Discurso durante a 175ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração do dia nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, e histórico da importância da população negra na colonização do estado do Amapá (AP).

Autor
Randolfe Rodrigues (REDE - Rede Sustentabilidade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Comemoração do dia nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, e histórico da importância da população negra na colonização do estado do Amapá (AP).
Aparteantes
Cristovam Buarque, José Medeiros, Lindbergh Farias.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2017 - Página 38
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, IMPORTANCIA, POPULAÇÃO, NEGRO, REGISTRO, COLONIZAÇÃO, ESTADO DO AMAPA (AP), DEFESA, NECESSIDADE, COMBATE, RACISMO.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/REDE - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Senador Elmano Férrer, nosso Presidente em exercício desta sessão não deliberativa, secundo, como já disse aqui, o Senador Lindbergh Farias, por também ser um dos Estados brasileiros que celebra a data de hoje. Não por menos, Sr. Presidente, o Amapá, segundo os dados do IBGE, é o quarto Estado negro do País. Segundo os dados do IBGE, 73,9% da população do meu Estado se reivindica negra ou parda. Nós só temos um número inferior, percentualmente, aos Estados do Pará, Bahia e Maranhão. Isso é fonte de muito orgulho para nós amapaenses.

    Por isso, ainda quando era Deputado Estadual, há pelo menos 15 anos, definimos a data de 20 de novembro como Dia da Consciência Negra, celebramos essa data, temos orgulho de ter sido um dos primeiros Estados do País que tomamos essa deliberação porque a nossa formação está diretamente vinculada a essa mistura e à presença dos negros na formação política do Amapá.

    A formação e ocupação da margem esquerda do Amazonas, que data do século XVIII, teve, junto à ação do Marquês de Pombal de construção, nessa margem esquerda, de três cidadelas – da Vila de São José de Macapá, da Vila Vistosa da Madre de Deus, da Vila de Mazagão –, a construção de uma fortaleza, a maior fortaleza de todo o império colonial português no mundo. E obviamente era necessário, para erguer essas cidades, para erguer essa fortaleza, a mão de obra escrava, a mão de obra negra.

    Foi em decorrência disso que, resistindo à escravidão branca, o entorno da então Vila de São José de Macapá se constituiu uma sede dos quilombos mais antigos do Brasil. Os quilombos de Curiaú, de Casa Grande e tantos outros que temos no entorno de Macapá mostram a identidade da formação do nosso povo. Aliás, é no Amapá que há uma das maiores manifestações que é um dos melhores exemplos, no meu entender, da resistência à colonização branca.

    A resistência à colonização branca, a resistência à escravidão se dá de várias formas, mas o sentido primeiro da escravidão – foi assim ontem, foi assim nos primórdios, foi assim durante o período escravista, foi assim antes de Cristo e foi assim durante a terrível chaga da escravidão europeia, que marcou a ocupação europeia nas Américas com as colonizações inglesa, francesa, espanhola e portuguesa – é fazer com que o ser humano perca sua humanidade. O sentido da escravidão... É por isso que a escravidão é um dos piores crimes de lesa-humanidade que podem existir. Para o senhor de escravos, o escravo não é nada mais que coisa, o escravo não é nada mais que objeto. O senhor, o feitor de escravos compra o escravo como objeto que é, desumaniza o ser, retira até sua condição de cidadão. Nem falo da condição de cidadão, tira dele a condição de humano, transformando o escravo em um objeto. É este o sentido da escravidão.

    Por isso, Senador Lindbergh, nós temos que reconhecer que os traços de racismo estão presentes na formação da sociedade brasileira. Nós fomos o último país das três Américas a abolir essa ignomínia, a abolir um dos piores crimes que um humano pode cometer contra o outro.

    Senador Lindbergh.

