Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão a respeito da gravidez na adolescência e de suas consequências .

Autor
Rose de Freitas (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Rosilda de Freitas
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Reflexão a respeito da gravidez na adolescência e de suas consequências .
Publicação
Publicação no DSF de 22/11/2017 - Página 36
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • ANALISE, ESTATISTICA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), QUANTIDADE, MULHER, REALIZAÇÃO, SEXO, INFANCIA, APREENSÃO, ORADOR, SITUAÇÃO, NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, SETOR, EDUCAÇÃO, SAUDE, GOVERNO FEDERAL.

    A SRª ROSE DE FREITAS (PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, venho a esta Tribuna abordar um assunto sobremaneira importante e que merece de todos nós uma reflexão neste Plenário, merece uma reflexão da Nação brasileira, porque se trata exatamente de nós mulheres, das brasileiras, especialmente, Sr. Presidente das meninas que entre 10 e 14 anos deixam a infância e entram abruptamente no que ainda não pode ser considerada uma vida de mulher adulta.

    Sou mãe. Os dados que contemplo a cada momento em que conheço e tomo pé das estatísticas são assustadores e comoventes. São 305 mil brasileiras de 10 a 14 anos que tiveram filhos entre 2005 e 2015, segundo o Datasus, que é o banco de dados do Ministério da Saúde.

    Em uma década, Sr. Presidente, a indesejada gravidez de meninas de 10 a 14 anos persiste nos mesmos patamares, sem que as famílias, o serviço de educação, o serviço de saúde, sem que a opinião pública, sem que a mídia, enfim, sem que a sociedade e o Estado brasileiro consigam proteger as nossas meninas.

    Tenho aspas de um depoimento rápido em que uma jovem de 13 anos disse: "Quando entendi que estava grávida senti muito nervosismo. Pensei: Não vou ser mais criança, agora eu vou cuidar de outra criança."

    Esse é o depoimento emocionado de uma jovem de 13 anos, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, de 24 de agosto deste ano.

    A questão para nós, que estamos na cena política é esta: onde é que nós estamos, que ainda permitimos – e permitimos todos os dias – que uma situação dessas ocorra em nosso País? Onde estão as autoridades educacionais, supondo que tais meninas estão inseridas no nosso sistema educacional, meninas que deveriam frequentar entre o 6º e o 9º ano do ensino fundamental? Onde está a orientação familiar de pais e mães e da comunidade religiosa a respeito do exercício consciente e saudável da sexualidade? Não falar sobre isso é deixar permanecer na ignorância essas crianças que deveriam ter informação, sendo orientadas dentro de casa e recebendo orientação complementar e devida nas escolas, para que não pudessem conviver com uma gravidez, muitas vezes, indesejada. Onde estão as autoridades de segurança pública que ainda permitem haver brechas para o exercício da exploração sexual de crianças e adolescentes? Onde estão os nossos serviços de saúde com prevenção em relação ao risco de gravidez precoce? Novamente digo que não falar, não divulgar, não dar foco, não dar luz a um problema dessa natureza é um grande erro.

    Não podemos deixar de comparar a situação brasileira com a de outros países, com todas as ressalvas, pois não há paralelo exato ao que nós estamos vivendo aqui.

    Cito um país constantemente visto como modelo, os Estados Unidos, onde a gravidez na adolescência era de 1,4 para mil garotas, em 1991; baixou para 0,4, em 2007; e, de novo, para 0,2, em 2015.

    Os especialistas apontam para a necessidade de programas de educação e orientação sexual nas escolas, e não para a questão do gênero abordada por inúmeras revistas aqui debatidas que foram introduzidas nas escolas equivocadamente.

    No Brasil, entretanto – é importante abordar –, há a falta de um programa adequado, orientador, esclarecedor para que esse assunto não vire um tabu e, portanto, seja tão desconhecido que possa representar uma ameaça para essas jovens de 10 a 14 anos que estão nas escolas à mercê de qualquer informação, de uma companhia daqui, de outra companhia dali. Que elas possam ter mais esclarecimento, para que não caiam no patamar dessas crianças que realmente viram mães tão precocemente.

    A falta de consenso em torno dessa questão levou à interrupção de ações nesse sentido. Estávamos na extrema ponta, em que não tratávamos do assunto, com uma certa tendência a enfocar outros de menor importância – não digo que a questão de gênero não é importante, mas digo que a questão da orientação sexual é mais importante.

    A falta dessas orientações, a falta de ter um programa, a falta de ter o senso de abordar essas questões, levou o Brasil a não ter programa nenhum. E não ter programa nenhum só leva o Brasil a frequentar as altas estatísticas que aí estão, mostrando as nossas meninas perdendo a infância e comprometendo-se tão prematuramente a serem mães e a cuidarem de crianças quando elas deveriam estar vivendo a sua própria infância.

