Discurso durante a 175ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração do dia nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro.

Registro do surgimento e da importãncia de organizações não políticas.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Comemoração do dia nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro.
CIDADANIA:
  • Registro do surgimento e da importãncia de organizações não políticas.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2017 - Página 50
Assuntos
Outros > HOMENAGEM
Outros > CIDADANIA
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, IMPORTANCIA, POPULAÇÃO, NEGRO.
  • REGISTRO, CRIAÇÃO, IMPORTANCIA, ORGANIZAÇÃO, AUSENCIA, VINCULAÇÃO, POLITICA, PARTIDO POLITICO.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Obrigado, Presidente, Srªs e Srs. Senadores, visitantes.

    Em primeiro lugar, Presidente, quero lembrar, mais uma vez, o que outros já fizeram aqui, que hoje é o Dia da Consciência Negra e lembrar a dívida que o Brasil tem com todos aqueles 4,5 milhões de africanos que vieram para cá – o País que recebeu mais escravos em toda a América, incluindo os Estados Unidos.

    É uma dívida que nós temos do passado, das condições em que esses seres humanos foram tratados aqui durante 350 anos. Filhos, netos, bisnetos, tataranetos... Não sei nem como é que chama o filho do tataraneto, mas, se a gente coloca 350 anos, pode-se dizer que certamente dez gerações de descendentes de negros africanos viveram na escravidão. Mas essa dívida cobra um preço muito alto sobre nós: na consciência, que se acostumou a um país desigual. Nós somos acostumados com um país desigual: não há indignação no Brasil quando a gente vê a desigualdade entre tanta riqueza de um lado e tanta pobreza de outro, não há indignação. Isso é algo que pessoas de outros países não entendem. Como também não entendiam, até o século XIX, os que vinham aqui de países onde já não havia escravidão e viam a vergonha, a tragédia e a estupidez que era para o País o sistema escravocrata.

    Trezentos e cinquenta anos deixam uma marca, uma marca que mantém até hoje uma forma de racismo, mas sobretudo essa tolerância imoral com a desigualdade. Hoje é o dia de refletir sobre isso. E eu insisto que, para mim, a maneira de resolver essa desigualdade não virá da economia. Vai precisar da economia eficiente, mas não é a economia que vai resolver. A economia pode ser eficiente, produzir muito e não diminuir a desigualdade.

    A desigualdade será diminuída no Brasil quando a educação foi distribuída igualmente. Não há outra maneira de quebrar a desigualdade, e todos os países que hoje têm sociedade sem desigualdades profundas conseguiram reduzir a desigualdade ao distribuir a chance da educação.

    Se queremos uma sociedade brasileira igual, é preciso que o filho do mais pobre estude em uma escola com a mesma qualidade que a do filho do mais rico. A não ser que esse mais rico seja tão rico, tão rico que mande seus filhos para a Suíça. Tudo bem, mas aqui dentro a educação e a saúde deveriam ser absolutamente iguais. No resto, nós vamos tolerar a desigualdade. Uma roupa bonita, uma roupa feia, um restaurante caro, um restaurante barato, um carro bonito, andar de ônibus são desigualdades toleráveis. Elas fazem parte da necessidade, da liberdade, inclusive, da escolha no mercado.

    Então, hoje é um dia de refletir sobre a consciência negra e a consciência da indignação com a desigualdade, de que nós precisamos, não só entre brancos e negros, entre brasileiros, não importa a raça, não importa onde vive. Isso está faltando no discurso político brasileiro e aí, Presidente, é que eu quero trazer um assunto paralelo, mas provocado por isso.

    Ainda hoje, mas a partir de meados do século passado, quando se percebeu que os governos não resolviam os problemas, começou a surgir uma coisa chamada ONG (Organização Não Governamental) para defender as florestas, para defender os rios, a natureza em geral, para defender crianças, para defender adolescentes. Surgiram as ONGs (Organizações Não Governamentais) para substituir o que o governo não conseguia fazer.