    O Sr. Lindbergh Farias (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) – Senador Randolfe, eu quero parabenizar V. Exª pelo pronunciamento e dizer... Eu citei, há pouco, o livro A Elite do Atraso, de Jessé Souza. Na verdade, a escravidão brasileira tem características próprias. Neste sentido... Toda escravidão é terrível, mas havia uma escravidão que era a escravidão, digamos, do modelo norte-americano, mais ligada à produção, aos plantations. A escravidão aqui – chama a atenção, desde o começo, Gilberto Freyre, quando fala do patriarcado – era uma escravidão que ia além. Era a família ampliada. Era uma escravidão que envolvia esse traço familiar e de exploração sexual. O estupro foi a marca. O senhor era o senhor das terras e dos escravos, e ele fazia tudo. Não existia uma instituição acima dele. Há essa marca perversa. Eu chamo a atenção do senhor porque, se a gente for analisar a história até agora, ela continua presente. Veja a empregada doméstica. O que é a empregada doméstica? Nós finalmente conseguimos fazer uma legislação – aprovamos aqui – para equipará-la aos outros trabalhadores, porque ela não tinha nem os mesmos direitos. Mas ela fica nos pequenos quartos, sem janelas.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/REDE - AP) – Muitas vezes deslocados da casa.

    O Sr. Lindbergh Farias (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) – É uma empregada doméstica que tem filhos e fica criando os filhos da classe média alta, e os filhos dela à distância, a semana inteira. Acabou a escravidão no País? Acabou a escravidão de um trabalhador que fica três horas por dia no transporte coletivo e agora vai receber menos que um salário mínimo? Porque o trabalho intermitente é uma nova forma de escravidão: trabalhador de primeira classe, trabalhador de segunda classe. Ele recebe por hora, Senador Randolfe, não tem direito a seguro desemprego, não vai ter aposentadoria. Parabenizo V. Exª pelo discurso. O senhor é um dos bravos Senadores. Agora, aqui há uma maioria de Senadores que só defende os interesses do grande empresariado, que votou a vergonha que foi essa reforma trabalhista escandalosa. E querem ir agora para a reforma da previdência, tirar de quem recebe um benefício de prestação continuada, um salário mínimo, de um idoso que recebe um quarto de salário mínimo de renda familiar, de uma pessoa com deficiência. Então, eu acho, quando a gente olha para a história do Brasil, que a escravidão é a grande marca. A gente está vivendo um momento de superexploração do trabalhador que nos lembra os piores momentos da escravidão: cidadão de primeira classe, cidadão de segunda classe.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/REDE - AP) – É esse traço, Senador Lindbergh, completando V. Exª, que nós estamos vendo ser marcado no Brasil hoje. V. Exª citou, ainda há pouco, os dados do desemprego. Nunca é demais destacar. Os índices de desemprego são muito maiores entre as pessoas negras do que no restante da população. Veja, durante a recessão econômica que estamos vivendo são os negros os mais impactados. De 2015 para 2016, a taxa de desemprego total dos negros aumentou de 14,9% para 19,4%, enquanto a dos não negros aumentou de 12% para 15,2%.

    Vou mais adiante, Senador Lindbergh, a política implementada pelo Governo Temer tem tido consequências diretas, principalmente nos pequenos Estados. É a política econômica recessiva de retirada de direitos dos trabalhadores. No meu Estado, alcançou-se a marca vergonhosa, ainda nesta semana, de 60 mil desempregados. Sabem o que significam, no Amapá, 60 mil desempregados? É um terço da população do Estado. Um terço da população do Estado é de desempregados. Desse um terço da população do Estado, quando a gente vai detalhar o dado, quase 60% são negros. Isso está aí e é mais uma face do retrato do racismo entranhado na sociedade. Não é a história de que uns têm oportunidade e outros não têm oportunidade, é a questão de que o Estado oferece oportunidade para uns e não oferece a mesma oportunidade para outros.

    Senador Cristovam Buarque, tenho o prazer de ouvir o seu aparte.