    As diretrizes da educação básica no Brasil, as diretrizes do MEC, reconhecem que é óbvio que é durante a etapa da escolarização obrigatória que os alunos entram na puberdade e se tornam adolescentes, período de grandes transformações biológicas, psicológicas, sociais e emocionais. Reconhecem a importância que tem um programa dessa natureza, pois é nesse período de vida, com a modificação nas relações sociais e nos laços afetivos, que se intensificam as relações com os pares, normalmente nessa idade. É o período em que ocorrem as aprendizagens referentes à sexualidade e às relações que deveriam ter com esse tema, acelerando o processo de ruptura com a infância na tentativa de construir valores próprios. Como faz falta nessa hora uma orientação! Nas mesmas diretrizes, é recomendado que as escolas lidem como temas como saúde, sexualidade, vida familiar e social, assim como os direitos das crianças e dos adolescentes, de acordo com o Estatuto, que foi criado, da Criança e do Adolescente.

    Por incrível que pareça, na Resolução nº 7, de 14 de dezembro de 2010, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental de nove anos, é determinado que o projeto pedagógico das escolas deve promover atividades intersetoriais, entre outras, de promoção da saúde física e mental, saúde sexual, saúde reprodutiva. Isso está no art. 16, inciso XIX, da Resolução que acabei de citar.

    Particularmente, as escolas de ensino médio devem inserir debates, estudos, discussões, familiarizar o conceito da sexualidade...

(Soa a campainha.)

    A SRª ROSE DE FREITAS (PMDB - ES) – ...e relações de gênero que precisam ser tratados na escola e não podem ser ignorados, deixados ao largo daquilo que nós consideramos a familiarização com assuntos que são afeitos a sua transformação biológica.

    Paradoxalmente, a prática cotidiana, na maioria das escolas brasileiras, desconhece as diretrizes do MEC. Eu, recentemente, ouvi, em uma inauguração, alguém dizer assim: “Aqui, nesta escola, não terá orientação sexual”. Parecia um grande feito na hora em que dizia, foi muito aplaudido, mas esqueceu de dizer as consequências da falta de apoio, de conhecimento e de familiaridade com um assunto que está presente organicamente naquele ser humano pequeno, começando a sua vida, entrando na sua adolescência, e que precisa de apoio.

    Nós sabemos que sem educação sexual em espaços como o do ensino regular, estamos sujeitos a não ter nenhuma educação sexual. Ignorar não é apenas ignorar; é submeter à total ignorância de um assunto que está presente na vida de todos os brasileiros, em qualquer situação que esteja, vindo de qualquer família.

    Então, nós chegamos a ponto, sobretudo, de reconhecer que é entre os mais pobres que se tem a maior incidência de gravidez nessa faixa etária. E esse conhecimento, essas informações não estão acessíveis. E, muitas vezes, a família não tem o tempo para abordar um tema dessa natureza. Pior: muitas vezes, as famílias também o consideram um tabu.

    Eu me lembro de uma jovem colega que ia se casar aos 17 anos. Ela, sem saber do tema que envolvia a sua sexualidade, se preparava para o casamento e, na semana que antecedia o casamento, procurava por um livro que lhe deram. Ela tentava ler o livro, e a mãe, quando vê, olha o livro, em que estava escrito "orientação sexual", toma o livro e diz assim: "O que você está lendo?" "Eu estou lendo um livro sobre orientação sexual, vou me casar semana que vem e não sei nada." "Vai aprender como eu aprendi".

    Não é mais assim, até porque, organicamente se desenvolvendo, uma adolescente ou um adolescente vão adentrar num mundo que é repleto de grandes transformações, de pesquisas de conhecimento da sua própria natureza física. Esse conhecimento tem de ser como informação; não pode ser uma descoberta trágica; não pode ser como o inusitado, que bate à porta, às vezes, de maneira absolutamente violenta.

    De acordo com Rebeca Otero, Coordenadora da Educação da Unesco no Brasil, hoje, na faixa etária entre 10 e 14 anos, pouco tem sido feito no campo das políticas públicas de educação que aborde a sexualidade. Entretanto, a recomendação do órgão mundial é que, desde os cinco anos de idade, com adaptações de conteúdo, haja conhecimento do corpo. Nós não estamos falando aqui de discussão outra que não seja esta: para que haja conhecimento do seu corpo. A criança, daqui a pouco, sentirá desejo e muitas vezes acaba objeto de um abuso sexual.

    Na condição de Vice-Presidente da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher, eu chamo a atenção também para a situação de abuso a que essas meninas estão submetidas. Os especialistas avaliam que a violência sexual e a tolerância com relações supostamente consentidas entre adultos e menores estão por trás da maioria dos casos de gravidez na pré-adolescência.

    Uma conselheira tutelar da cidade de Ceilândia, aqui no Distrito Federal, ressalta que, mesmo no caso em que a gravidez não resultou diretamente de um estupro, muitas dessas meninas sofreram abusos sexuais na infância. Isso estimulou precocemente a sexualidade, levando-as a namorar mais cedo e a engravidar, como consequência de tudo isso.