    Senador Dário, eu creio que nós estamos vivendo algo parecido hoje, não mais com organizações não governamentais, mas com organizações não políticas ou não partidárias. Estão surgindo no Brasil, por conta da nossa incapacidade de fazer com que o Brasil funcione bem – a incapacidade nossa, de políticos e de partidos –, organizações paralelas, para tentar interferir no destino do País já que os partidos não conseguem, já que nós aqui não estamos conseguindo.

    Uma simples pesquisa me permitiu levantar, por exemplo, um grupo chamado Agora, que se diz, e é, eu respeito, um movimento cívico que pretende impactar a agenda pública e a ação política a partir da sociedade. É uma organização não política, ou não partidária se quiser, como antes havia, e ainda há, as organizações não governamentais. Ao lado do Agora, dessa ONG, não ONG, dessa entidade não partidária, não política, para influir na política, eu cito outra: Movimento Transparência Partidária, que tem um manifesto por mais transparência, mais democracia, dizendo já, no primeiro parágrafo: "Acreditamos que os partidos políticos devem ser transparentes e democráticos. Queremos partidos mais representativos e permeáveis aos anseios da sociedade".

    Nós – o senhor tem um partido, eu tenho outro – não precisávamos ouvir isso se nós fôssemos transparentes, se nós fôssemos representativos, se nós fôssemos permeáveis aos anseios da sociedade.

    Mas não estamos sendo: há pouquíssimas semanas derrubamos uma decisão do Supremo para proteger um colega nosso contra a vontade da sociedade. Essas entidades, como esse movimento Transparência Partidária, estão surgindo, como surgiram as ONGs, pela nossa incapacidade de cumprir nosso papel.

    Cito outra, Quero Prévias – esse é o nome de uma organização não política ou não partidária, como eram ou são ainda as ONGs.

As Prévias [está escrito logo na primeira frase] são o mecanismo pelo qual a sociedade civil deseja influenciar a escolha das candidatas e candidatos que disputarão as eleições de 2018. Tradicionalmente, cabe a cada partido tomar essa decisão com base em suas convicções e forças internas, o que continua sendo legítimo. Agora, no entanto, propomos um processo transpartidário, influenciado também por movimentos coletivos, ativistas e outras organizações da sociedade civil.

    Nós já deveríamos estar fazendo isso nos nossos partidos.

    Cito outro, Bancada Ativista, que começa dizendo assim: "As práticas dizem respeito à forma e à abertura das candidaturas que compõem a Bancada Ativista durante o período de campanha eleitoral que se inicia em 16 de agosto de 2016". Já existia naquela época, e cheia de propostas.

    São entidades que surgem paralelas aos partidos, porque os partidos não estão cumprindo ...

    Há uma que me chamou muito a atenção porque o programa que eles apresentam é quase um programa perfeito para um partido. Chama-se Acredito. O grupo Acredito começa falando algo que nós aqui perdemos: nosso sonho. Eu gostei desse começo. Nós perdemos a capacidade de sonhar. "Um novo Congresso com a cara do Brasil", é a primeira frase do manifesto deles. "Uma renovação de princípios, práticas e pessoas na nossa política. Renovação com uma prioridade: superar nossas profundas desigualdades, barreiras a um projeto de país mais estável, justo e desenvolvido".

    E aí vem um vem um verdadeiro programa que tem um capítulo chamado "Valores, Dignidade, Igualdade de Oportunidades, Diversidade, Ética e Transparência, Estado Eficiente" – Estado eficiente, algo de que nós precisamos muito. Um Estado ineficiente significa corrupção. Corrupção não significa só colocar dinheiro no bolso do político. Corrupção é desperdício de dinheiro público, dinheiro que vai para o ralo, que não atinge o destino para o qual deve ser usado. Isso é corrupção. Eu falo sempre que há três formas de corrupção: há a corrupção do comportamento do político, daquele que põe dinheiro no bolso; há a corrupção nas prioridades, que é a corrupção de escolher prioridades que não são as melhores para o povo, como foi construir estádio no lugar de saneamento; e há a corrupção do vazamento, que é a corrupção do desperdício. Isto está aqui na proposta desse grupo que se chama Acredito: ética do Estado, ética e transparência, sociedade plural e livre, economia empreendedora e competitiva, sustentabilidade.