    O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Meu caro Senador, eu estava ouvindo a sua fala pela rádio e fiz questão de vir aqui para fazer-lhe um aparte. Primeiro, pela lembrança do dia de hoje: Dia da Consciência Negra, que nós temos de divulgar ao máximo. Tem de ser um dia de todos os brasileiros sintonizados com a nossa parte negra da população. Segundo, para trazer a dimensão que para mim é a mais fundamental hoje da escravidão, que é a exclusão educacional. Eu vi, há pouco, o Senador Lindbergh falando sobre a situação de nossas domésticas, trabalhadoras domésticas, empregadas domésticas, distantes dos filhos. O mais grave, para mim, é que os filhos delas vão a escolas de péssima qualidade, que são as nossas escolas, enquanto cuidam, nas casas, de crianças de classe média e alta que vão para boas escolas. Mas o que me chama a atenção, Senador Randolfe, é como os movimentos negros, que têm tido um papel tão importante na consciência negra no Brasil, lutam pouco pela educação das crianças negras, lutam pouco pela erradicação do analfabetismo, de cujos 13 milhões de adultos que não sabem ler, a imensa maioria é descendente de africanos. Vocês veem que uma das conquistas do movimento negro no Brasil e dessa consciência nossa da necessidade de quebrar o preconceito são as cotas para negros nas universidades. Mas ninguém luta contra o fim do analfabetismo, nós não lutamos por termos 100% terminando o ensino médio, e 100% terminando o ensino médio de qualidade, essa cota não entra nos discursos. Quando nós tivéssemos cota de 100% de nossas crianças terminando o ensino médio com qualidade, até as outras cotas deixariam de ser necessárias. Mas nós não vemos isso. Eu já conversei muito isso com diversos líderes do movimento negro, já conversei com o Frei Davi, que é um dos líderes das cotas para negros nas universidades – que eu sempre apoiei, acho necessário. E não é por razão social, é para mudar a cor da cara da elite brasileira, para que tenhamos embaixadores negros, tenhamos médicos negros, senadores negros, que praticamente não existem. É para mudar a cor da cara da elite brasileira que a gente precisa ter jovens negros na universidade. Mas não se vê a luta pelos analfabetos. É como se a classe média tivesse sido apropriada, ou o contrário: como se o movimento negro fosse apropriado pelas classes médias, porque, no fundo, a maior parte dos que lideram o movimento são de origem da classe média. E aí vem o fascínio pelo ingresso na universidade. E não vem o fascínio pela saída de ensino médio com qualidade. E é aí que a gente vai fazer a grande emancipação. É aí que virá a verdadeira abolição: quando o filho do mais pobre brasileiro estudar na mesma escola do filho do mais rico brasileiro. Isso é possível, gente! Os outros países já fizeram! Nos Estados Unidos, chegaram ao ponto – e olhem que é um país com uma tradição realmente racista, mais do que o Brasil – de pôr ônibus para levar os meninos e meninas negros e negras para a escola de brancos, misturaram ali dentro. A gente, aqui, capricha na segregação, por razões ditas sociais, mas com alto conteúdo racial também porque, no Brasil, contracheque, renda e cor da pele têm uma correlação estatística direta: quanto mais renda, provavelmente mais branca é a cara das pessoas. Mas a gente não vê essa luta pela igualdade na educação no ensino fundamental e no ensino médio; até já se vê na universidade. Vamos aproveitar este Dia da Consciência Negra para tentar trazer um pouco de consciência da importância da igualdade educacional, para que este País, de fato, emancipe todos aqueles que são hoje descendentes dos escravos do passado. Vamos fazer este Dia da Consciência Negra ser o dia da consciência da importância da educação como vetor da emancipação. É para isso que eu queria aproveitar a sua fala, para dizer no meu aparte.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/REDE - AP) – Senador Cristovam, para confirmar o diagnóstico que V. Exª faz, os índices do analfabetismo no Brasil são reveladores dessa desigualdade. Veja, um levantamento feito pelo movimento Todos Pela Educação, em 2016, com base na pesquisa da PNAD, do IBGE, mostra que a taxa de analfabetismo é 11,2% entre os negros, 11,1% entre os pardos, com a mesma identidade; ou seja, 22% entre os negros e 5% entre os brancos. Assim, o analfabetismo claramente tem cor. É o que V. Exª aqui distingue. V. Exª claramente diz: o analfabetismo que nós... O traço remanescente do analfabetismo que temos no País claramente tem definição e tem cor. Esses números dos dados do analfabetismo no País são sintomáticos disso.

    V. Exª me presenteou, e eu agradeço muito, com um livro, no ano passado, se não me engano, sobre os dias que antecederam os debates, no Senado do Império, de então, para a votação da Lei Áurea, assinada no 13 de maio de 1888. Encontramos vários traços de identidade. Encontrei ali, Senador Cristovam, vários traços de identidade com o debate atual.

    Olhando para o Brasil de 1888 e vendo o Brasil de 2017, a pergunta elementar a ser feita é: onde mudamos? Onde? – daquele traço racista, patriarcal, daquela sociedade incrustada, montada no século XIX, a única sociedade das Américas que ainda não havia abolido a escravidão. E eu repito: às vezes, não damos à palavra o significado que ela tem e o peso que ela tem, pois escravidão significa transformar o outro em coisa. Nós temos que partir de um reconhecimento elementar de que a sociedade brasileira ainda traz, na sua carga histórica, nas suas costas, o peso de ter quatro séculos de escravidão.

