. Continua da porteira para fora, quando ele pega a estrada sem asfalto, quando não se tem uma estrutura logística de transporte intermodal, porque o Brasil ainda insiste nessa ideia arcaica de investir em rodovias, esquecendo os grandes rios que nós temos e, portanto, as hidrovias, deixando sucateadas as nossas estradas de ferro, o nosso trem, o que é um verdadeiro desperdício de dinheiro e, mais do que isso, uma violação ao patrimônio público. A perda acontece e ela se estende na comercialização.

    Mas vamos ao desperdício, porque isso interessa a nós, está relacionado a nós e a nossa responsabilidade. O desperdício acontece dentro das nossas casas; quando compramos o produto no supermercado ou mesmo nas centrais de abastecimento e deixamos esse produto lá dentro do armário perdendo a validade, ou quando esbanjamos dentro na nossa mesa, querendo mostrar que fartura é sinônimo de alguma coisa positiva, quando fartura, neste caso, num País de desiguais, nada mais é do que se comprovar a indiferença de todos nós no que se refere àqueles menos favorecidos.

    Diante de tudo isso, eu venho à tribuna para lembrar que, nesta semana em que a ONU acaba de falar que temos que celebrar o Dia Mundial da Alimentação, nós temos aqui é que fazer uma reflexão, mudarmos o paradigma, um paradigma que só pode ser mudado através do desenvolvimento social e econômico do País, que passa, sim, pelo agronegócio, mas passa, acima de tudo, pela educação e pela conscientização do nosso povo.

    Também dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) comprovam que, se apenas os Estados Unidos e a Europa acabassem com o desperdício, eles seriam, sozinhos, capazes de acabar com a fome no mundo. Mas, vamos lá, isto é impossível: conscientizar todos, diminuir as perdas. Se houvesse, por parte desses países, Europa enquanto continente, e Estados Unidos enquanto país, a diminuição de apenas 20% desses desperdícios, hoje essas 150 milhões de crianças no mundo não estariam dormindo ou tendo o sono da morte, da possível morte.

    No Brasil, não é diferente. Segundo esses mesmos dados da Organização das Nações Unidas, as perdas acontecem mais nos países menos desenvolvidos, porque não têm a infraestrutura de transporte e se perde desde a produção até a comercialização. Mas o desperdício acontece mais nas mesas dos países ricos. E, para compensar, o Brasil é um misto disso tudo; híbrido, para compensar, sempre olhando aí o aspecto negativo, nós, quando fazemos a coisa errada, somos capazes de fazer sempre em dose dupla. Aqui no Brasil, nós perdemos muito e desperdiçamos demais.

    Diante de tudo isso, é importante nós fazermos uma reflexão. Quero aqui, na minha palavra final, dizer da nossa responsabilidade; a responsabilidade desta Casa; a responsabilidade do Governo Federal; a responsabilidade de se investir, sim, no agronegócio, na infraestrutura; de termos emendas parlamentares para podermos colocar na zona rural e também nas cidades, mas principalmente construindo pontes, estradas, investindo em rodovias, em hidrovias e em ferrovias, ajudando o agronegócio na construção de silos no armazenamento. Se na década retrasada, se lá nos anos 1990, nós tínhamos silos e armazéns suficientes para termos os nossos grãos devidamente armazenados e a capacidade era superior a que se produzia na época, hoje nós temos um déficit. Hoje nós plantamos, hoje nós semeamos, hoje nós cultivamos, hoje nós colhemos, e, muitas vezes, deixamos a céu aberto, porque o algodão não tem onde ser armazenado, a soja fica recebendo sol e chuva por falta de silos, por falta de armazenamento.

    Com muito prazer, concedo aparte ao Senador Reguffe.

    O Sr. Reguffe (S/Partido - DF) – Senadora Simone, eu quero apenas parabenizar V. Exª e dizer que sou testemunha aqui, nesta Casa, da luta de V. Exª em defesa da população e da economia do Estado do Mato Grosso do Sul. Eu vejo o esforço de V. Exª aqui na defesa do seu Estado, representando o seu Estado, lutando pelos assuntos do seu Estado, sempre com muita dedicação. E eu quero dar este testemunho a toda a população do Mato Grosso do Sul da dignidade do seu mandato e da luta que V. Exª tem travado nesta Casa em favor da população do seu Estado e das causas que são caras ao seu Estado. Eu queria dar este testemunho aqui. É uma questão de justiça.

    A SRª SIMONE TEBET (PMDB - MS) – Obrigada, Senador Reguffe. Eu fico muito feliz com o aparte de V. Exª porque sei, pela amizade que temos, que V. Exª fala, acima de tudo, com o coração.

    Tive o prazer e a grata surpresa de conhecê-lo quando aqui cheguei – chegamos juntos – e ver um jovem tão brilhante representando esta Capital, que é de todos nós, Brasília, e também o Distrito Federal.

    Fico mais feliz ainda, ao encerrar o meu pronunciamento, Presidente, de saber que falo tendo aqui, na plateia, jovens, futuros cidadãos e cidadãs que um dia estarão aqui e que estarão também dentro das suas casas e fora delas fazendo aquilo que nós queremos de todo cidadão: que exerça a sua cidadania, seja através do voto, escolhendo bem os seus representantes, seja, sim, fazendo aquilo que cabe a cada um de nós; não só esperar do Poder Público, mas fazer a sua parte. Para mudar o mundo basta que mudemos a nós mesmos. Se cada um mudasse a si mesmo, não precisaríamos talvez até, quem sabe, da classe política.

    E aí vem a mensagem final em relação à questão do alimento, em relação à fome.

    Quando nós pensamos em 800 milhões de pessoas passando fome diariamente, no mundo, isso já é assustador, mas é mais assustador ainda quando nós sabemos que, com pequenas ações e pequenos gestos, nós podemos fazer a diferença.

    Então, é esta a missão da nossa Casa, Senador Jorge Viana: se, de um lado, temos alimentos suficientes, mas concentrados e, portanto, perdidos e desperdiçados, capazes de alimentar o mundo; de outro, temos milhões de cidadãos, brasileiros ou não, famintos, também desperdiçados e perdidos, sem vida, apenas na sobrevida.

    Portanto, a nossa missão, a missão como cidadãos, a missão como Senadores, a missão desta Casa, a missão do Senado Federal é poder fazer com que sejam incluídos todos esses brasileiros nas nossas mesas de refeição.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.

    Muito obrigada, senhoras e senhores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2017 - Página 45