    Aí depois vem um capítulo "O Brasil que queremos". Todo partido deveria ter esse capítulo, "O Brasil que queremos". Eu só acrescentaria "no mundo em que estamos", porque não adianta falar "O Brasil que queremos" em um mundo que não é o em que nós estamos. Não adianta falar "O Brasil que queremos" sem levar em conta que vivemos no mundo da globalização, da robótica, da alta tecnologia, da participação pelos meios de comunicação – as mídias e os telefones inteligentes. Então, ao "O Brasil que queremos", eu acrescentaria "no mundo em que estamos". E que vem com algo que me fascinou, que é o primeiro item desse Brasil que queremos: uma nova política antiprivilégios. Quando a gente vê a desmoralização dos políticos, Senador Dário, para mim a maior causa – maior até do que a corrupção explícita do comportamento, a corrupção nas prioridades e a corrupção dos vazamentos – é o mau exemplo que nós damos com os nossos privilégios.

    Nenhum povo acredita em líderes que vivem na base de privilégios em uma democracia. Isso até se justificava nas monarquias. Tem uma legitimidade própria a monarquia com os seus privilégios, mas ali é um grupinho de nobres. Mesmo assim, felizmente, já se fez revolução, no mundo inteiro, republicana. Nós, que temos uma república, temos mais privilégios do que os países monárquicos da Europa.

    Os filhos do príncipe da Suécia vão na mesma escola que os filhos dos trabalhadores do palácio – e é rei, são nobres, mas a educação é igual. Eu vi, não faz muito, alguns anos atrás, uma foto no jornal em que estava: "O príncipe herdeiro da Dinamarca vai para a escola no seu primeiro dia". Uma escola pública, e é monarquia.

    Aqui é uma república. Nossos filhos, daqui, dos representantes do povo vão na mesma escola que os filhos do povo? Há juízes, em alguns Estados do Brasil – não só os juízes deveriam zelar pela justiça –, que não só não colocam os filhos na escola pública como recebem dinheiro do Governo para colocarem os filhos em escola privada. Tem algo mais absurdo de privilégio de que dinheiro público para pagar a um dirigente de governo para colocar o seu filho em uma escola privada, diferente da escola pública, por que nós aqui somos obrigados a zelar?

    Por isso, eu vejo nesse grupo, que se chama Acredito, se não me engano, o Brasil que queremos: nova política antiprivilégios. Tem que ser antiprivilégio colocar o filho em escola particular se nós somos os responsáveis pela escola pública.

    Depois eles colocam: "Congresso transparente, participativo, verdadeiro, representativo verdadeiramente, sustentabilidade econômica e social, combate à corrupção, valorização da cultura brasileira, campanhas baratas e propositivas, redução das profundas desigualdades políticas, sociais, universais." Aqui, minha crítica a esse manifesto. Só tem uma linha, uma frase que realmente fala em educação. Aí não é sério. Falar em redução das profundas desigualdades com uma frase sobre educação – e genérica –, que diz: "Acreditamos na educação básica de qualidade como principal ponte de acesso às mesmas chances para todos os brasileiros e brasileiras", não bastava, tinha que dizer como, tinha que dizer que o filho do pobre deve estudar na mesma escola que o filho do rico. Eu digo escola com "E" maiúsculo, não precisa ser o mesmo prédio, não precisa ser a mesma escolinha ali, não, mas a escola como um sistema, até porque eles moram em lugares distantes – e a gente nunca vai ter a coragem dos gringos, dos americanos que criaram um sistema de ônibus para levar filhos dos negros e dos bairros pobres para estudarem nos bairros ricos. Os americanos fizeram e são chamados de imperialistas, colonialistas, capitalistas, mas lá existe, há décadas já – creio que 50 anos –, um sistema de transporte em que uma criança de um bairro rico vai estudar em um bairro pobre e vice-versa, misturando-se tudo. Eu nem chego a isso, mas eu chego a que, na escola do condomínio, a qualidade seja igual que na favela, sem demagogia de que isso se faz em um ano, dois anos, três anos, cinco anos, dez anos; leva tempo, mas tem que começar, e podemos fazer por cidade isso.