    Durante quatro séculos – Senador Cristovam, eu falei ainda há pouco –, 70% da população do meu Estado se reivindica negra, parda, segundo os dados do IBGE. Então, veja, à luz do Brasil do século XIX, 70% da população do meu Estado ou 53%, mais da metade, dos brasileiros seriam coisa – seriam coisa! –; seriam equiparados a objetos e poderiam ser tratados como quisesse o senhor da casa grande. E, quando ousassem empreender fuga, havia o capitão do mato para resgatá-los. E, quando o senhor da casa grande estivesse farto – farto – dos banquetes sexuais que fazia em prostíbulos, então se saciaria com a negra que era escrava, que estava dentro da casa grande.

    É esse o Brasil de até 1888; é essa a carga cultural, genética que o Brasil tem que reconhecer. E é, em decorrência dessa carga, um absurdo não considerar o dia 20 de novembro...

    Eu disse ainda há pouco, Senador Cristovam, que o Chefe de Estado brasileiro e o Chefe de Estado português deveriam ter, todo dia 20 de novembro, um encontro, perfilando suas Forças Armadas, para pedir humildemente perdão pelos crimes que foram cometidos na formação do povo brasileiro. Foi o pior crime de lesa-humanidade. Escravidão é o pior crime de lesa-humanidade. Não me surpreende terem, recentemente inclusive, procurado editar uma portaria que, do ponto de vista do campo, significaria na verdade um retrocesso à atividade, à utilização de mão de obra escrava.

    Senador José Medeiro, tenho prazer em ouvi-lo.

    O Sr. José Medeiros (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) – Muito obrigado, Senador Randolfe. Hoje houve várias falas aqui no Senado sobre o Dia da Consciência Negra. Queria aproveitar para homenagear três Senadores aqui, aliás, quatro, pois temos a Senadora Regina Sousa, o Senador Paulo Paim, o Senador Romário e o Senador Magno Malta, quatro negros extraordinários aqui. Eles fazem aqui o bom debate e realmente fazem o enfrentamento que o Brasil precisa que seja feito. Eu penso que nós temos feito cada dia mais avanços, mas é bom que se diga que só teremos um verdadeiro alcance do que almejamos quando acontecer isso que o Senador acabou de falar. Isso me faz lembrar a fundação do Colégio Mackenzie, Senador Cristovam Buarque. Em 1870, quando aqui ainda havia muito da escravidão – a escravidão estava no apagar das luzes, mas ainda estava latente –, Mary Chamberlain veio dos Estados Unidos com seu marido, George, e, ao chegar em São Paulo, viu várias crianças, tanto os filhos da casa grande como os da senzala, e resolveu fazer uma escola, resolveu começar a ensinar na casa dela. E como a casa era dela, lá ela recebia quem queria, começou a ensinar tanto negros como brancos, tanto os filhos dos escravos quanto os filhos dos patrões.

(Soa a campainha.)

    O Sr. José Medeiros (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PODE - MT) – Pelo fato de ela ser norte-americana, eles queriam que seus filhos estudassem com ela. Então, vamos dizer assim, tiveram a condescendência de deixarem seus filhos estudarem ali com os negros, porque iam estar estudando com uma norte-americana. Mas o fato é que houve isso e ela fez uma exigência: ou dava a aula para todo mundo, ou não ia dar aula para ninguém. O fato é que houve isso em 1870, Senador Cristovam, uma pequena mostra do que a gente precisa, ou seja: tanto negros e brancos numa mesma escola quanto as classes sociais misturadas ali e tendo um ensino de qualidade. Tanto é que a escola Mackenzie, Senador Cristovam, se tornou referência em qualidade de ensino e depois migrou tanto do ensino básico como para o ensino fundamental e médio, como também hoje é uma faculdade, uma universidade de referência no Brasil. Cito, por exemplo, a última... Ela passou a ser inclusive referência mundial na pesquisa do grafeno e começou justamente com essa tese em que o Senador Cristovam Buarque sempre bate aqui: o filho do pobre estudando com o filho do rico. Ou seja, pessoas estudando juntas. O Senador Magno Malta sempre disse uma frase aqui muito interessante, Senador Randolfe: que quando dois corpos se juntam, e um pega na mão do outro, refletida a luz do sol neles, a sombra que aparece não tem cor, é uma cor só. Então, eu creio que, dentro em breve, dentro de muito pouco tempo – e aí usando a relatividade de Einstein –, o ser humano vai ter essa compreensão de que isso não tem a menor importância. Nós ainda vamos sentir muita vergonha de ter tido esse tipo de sentimento. Eu disse hoje que trabalhei 23 anos nas estradas e presenciei muitas tragédias. E naqueles momentos horrendos quando as pessoas precisam de sangue, precisam de doação de sangue, Senador Dário Berger, as pessoas não ficam procurando: "Olha, qual era a cor da pele dessa bolsa de sangue?". Não, elas estão desesperadas, elas estão precisando de sangue humano. Então, eu queria parabenizá-lo por essa sua fala, por esse discurso que ensejou este debate aqui. Muito obrigado.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/REDE - AP) – Eu é que agradeço, Senador José Medeiros, o aparte de V. Exª.

