Pronunciamento de Roberto Requião em 31/10/2017
Discurso durante a 18ª Sessão Solene, no Congresso Nacional
Sessão Solene para realizar homenagem póstuma a Luiz Carlos Cancellier de Olivo, ex-Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
- Autor
- Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
- Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
- Casa
- Congresso Nacional
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM:
- Sessão Solene para realizar homenagem póstuma a Luiz Carlos Cancellier de Olivo, ex-Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
- Publicação
- Publicação no DCN de 02/11/2017 - Página 9
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM
- Indexação
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- HOMENAGEM POSTUMA, REITOR, UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC).
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Tempos difíceis e estranhos nós vivemos. Nós estamos com esta sessão no ar através da internet, mas dificuldades burocráticas farão com que ela seja reproduzida posteriormente na TV Senado. Mas ela não está sendo transmitida ao vivo na TV Senado.
Sinal dos tempos, Presidente!
Talvez fosse pedagógico, ou mesmo um exercício indispensável, que se estudasse a ascensão do fascismo na Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, e o fenômeno do macarthismo, nos Estados Unidos. Se assim o fizéssemos, dispararíamos todas as sirenes de alerta para avisar essa Pátria tão distraída que o monstro vem aí.
Um traço distintivo, característico da escalada fascista é o abuso de poder, a exorbitância, os excessos da autoridade. As ações imoderadas e arbitrárias são essenciais para que se imponha a ordem fascista. Ações que causem constrangimentos, espalhem o medo, acuem, humilhem, difamem. A polícia e órgãos vinculados à operação da Justiça são imprescindíveis para isso, assim como a colaboração dos meios de comunicação, amigos e simpáticos à causa.
Os pretextos para que se esgarcem ao limite os trâmites legais e tensionem ao máximo a ordem democrática alternam-se ao sabor das conveniências. Ora é o perigo comunista; depois, a dissolução dos costumes; mais adiante, a corrupção; em seguida, a anarquia econômica; e assim por diante.
No fundo, na essência, sempre o mesmo propósito: a salvaguarda e a manutenção do sistema. Este, suas mazelas, sua entranhada e incorrigível desumanidade, não vem ao caso, não se contesta. Enfim, confirma-se mais uma vez: fascismo e capitalismo não se opõem, completam-se.
Mas é claro, o abuso de poder, os excessos da autoridade não são erupções repentinas, surpreendentes, que surgem do nada. Essas manifestações exigem um longo cultivo, cuidadosa maturação e, como a história ensina, exigem principalmente a omissão, o silêncio e a conivência dos democratas, dos humanistas, das mulheres e dos homens de bem - omissão, silêncio e conivência que levam a tragédias como a morte do reitor Luiz Carlos Cancellier.
O caso do professor Cancellier é um exemplo clássico, pronto e acabado, de abuso de poder. Um exemplo também completo da impunidade das autoridades arbitrárias e despóticas. Prisão sem justificativa firme, plausível e feita sob os holofotes da Globo, da CBN; acusações vagas, suposições e todo o ritual de humilhação a que são submetidos os presos, culpados ou inocentes. De um lado, a covardia extrema, sadismo, maldade, cinismo, baixeza e a vilania praticada em seu grau mais elevado. De outro, angústia, desespero, desamparo e aquele sentimento de injustiça, de iniquidade, que nada aplaca, alivia ou consola.
Não há como se livrar da mancha de ter sido preso neste Brasil dos abusos da Lava Jato e de operações inquisitoriais assemelhadas. "Se foi preso é porque deve ter alguma coisa. Se foi preso mereceu", diz a voz dos tolos. Como alguns dos presos são realmente bandidos, todos os presos são bandidos. Esse é o silogismo medíocre, ginasiano, concurseiro, dessa nova rapaziada que invade as instituições brasileiras pela via do concurso público.
Eliminou-se a presunção de inocência. A Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário transformam-se na espada santa do Senhor, nos anjos da Justiça, infalíveis e incontestáveis. Se os fatos, se a verdade dos fatos os contrariam, azar. E vamos parar com essa pusilanimidade de chamar isso de "ativismo judicial". Ativismo judicial é a santa progenitora desses causídicos bobalhões! É ativismo político desbragado, deslavado, desavergonhado! É militância política pura e simples!
Ativismo judicial.... Ora, que imbecis! Querem enganar a quem?