    Continua essa proposta: "Sociedade diversa e livre; combate inteligente à violência". Gostei dessa ideia porque tem o combate brutal à violência. Há um candidato a Presidente que defende combate à violência com brutalidade. Aqui diz que não é com bondade, é com inteligência.

    "Partidos democráticos e transparentes; economia inclusiva e competitiva; gestão pública moderna e eficiente."

    Pois bem, esse é um programa de um partido sério, mas é de uma organização não partidária, é de uma organização que eu acho que chega quase a se dizer não política, embora isso seja uma contradição em termo. Uma organização já é política e, se quer influir no País, ela tem que ser política.

    Agora, elas existem pelo nosso fracasso. Elas existem pela nossa falência, essas entidades que estão surgindo e que, felizmente, estão surgindo, como felizmente surgiram as organizações não governamentais. Sem elas, muitas coisas positivas deste País não estariam acontecendo inclusive na educação – com movimentos privados que visam influir na educação, seja pela pressão ao Governo, seja pela execução de políticas públicas.

    E eu vou terminar lembrando que tive uma organização não governamental. Quando eu saí do governo do Distrito Federal, eu criei uma organização chamada Missão Criança, que, durante alguns anos, teve como papel levar a ideia do Bolsa Escola para o Brasil e o mundo, e conseguimos. O Presidente Fernando Henrique Cardoso colocou o programa Bolsa Escola cinco anos depois que começou no Distrito Federal, graças, em parte, a uma batalha grande de convencimento da minha organização não governamental Missão Criança. Outras cidades no Brasil foram colocando pela nossa persistência. E no mundo, também: pouca gente sabe, mas eu consegui recursos internacionais para financiar Bolsa Escola em países da África. Eu consegui. Consegui um programa com 156 crianças recebendo Bolsa Escola na Tanzânia – financiadas as bolsas com dinheiro da Inglaterra.

    Essa é uma história que um dia eu gostaria de contar, porque começou tudo em um táxi, depois de uma palestra que eu fiz no Banco Mundial, em Washington, indo para o aeroporto. Eu perguntei ao motorista qual era o Estado dele – era um homem negro. Ele disse: "Eu não sou de nenhum Estado. Eu sou de Uganda, na África". E começamos a conversar. Eu disse que estava saindo de uma reunião em que divulgara um programa que havia sido criado no Distrito Federal – eu não tive a petulância de dizer que havia sido eu que o criei como Governador – que pagava as famílias pobres para que seus filhos estudassem. Ele foi se interessando e disse que tinha uma organização não governamental chamada Ark's Foundation, a Fundação Ark, que apoiava famílias, crianças órfãs da aids. E dessa conversa, depois de um ano, conseguimos fazer um programa não em Uganda, mas na Tanzânia, onde eles trabalhavam também.

    Pois bem, eu fui dirigente de organização não governamental e eu vi o papel que nós tivemos ao espalhar Bolsa Escola no Brasil e no mundo.

    Eu defendo as organizações não governamentais, elas têm um papel. Aqui e ali, há algumas que se desviam do caminho; aqui e ali há algumas que se aproveitam. Agora, eu não sou favorável a dinheiro público em ONG. Se é organização não governamental, procure dinheiro no setor privado, porque termina dando corrupção... Por isso, eu não tenho emenda para organização não governamental das emendas a que tenho direito aqui. Não faço. Se é não governamental, tem que ser financiada com recursos privados.

    Por isso, eu vejo com satisfação o surgimento dessas organizações não políticas ou não partidárias – porque não políticas elas se dizem, mas, na verdade, não são: são políticas. Elas existem pelo fracasso dos partidos, mas, na hora de realizar o poder delas, vão ter que usar os partidos. Lamentavelmente, no Brasil ainda não existe a candidatura avulsa – o que eu defendo. É a possibilidade de um cidadão ou de uma cidadã dizer "eu quero ser candidato", "eu quero ser candidata e não tenho Partido", e se ligar direto ao povo. Não sou contra isso, mas o Brasil não aceita. Então, esses grupos vão ter que se ligar a partidos. Seus membros, se quiserem ser candidatos, vão ter que entrar em um partido.