    E, Presidente, já para concluir, os dados que aqui apresentamos, que já foram apresentados desde a exposição anterior do Senador Lindbergh, mostram que o racismo está engendrado na sociedade. Só para concluir isso, um levantamento feito pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), com dados de 2016 – portanto relativamente atual – mostram o seguinte: a diferença dos salários entre negros e brancos. Vejam o que dizem os dados: uma pessoa não negra que tinha... Os profissionais negros que não completaram o ensino médio ganham 92% menos do que os mesmos profissionais brancos. Quando se equipara aos profissionais, essa diferença... Quando se equiparam os profissionais que têm ensino médio completo, essa diferença cai para 85%. Quando se trata de trabalhadores com ensino superior, os negros ganham somente 65% do que um trabalhador não negro ganha com a mesma formação.

    São dados explícitos que mostram que o fim da escravidão atendeu a uma demanda de mercado e ainda levou a uma "ruptura", abre aspas, levou ainda a um golpe de Estado na época que foi o golpe de Estado que deu origem à República e terminou com o regime monárquico. Ou seja, para parte, para a própria elite brasileira do século XIX, embora o Brasil tenha sido a última das nações a abolir a prática da escravidão –, embora o Brasil tenha sido a última das nações –, boa parte da elite não só não ficou satisfeita, como um ano depois destituiu o Império e acabou com a monarquia, por ter o regime sustentado o fim da escravidão.

(Soa a campainha.)

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/REDE - AP) – Esses são dados, Sr. Presidente, que demonstram inequivocamente que esta data de 20 novembro não deve ser somente celebrada nos Estados onde é feriado, como, com muito orgulho, ocorre em meu Estado. Aliás, ainda hoje, em meu Estado, mais tarde, às 20h, ocorrerá na sede da União dos Negros do Amapá, no Centro de Cultura Negra, o tradicional evento da Missa dos Quilombos, tradicionalmente celebrado pelo Padre Paulo. É um evento tradicional de congraçamento e, principalmente, para destacar, para lembrar o traço marcante do racismo, que é presente na sociedade brasileira, que é presente por parte das ações do Estado brasileiro. Quando se fala em políticas afirmativas, se fala, sim, de políticas afirmativas, porque há uma necessidade de reconhecimento histórico desses quatro séculos de opressão que o Estado brasileiro teve, na sua afirmação, contra os povos africanos.

    Aliás, eu dizia ainda há pouco, Sr. Presidente, que no meu Estado temos orgulho de termos uma das maiores demonstrações de resistência contra a escravidão branca. Uma dança típica amapaense é o Marabaixo, uma dança que foi importada, que foi trazida da África.

    Veja, eu disse ainda há pouco que a escravidão é uma forma de transformar, de coisificar o ser humano. Um ser humano torna o outro escravo quando torna o outro coisa. E o primeiro passo para tornar o outro coisa, objeto, a primeira ação para transformar o outro em objeto é fazer com que este perca a sua identidade, a sua cultura. Quando um homem não tem a sua identidade vista em um espelho – não olha para traz, não se identifica com a sua cultura, não reconhece a sua história, não sabe de onde veio –, ele perde a condição de cidadão, a condição básica e elementar de humano. Por isso, as primeiras ações da escravidão branca eram destruir as manifestações culturais, as manifestações religiosas dos povos africanos que eles escravizavam. O primeiro ato era esse.

    O Marabaixo, manifestação vinda da África, é uma prova concreta de que a escravidão não venceu; de que a resistência...