Não conheci pessoalmente o Reitor Luiz Carlos Cancellier. Não estou aqui santificando-o, canonizando-o. Dizem que a Universidade Federal de Santa Catarina vivia uma situação complicada, até anárquica, quando ele assumiu a reitoria, eleito por ampla e incontestável maioria. Dizem que ele tendia à conciliação. Dizem, apenas dizem. Mas nunca ninguém disse que ele era desonesto, corrupto, parceiro de bandidos, protetor de bandidos.
Talvez, procurando bem, descobríssemos mais defeitos em Cancellier. Talvez ele fosse, como todos nós, em determinadas circunstâncias, passível de censuras. Quem sabe? Mas daí a atirá-lo no lodaçal das suspeitas, equiparando-o, pelo tratamento a ele concedido, a esses notórios bandidos dessa República de meliantes? Não.
Imaginem só, comparar o Cancellier... Bem, não preciso citar nomes ou fazer desfilar a conhecida nomenclatura toda. Pois é, os canalhas ousaram fazer isso com o Reitor Cancellier. Canalhas!
Evidentemente, não vou aqui fazer a óbvia exigência de que apresentassem provas contra Cancellier. Nos dias de hoje, acusar e apresentar provas é um luxo. Por que provas, se os rapazes têm convicção, se os rapazes das instituições têm convicção? Por que provas, se o Jornal Nacional, a GloboNews, a CBN, RBS e os jornalões já sentenciaram? Por que provas? William Bonner, voz solene e empostada, repete Sérgio Chapelin e Cid Moreira dos anos da ditadura e também lê diariamente os boletins das execuções sumárias.
Desagravo-o, Luiz Carlos Cancellier, não como santo ou herói. Desagravo-o como mais um brasileiro, como tantos milhares de compatriotas que, todos os dias, são humilhados pela falta de justiça; pelo desemprego; pelo assalto às nossas riquezas e quebra de nossa soberania; pela monstruosa concentração de renda, que faz seis brasileiros terem a mesmas posses que 100 milhões de brasileiros; pela usura, pelo rentismo que sacrifica o País, suas empresas e o seu povo no matadouro do capital financeiro.
Desagravo-o, Reitor Cancellier, porque, enquanto o perseguem, o expõem e o enxovalham, a corrupção, a grande e asquerosa corrupção da escravização dos trabalhadores; a corrupção do corte de gastos públicos na saúde, na educação, na segurança pública, na geração de empregos, na habitação e no saneamento; a corrupção da entrega do pré-sal e dos minérios; a corrupção da privatização da energia elétrica e da venda de terras para os estrangeiros; a corrupção abominável do racismo, que faz com que mais de 70% dos brasileiros sejam vítimas de violência e sejam pretos, pardos e mulatos; a corrupção de uma Justiça lenta, insensível e parcial; essa corrupção que corrói e destrói o País, essa corrupção, no entanto, para eles não vem ao caso.
Mas supostos desvios na Universidade Federal de Santa Catarina, isso sim vem ao caso - não é, Srª Delegada da Polícia Federal e notável atriz "lavajatina"? Não é senhores juízes e senhores promotores, mais justiceiros e executores do que qualquer coisa. Não é, senhoras e senhores que nada mais são que contrafacções, pastiches dos verdadeiros e sérios operadores do Direito e da Justiça.
São força-tarefa ou são esquadrões da morte?
As marcas da maldade ficaram impressas em Cancellier, em seu espírito, em sua alma atormentada, em seu coração estraçalhado. E o estigma foi lavado com sangue.
Senhoras e senhores, hoje, exatamente hoje, 31 de outubro, há 500 anos, a humanidade conheceu um dos mais portentosos, sublimes e poderosos gritos contra o abuso de autoridade. No dia 31 de outubro de 1517, em Wittenberg, Alemanha, Martinho Lutero expõe suas 95 teses, denunciando a que extremos chegara o abuso de poder da cúpula dirigente da nossa Igreja Católica.
O protesto de Lutero vibra, faz tremer a face da Terra e desperta o homem para uma nova relação com a religião, com Deus, com a Igreja. O poder discricionário, e seus implacáveis caçadores de heréticos e rebeldes, sofre um abalo, um abalo para todo o sempre.
Protestemos! Mais que isso, rebelemo-nos, insurjamo-nos! Vamos às ruas, ocupemos as escolas, façamos greve, ocupemos fábricas, bancos, escritórios, estaleiros, refinarias e vamos colocar abaixo o entreguismo escravagista, corrupto e inepto.
É o meu grito, é o meu desagravo ao Reitor Carlos Cancellier.
Obrigado, senhores e senhoras. (Palmas.)