    A prova de que programas sistemáticos de educação e saúde podem funcionar vem do Espírito Santo. Em meu Estado, felizmente, os números divulgados pelo Ministério da Saúde apontam que a quantidade de adolescentes grávidas vem reduzindo. Entre 2005 e 2015, caiu cerca de 12%.

    No Município da Serra, há um exemplo de programa educacional que eu sempre cito na minha fala quando trato de educação, o Programa Adolescente Cidadão, instalado em 15 unidades municipais em bairros onde há maior vulnerabilidade. O que eu entendo, e isso é bem claro, é que a prevenção da gravidez indesejada na adolescência não é privilégio nem exclusividade da família nuclear, do pai, da mãe, ou mesmo dessas adolescentes, é também da comunidade onde vivem, dos espaços de diversão e entretenimento, da comunidade religiosa que essa família frequenta.

    E é assim, do sistema educacional ao sistema de saúde, todos têm a obrigatoriedade de enfrentar o assunto, participar dele e ajudar a diminuir essas estatísticas que comprometem o futuro dessas meninas, que comprometem os seus programas, os seus sonhos, seus projetos, e que, sobretudo, também a família onde ela está inserida, que acaba por assumir outras responsabilidades a mais simplesmente porque, antes disso, lhe faltou informação: informação para que essa gravidez não acontecesse; informação para que essa violência sexual não acontecesse; informação só para que a criança passasse a conhecer o seu próprio corpo; informação para que pudesse até, ela mesma, ter capacidade de dizer: "Ainda não estou preparada para isso"; e não, por simples curiosidade, comprometer a sua vida, o seu futuro e o da sua família.

    Por isso eu quero chamar a atenção de todos para um esforço conjunto, trabalharmos para assegurar um direito à infância que essas meninas deveriam ter – as de todas as regiões do País, mas, especialmente, as que residem nas regiões mais pobres.

    Então, o primeiro esforço é para mantê-las na escola, e assegurar que essas escolas se comprometam a fazer uma orientação sexual consistente, apropriada, sem tabus, discutida com seus pais, inserida na comunidade como uma rotina de vida, que, logicamente, vai permitir que elas tenham perspectivas e sonhos futuros.

    Já os profissionais e equipamentos da saúde devem estar preparados para lidar com a prevenção da gravidez indesejada, isto é, cartilhas, orientações, consulta de todos os métodos contraceptivos disponíveis e recomendados por nossos profissionais de saúde.

    Quando digo isso aqui, alguém, ao ouvir, vai dizer: "Olha, a Rose está dizendo que uma menina tem que usar um método contraceptivo".

(Soa a campainha.)

    A SRª ROSE DE FREITAS (PMDB - ES) – Não estou dizendo isso. Eu estou dizendo ao contrário: é que não se chegue a esse ponto de uma criança ter curiosidade de praticar sexo antes do seu momento adequado, da sua maturidade biológica; que ela tenha capacidade de conhecer o que é isso, as consequências disso, o que acontece depois disso, para que ela possa conhecer aquilo que eu estava dizendo.

    Sexualidade todos nós temos. Todos nós. Eu sou a reprodução de sexualidade da minha mãe e do meu pai. Eu sou uma filha. Já tenho filhos. Com os meus filhos, aprendemos a conversar para que isso não fosse objeto de uma pesquisa curiosa e, muitas vezes, até irresponsável pela pouca maturidade.

    Na Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher, nós temos buscado soluções, temos pesquisado sobre qual é a maneira que temos de propor isso ao Governo para que o Governo pense que não é só tirar o País de uma crise econômica, é pensar como vive a sua população e quais as consequências quando nós não temos a inserção certa, na hora certa.

    Entendemos que, no Senado e na Câmara, esse é um tema para as comissões que lidam com educação e com saúde, mas também com a prevenção da violência, que acontece exatamente pela falta de informação e a curiosidade que vem junto, o espírito de aventura que vem junto. Então, esse é um tema também para as comissões que envolvem...

    Muitas vezes, as pessoas não pensam que tudo isso que acontece tem influência no orçamento do País, tem influência em todos os planos que eles fazem. Para qualquer política pública que se faça, é necessário você ter recurso para enfrentar os seus problemas que, cotidianamente, estão dentro da nossa sociedade.

    E quero dizer que é por isso que eu estou aqui na tribuna, para fazer essa reflexão conjunta. Você que está dentro da sua casa, você que está lá com sua filha, você, adolescente que está ouvindo, você, professora que está ouvindo, pensar que não é um assunto que deva ser tratado como um tabu. E não estou aqui discutindo gênero. Eu estou discutindo a capacidade de informar seus filhos, educar. Faz parte da educação. "Olha, você não deve beber bebida alcoólica, você não tem idade para saber as consequências disso. Você não deve praticar sexo." Só dizer que não deve não é uma forma de educar. E eu estou muito preocupada que com tudo isso que está acontecendo. Com esse comprometimento, agrava-se a responsabilidade pública num processo em que normalmente o Estado está acostumado a se omitir.

    Sr. Presidente, eu agradeço a tolerância de vocês. Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/11/2017 - Página 36