(Soa a campainha.)

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/REDE - AP) – ... tal qual a resistência em 1650 de Zumbi dos Palmares e de Dandara triunfou sobre a escravidão.

    Então, essa data tem que ser referenciada. E, de fato, ela só será mesmo referenciada quando, em um 20 de novembro – o que eu espero que não demore –, em um 20 de novembro futuro, os Chefes de Estado e de Governo do Brasil e de Portugal perfilarem, reunirem suas Forças Armadas, o seu aparo estatal, e publicamente realizarem um 20 de novembro em louvor e reconhecimento, pedindo desculpas pelos mais de quatro séculos de escravidão, que forjaram a construção de uma Nação, mas que por completo desestruturaram povos e famílias.

    Senador Dário Berger, tenho o maior prazer em ouvi-lo.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Senador Randolfe Rodrigues, quero cumprimentar V. Exª pelo pronunciamento, pela lembrança da passagem do Dia da Consciência Negra no Brasil e quero só fazer um pequeno acréscimo, se V. Exª evidentemente me permitir...

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/REDE - AP) – Por favor, Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – ... de forma simples e objetiva, tamanha é a eloquência e a relevância que V. Exª dá ao tema.

    Eu fiz um exercício aqui, enquanto V. Exª falava, de 2017 a 1888. Isso perfaz 129 anos. Nesses 129 anos, me dá a impressão – acho que posso afirmar com convicção – de que temos pouco a comemorar e muito a avançar. O Brasil foi o último país a abolir a escravidão.

(Soa a campainha.)

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – E me parece que, inegavelmente, as coisas não evoluíram como deveriam evoluir. A marginalização ainda é grande com relação ao negro. Isso é muito triste, porque, como V. Exª mencionou, é uma espécie de escravidão obscura, sorrateira, que não permite ao negro as mesmas oportunidades, os mesmos direitos que ao homem branco. As estatísticas mostram isso e são estatísticas silenciosas. Muito embora, na retórica, todos mencionem que precisamos avançar nessa questão, na prática, isso efetivamente não acontece.

    Portanto, eu quero parabenizar V. Exª e quero também buscar o 13 de maio de 1888. Apesar de não termos avançado como gostaríamos, foi uma data histórica, e precisamos louvar a Princesa Isabel por aquela atitude, aquele gesto da abolição da escravatura no Brasil. Portanto, eu me congratulo com V. Exª, parabenizo-o pelo pronunciamento e me solidarizo com toda a comunidade negra deste País, especialmente de Santa Catarina, de Florianópolis, onde o contingente negro também é extremamente significativo e contribui substancialmente para o desenvolvimento econômico e social daquele Estado, daquela cidade.

    Muito obrigado.

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/REDE - AP) – Eu que agradeço, Sr. Presidente.

    São, de fato, várias passagens históricas. O 20 de novembro de 1650 – nunca é demais lembrar – é a data da celebração da maior revolta de escravos da história mundial. Muito se fala de Espártaco, mas a maior revolta de escravos da história mundial foi Palmares, construída por Zumbi e por Dandara no século XVII. Depois disso, passagens da história nacional, o seu Estado de Santa Catarina e o Rio Grande do Sul viveram a passagem célebre da utilização, por parte dos brancos, dos negros, que é a célebre passagem dos lanceiros negros na Revolução Farroupilha. São passagens de diferentes momentos.

    Veja: este é um País que resistiu, em todas as suas revoltas liberais, quando a agenda e a pauta eram o fim da escravidão. Um dos crimes mais absurdos alocados e denunciados contra Tiradentes e contra os Alferes da Inconfidência Mineira era o crime de abolição da escravatura.

    Assim o foi também em relação à Confederação do Equador de 1818, liderado por Frei Caneca, que propunha uma nação republicana com igualdade de voto para todos e sem escravos.

    Por isso que eu concluo dizendo isto: no Estado brasileiro, o 20 de novembro só será reconhecido de fato quando os chefes de Estado do Governo do Brasil e de Portugal abrirem as celebrações do dia 20 de novembro pedindo desculpas pelo crime de lesa-humanidade, que foi a escravidão.

    Pouco se fará, pouco representará o 20 de novembro – a não ser como data de resistência – enquanto nós tivermos um Presidente da República que sequer lembra o significado e a relevância desta data.

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2017 - Página 38