    E para concluir, Senador, e lhe passar a palavra para o seu aparte, eu quero dizer que tenho uma preocupação também com esses movimentos. É a de começarem a trazer, por conta do fracasso dos partidos – e dos políticos que estamos aqui, e eu sou um deles –, por conta desse nosso fracasso, para darem resposta, neófitos para ocuparem cargos para os quais também não tenham condições.

    Dias atrás, eu ouvi alguém dizer: "Não é nenhum problema colocar na Presidência alguém que não tenha nenhuma experiência política, porque nós ensinamos a fazer". E eu disse, Senador Dário, talvez de uma maneira muito dura: isso seria como pegar uma pessoa que nunca assistiu a um concerto de música e dar-lhe uma batuta para reger, dizendo que os músicos vão ensiná-lo a reger na hora do concerto. Não vai dar certo, não vai sair uma boa música, até porque as partituras são diferentes: cada Deputado pensa de um jeito; cada Senador pensa de um jeito.

    O maestro Presidente, para conseguir fazer um Parlamento funcionar bem, sem comprar, como se comprou no mensalão, como se está comprando agora, de vez em quando, se o Presidente quer barrar alguma coisa, o maestro tem que ter uma experiência muito grande, tem que ter um preparo muito grande, tem que demonstrar que é capaz do diálogo construtivo. Diálogo construtivo é aquele diálogo que convence a fazer coisas do conjunto.

    Então, eu tenho impressão de que eles vão ter dificuldades se quiserem transformar seus movimentos em assumir poder sem preparo. Mas, para colaborar, eu creio que a gente está precisando dessa oxigenação que vem de fora. Mas oxigenação é uma coisa, musculatura é outra. A gente precisa é de oxigenação. Na musculatura, se não pegar quem tem o trejeito, a prática em sintonia com isso aqui, com a luta contra a corrupção, se não pegar esses, podemos ter situações ainda piores do que esta tragédia que nós vivemos hoje...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – ...porque a realidade é que tudo pode ainda piorar, por pior que seja.

    Então, bem-vindos esses movimentos! Fico satisfeito que eles existam. Alguns desses aqui têm propostas que parecem de bons partidos, que nós deveríamos copiar. Mas vamos entender bem o que é ajudar o processo político; o que é negar o processo político, o que seria uma estupidez; e o que é colaborar com o processo que está aí.

    Era isso o que eu queria dizer, aproveitando, de saída, o Dia da Consciência Negra, mas a fala ficaria incompleta sem pelo menos um aparte, e fico feliz que o senhor vá fazer esse aparte do alto da cadeira de Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Dário Berger. PMDB - SC) – Senador Cristovam Buarque, quero agradecer a V. Exª o aparte.

    Acho que posso afirmar que V. Exª foi, é e continuará sendo, por muito tempo ainda, um mensageiro de boas novas, de boas práticas, de boas ações, da boa política. Sobretudo, eu queria destacar e reconhecer o esforço de V. Exª, quando foi governador do Distrito Federal, em implantar programas sociais como o Bolsa Família, Bolsa Escola, que depois foi mudando de rótulo, mas a essência nasceu realmente aqui no Distrito Federal, quando V. Exª foi governador.

    Além disso, uma questão importante, fundamental, vital inclusive para a sociedade humana é o projeto que V. Exª implantou aqui com relação à educação no trânsito: de colocar a mão para a frente, preferência para quem anda a pé; preferência para a vida, não para a máquina. Veja só que já faz algum tempo que V. Exª foi governador, mas suas práticas e suas ideias permanecem atuais e vivas até este momento. Então, o pronunciamento de V. Exª foi amplo, abrangente e diversificado.

    Eu tive oportunidade hoje de fazer um pronunciamento aqui também da tribuna do Senado Federal. E fui buscar inspiração na nossa Constituição, mais precisamente no art. 3º, cujo item III tem muita coisa a ver com parte do pronunciamento de V. Exª. Ele diz o seguinte:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

[...]

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

    Eu fiz um pronunciamento inspirado nesse item e disse que eu entendo que o maior problema do Brasil hoje são as diferenças sociais, as desigualdades, porque delas decorrem a falta de segurança pública, a falta de educação, as questões relacionadas à saúde, à convivência humana propriamente dita e à formação do cidadão como elemento importante e fundamental para o desenvolvimento do País.

