Discurso durante a 181ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a respeito de reportagem publicada na revista Veja sobre os novos ricos do Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Comentários a respeito de reportagem publicada na revista Veja sobre os novos ricos do Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/2017 - Página 33
Assunto
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • COMENTARIO, MATERIA, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, VEJA, ASSUNTO, GRUPO, PESSOAS, RIQUEZA (SC), ADVOGADO, ATUAÇÃO, DEFESA, REU, OPERAÇÃO LAVA JATO.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, é uma referência muito curta, Senador Paulo, que eu quero fazer, tendo em vista uma matéria de capa em uma das revistas semanais desse fim de semana. Uma dessas revistas colocou uma foto de um dos novos ricos do Brasil, e há páginas e páginas dentro sobre esses novos ricos brasileiros, que são os advogados que cuidam das causas relacionadas especialmente à Lava Jato.

    Eu não vou entrar nos detalhes legais. O que eu quero é chamar a atenção para o fato de que raramente se vê uma foto tão explícita do atraso brasileiro, porque, quando eu vi aqueles nomes e os comparei com os dos ricos dos outros países do mundo, dá um choque o atraso brasileiro.

    Lá fora, os grandes novos ricos são homens da alta tecnologia: os bill gates, os steve jobs. Não só nos Estados Unidos; quando a gente vai para um país como Israel, os grandes novos ricos são jovens que saíram de startups, como eles chamam, com novas invenções. E aquelas invenções propiciaram grandes empreendimentos e fortunas.

    No Brasil, hoje, que eu me lembre – e eu fiz um bom exercício –, não há uma única grande fortuna saída da criatividade, da inovação, da alta tecnologia. Quanto às nossas fortunas, algumas são da especulação no mercado financeiro – há diversas – e, agora, de grandes advogados. Ou seja, são riquezas criadas pela ineficiência do sistema jurídico, que contrata, a peso de ouro, pessoas que vão encontrando brechas para que seus clientes escapem dos problemas jurídicos que têm por conta de comportamentos equivocados, fora da lei, ou pelo menos suspeitos de fora da lei, no passado.

    O Brasil precisa refletir por que nossas grandes fortunas vêm das coisas tradicionais, como a famosa riqueza dessa JBS, riqueza que vem de uma coisa tão antiga quanto açougue, venda de carne, de que todos nós precisamos. É importante, mas nada a ver com a modernidade. Ou seja, as grandes fortunas vêm de açougues, vêm de advogados... Vêm de agricultura, como era há 500 anos, no Nordeste recém-descoberto pelos portugueses. As fortunas vinham da cana. Depois, houve um tempo em que vinham do ouro. Depois, houve um tempo em que vinham do café, do algodão. Agora vêm da soja, da carne – ou do Direito.

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Rocha. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – Lá no meu Estado, vinham da borracha.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Da borracha! Lembrando bem. Os bens primários, que caracterizavam economias colonizadas ou, pelo menos, economias sem avanços técnicos. Continuamos iguais, 500 anos depois.

    Com, aqui e ali, essas novidades do mercado financeiro, as grandes fortunas graças à especulação, e agora as grandes fortunas graças à – desculpe usar a palavra – "manipulação" das leis. Por que eu coloquei entre aspas? Para dar um toque de legalidade a essa manipulação, não querendo dizer que é algo necessariamente errado, legalmente ou moralmente. Mas não deixa de ser este o produto dessas grandes fortunas: manipular, encontrar brechas na lei e ganhar dinheiro com isso. Sinceramente, isso demonstra, em primeiro lugar, esse atraso fenomenal de um país que abriu mão de ser celeiro de conhecimento para ser celeiro de carne, celeiro de grãos, celeiro de leis, celeiro de brechas na lei.

    Quando é que o Brasil vai despertar para ser transformar em um celeiro do conhecimento, celeiro de ciência, de alta tecnologia, de cultura? Inclusive, para que as revistas semanais, quando trouxerem fotos de grandes fortunas, tragam grandes fortunas nos padrões daquelas que estão surgindo no mundo onde o conhecimento é importante. E eu não sei quando vai acontecer isso, quando é que o Brasil vai ter suas grandes fortunas resultado de grandes invenções, de grandes inovações, de grandes saltos no conhecimento.

    Eu sei o que é preciso fazer para que isso aconteça: primeira coisa, é não desperdiçar nenhum cérebro na educação de base; segundo passo, é ter universidades que, além de eficientes, sejam comprometidas com produtos claros de tecnologia e não apenas abstrações; terceiro, ter um corpo de empresários que entendam que a produtividade é importante e que a produtividade vem do conhecimento, da educação, da ciência e da tecnologia; finalmente, o entendimento de que uma economia boa tem que ser competitiva e inovativa e que essa competitividade não pode vir do protecionismo estatal a partir de subsídios, de incentivos, de isenções fiscais, mas sim da capacidade de concorrer internacionalmente sem necessidade do protecionismo que viciou o empresariado brasileiro ao longo de décadas e décadas e até hoje; finalmente, a capacidade de inventar produtos novos, porque é aí que se geram as grandes fortunas, surgem as grandes fortunas do presente. A capacidade de inventar produtos novos, novos bens, novos remédios, por exemplo, novos equipamentos médicos, novos meios de transporte, novas fontes de energia. É aí que realmente está o futuro das fortunas que esperemos que surjam no Brasil, graças à capacidade empresarial, científica e tecnológica.

     Até lá, vamos continuar tendo esses choques de atraso que é descobrir, pela capa de uma revista semanal, que os nossos grandes ricos, nossas grandes fortunas surgem da capacidade de alguns manipularem as leis, encontrando brechas dentro delas, em grande parte brechas que existem por incompetência nossa aqui no Congresso, que fazemos leis que não deixam claro o seu espírito. É lamentável, mas essas são as grandes fortunas brasileiras. É lamentável, mas não se vê sinais de que isso vai mudar nos próximos anos.

    Felizmente resta a esperança de que o Brasil vai despertar e, ao despertar, vai descobrir meios de fazer com que o País seja, um dia, um celeiro de conhecimento e aí sim que surjam grandes fortunas que nos orgulhem e não essas grandes fortunas que, sinceramente, ao ler a matéria, deixaram-me um toquezinho de constrangimento e até de vergonha. Existem fortunas que orgulham o País; outras, que envergonham. Essas envergonham.

    Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/2017 - Página 33