    V. Exª já mencionou que, para reduzir as desigualdades, é através da educação. Também penso que é por meio da educação. Mas queria colocar um ingrediente a mais para nós, que estamos meio que solitários aqui no plenário do Senado, abrirmos uma pequena discussão, talvez rápida. A verdadeira mudança que nós precisamos implantar no Brasil vem da educação. Concordo que venha da educação e a educação é o princípio, o meio e o fim da consciência do ser humano. Só que quero buscar na consciência o seguinte: a verdadeira mudança que nós tanto estamos almejando... E sobre isso V. Exª trouxe algumas mensagens de algumas ONGs que estão refundando, repensando, reconstruindo um pensamento nacional, seja político, seja partidário, seja menos partidário ou seja o que for, mas é uma frente, um levante, aquilo que nós não estamos conseguindo demonstrar na prática, o que efetivamente elas anseiam, desejam com uma democracia representativa. Eu até acho que a democracia como tem atuado não só no Brasil, mas algumas partes do mundo, parece-me que está em xeque, em questionamento. Talvez nós precisamos aprimorar um pouco os seus métodos, os seus conceitos, avaliar melhor essa questão, pois conceitos que, há 20, 30 anos, eram consolidados, hoje, certamente são alterados.

    Bem, busquei essa questão do desenvolvimento regional, mas queria buscar na consciência, ressaltando que a verdadeira mudança para nós mudarmos mesmo este País não vem da nossa consciência, daquilo que nós damos de importância para nós mesmos e para os nossos semelhantes para que nós possamos construir uma sociedade com menos conflito, com menos arrogância, com menos intolerância, com menos radicalismo. Nós percebemos hoje que o País está dividido. Nós não aceitamos mais a opinião dos outros. Nós não sentamos mais para discutir.

    Nós emitimos a nossa opinião de forma agressiva, de forma sorrateira muitas vezes, obscura e, em vez disso, colaborar para construção de um Brasil mais solidário, mais democrático, mais transparente.

    Na minha, na minha opinião e meu pronunciamento neste momento, isso tem servido fundamentalmente para acirrar ainda mais os ânimos e construir uma sociedade ainda mais dividida do que esta em que nós estamos. E isso é muito preocupante, porque nós precisamos, em 2018, é de um candidato a Presidente que una o Brasil, não que dívida; que una, que una negros e brancos, pobres e ricos e que a gente possa, enfim, caminhar juntos na mesma calçada, frequentar a mesma escola, ter a mesma qualidade e por aí vai.

    De maneira que eu queria só... Quando V. Exª abordava os inúmeros temas que abordou, mas, quando abordou as desigualdades sociais e que elas só serão revertidas com educação, quero, mais uma vez, assinar embaixo, ser subscritor dessa mensagem, mas ampliar o debate para que a gente possa, de repente, ter uma nova consciência, uma consciência coletiva. Não é a minha, não é a de V. Exª, é a consciência do cidadão que hoje está revoltado. Mas nós não vamos resolver o problema do Brasil de forma revoltada. Nós vamos resolver com paciência, com parcimônia, com equilíbrio, com serenidade, sentando à mesa, ouvindo aqueles que discordam de nós e construindo um equilíbrio para poder avançar. E é nesse sentido que eu boto à mesa mais esse elemento para ouvir V. Exª.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Muito obrigado, Presidente. V. Exª disse que assinava embaixo, e eu quero assinar embaixo também do que o senhor falou.

    Eu tenho dito, nessa caminhada que tenho feito, querendo que o meu Partido me coloque como candidato à Presidência, que nós temos dois problemas hoje no Brasil: retomar coesão nacional – que é o que o senhor falou – e definir um rumo para o futuro. De certa maneira, o senhor falou o casamento dos brasileiros para se sentirem parte do mesmo País. Que discordem, mas parte do mesmo País! E o casamento do presente com o futuro. Sem isso não vai adiantar. A coesão pura e simples hoje, como o Brasil está, mesmo unido, vai ser um Brasil pobre, vai ser um Brasil atrasado, vai ser um Brasil despreparado. O Brasil tem que ser coeso, sentindo-se cada um de nós pertencente ao mesmo País e tem que ser também um País que diga, nos próximos 30, 40 anos: "Eles precisam caminhar numa direção".

    Nós perdemos...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Como o senhor disse, nós perdemos a capacidade de estarmos juntos, mas perdemos a capacidade de olhar à frente, ficamos imediatistas. Desde que Juscelino disse: "50 anos em cinco", aí ele pensou o futuro. O regime militar pensou o futuro, mas, nos últimos anos e décadas, nós só pensamos o presente. E aí, por só pensarmos o presente, cada um de nós, políticos, tem que pensar o que dá para um grupo, o que é que dá para outro grupo, o que é que dá para outro grupo, e não o que dá para ao conjunto.

    Não há discurso nacional. Nós fazemos pesquisas de opinião e vemos o que o branco quer ouvir, o que o negro quer ouvir, o que o amarelo quer ouvir, o que o Nordeste quer ouvir, o que o Sul quer ouvir, e vamos dando pinceladas para cada um. Deram até um nome: nichos. Nicho é como os pesquisadores chamam um grupinho. Nós fazemos discurso para os nichos, para os times, não para a seleção. É como se o Brasil só tivesse time, não tivesse seleção.

    Hoje, nós não temos seleção do ponto de vista de um projeto nacional. Cada um é um time, e aí a gente não se encontra. Mas, se se encontrar, tem que ser complementado com um projeto para as crianças, para o futuro. Senão, não vamos construir uma nação sintonizada com o espírito do tempo, que é como chamavam os filósofos alemães. O espírito do tempo é para onde deve ir o país. Eu creio que um candidato a Presidente tem que trazer um projeto que diga com clareza como construir a coesão e como definir o futuro, o rumo.

    E aí, só para concluir, eu acho que o primeiro item de um projeto de coesão é o exemplo dos políticos na sua austeridade, até para poder pedir austeridade nacional, porque a gente vai precisar de certa austeridade, porque gastamos muito ultimamente. Mas como a gente vai pedir austeridade ao povo com os privilégios e as mordomias que temos? É preciso abrir mão dessas mordomias, mas não cada um voluntariamente. É preciso acabar com isso por lei, fazendo com que este País seja republicano, e numa República o líder vive como um cidadão comum, sem privilégios, sem mordomias.

    Este é um ponto de partida para a coesão. Depois, tem muito mais coisa, inclusive um detalhe de que poucos lembram: para haver coesão, para que todos se sintam parte do mesmo país, é preciso que todos conheçam sua bandeira, e um analfabeto não conhece a bandeira brasileira, porque não sabe ler "Ordem e Progresso". A gente se esquece disso, não é? A bandeira do Brasil, diferentemente de quase todas as outras, tem um texto escrito nela. Quem não sabe ler não lê "Ordem e Progresso". Se você mistura aquelas letras, ele pensa que ainda é a bandeira do Brasil só porque ela é verde, amarela e azul. Mas não é mais a bandeira do Brasil se as letras estão misturadas ou escritas em outro idioma.

    Então, há uma série de ações para dar coesão. Aliás, a coesão começa na escola. O grande exemplo é a Itália. Quando a Itália se formou – e isto tem apenas 150 anos –, ela não era um país, mas uma soma de principados. Como se fez de uma soma de principados um país? Ensinando italiano para todas as crianças, porque, antes, cada uma falava a sua língua, o seu idioma.

    É preciso construir o país coeso hoje e um rumo para o futuro. Por isso, eu agradeço que o senhor tenha trazido este assunto da coesão, da unificação do Brasil, respeitando as diversidades, respeitando as opiniões diferentes, mas dizendo "somos um mesmo time chamado Brasil". Este é o desafio que eu queria ver nos discursos dos nossos candidatos e que eu gostaria de ver nas propostas das organizações não partidárias que fazem política, as ONPs, como eu chamei hoje aqui.

    Era isto, Sr. Presidente.

    Muito obrigado pelo tempo que me foi dado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2017 - Página 50