Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à gestão governamental dos recursos hídricos do Brasil

Autor
Otto Alencar (PSD - Partido Social Democrático/BA)
Nome completo: Otto Roberto Mendonça de Alencar
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA:
  • Críticas à gestão governamental dos recursos hídricos do Brasil
Aparteantes
Antonio Anastasia, Omar Aziz.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/2017 - Página 41
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
Indexação
  • CRITICA, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS, TRATAMENTO, NATUREZA, BRASIL, DEFESA, PRESERVAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, IMPORTANCIA, REGIÃO NORDESTE.

    O SR. OTTO ALENCAR (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Senador Lindbergh Farias, agradeço a oportunidade de falar, neste momento, aqui, no Senado Federal.

    Não me cansarei de discutir e chamar a atenção do Governo e dos governos para a questão dos recursos hídricos no Brasil. Não existe País no mundo que trate pior, e da pior forma, as nascentes, os afluentes dos rios do que o Brasil.

    Eu acho que, em todos os Estados brasileiros, já aconteceram crises hídricas de grande porte, como o caso aqui, em Brasília, agora, onde está faltando água. Imaginem aqui, na Capital Federal, comprometimento de abastecimento de água; aqui próximo, em Goiás; são Estados – Goiás, Mato Grosso e Tocantins – que têm índices pluviométricos altíssimos, como é o caso de Minas Gerais também.

    Eu não me canso de falar sobre a questão da água para garantir o futuro das próximas gerações.

    Em São Paulo, recentemente, faltou água no Cantareira e houve dificuldades de abastecimento de água. O Governador teve que fazer investimentos. E o aumento da população com a diminuição da produção de água... E o que é a diminuição da produção de água? É exatamente a morte das nascentes e dos afluentes. Então, cada ano que passa, nós temos uma cruz colocada em uma nascente ou em um afluente de um rio de grande porte.

    Então, eu já falei várias vezes sobre o Rio São Francisco e eu vi uma matéria em que o Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, fala em fazer a transposição do Rio Tocantins para suprimento do Rio São Francisco. Não há coisa mais equivocada e errada do que se falar na transposição do Rio Tocantins para o Rio São Francisco. Primeiro, o Rio Tocantins, nos últimos dez anos, já perdeu 20% da sua vazão média e está já com grandes dificuldades. O Rio Araguaia, agora, recentemente, teve quase que a interrupção do seu leito principal. E falar em transposição do Rio Tocantins para suprimento do Rio São Francisco é uma coisa completamente errada e distante do que é a realidade do Rio São Francisco, até porque, Senadora Marta Suplicy, se colocar água hoje na calha do Rio São Francisco, a água não vai chegar na Barragem de Sobradinho, porque a calha do Rio São Francisco está completamente assoreada. Nós temos bancos de areia de 10km de extensão. Um deles vai da cidade de Morpará, na Bahia, até a cidade da Barra, são quase 9km. Ou seja, não adianta colocar água nova nessa calha do rio obstruída, porque ela, com pouca profundidade, vai fazer o que nós chamamos de deltas artificiais: a água vai espalhar, vai fazer enormes lagoas e não chega à barragem.

    E eu vou dar um exemplo aqui: choveu agora muito em Minas Gerais; no Alto São Francisco, choveu. O Rio São Francisco nasce em São Roque de Minas, na Serra da Canastra. A primeira barragem de grande porte é a Barragem de Três Marias, que fica em São Gonçalo do Abaeté e tem suprimento pelas águas do Rio Abaeté, do Rio Pará e do principal de todos, que é o Parauapebas. Pois bem, choveu muito agora no Alto São Francisco, choveu volumes de 200, 300, 400mm. Era para a Barragem de Três Marias, Senadora Marta, estar com um volume útil de 30%, 40%. Sabe qual o volume útil hoje de Três Marias porque os canais que levam água estão obstruídos pela areia, pelo barro, enfim, por todos os sedimentos que vão fazer o assoreamento, pela argila? Sabe qual é, Senador Antonio Anastasia, que é de Minas e representa muito bem o seu Estado – V. Exª é um Senador de destaque aqui, no Senado Federal? O volume útil hoje, que poderia ser 30%, está em 7,17% em Três Marias. Por quê? Porque todos os canais, os afluentes, as nascentes e os rios que nutrem Três Marias estão com assoreamento. Ou seja, com a calha obstruída, a água se espalha e não chega à barragem. Choveu agora muito, choveu agora muito no oeste da Bahia, e o Rio Arrojado, o Rio Corrente, o Rio Carinhanha, o Rio Grande correram bem, mas a água não chegou e não está chegando a Sobradinho. Sobradinho hoje está com um volume útil de 2,54%, apesar da chuva intensa que houve.

    Então, não é solução fazer transposição do Rio Tocantins para a calha do Rio São Francisco com a calha obstruída. É como uma artéria do coração que está com aterosclerose, e o sangue não chega ao coração, porque está obstruída a artéria. Então, essa é uma situação muito complicada, e eu já chamei a atenção: ou se faz uma situação de emergência, ou nós vamos ter grande dificuldade.

    Um aparte ao Senador Antonio Anastasia, que conhece tão bem ou mais do que eu o Rio São Francisco, que é de sua querida Minas Gerais.

    O Sr. Antonio Anastasia (Bloco Social Democrata/PSDB - MG) – Jamais, Senador Otto Alencar. V. Exª conhece o rio de modo muito profundo, até porque o Estado da Bahia, também à semelhança de Minas, são os dois Estados nos quais o rio da integração nacional cruza o Território brasileiro com mais pujança. Mas eu queria cumprimentar, mais uma vez, sua iniciativa de ter essa bandeira, essa bandeira muito forte, que é a revitalização dos nossos recursos hídricos. Não há dúvida alguma, Senador Otto, que, daqui a poucos anos, nós não estaremos mais discutindo petróleo, ouro, nióbio, nada disso. Água. A água será de fato o elemento que vai faltar à humanidade. E nós desperdiçamos, lamentavelmente, demais. Não só no Brasil, pelo mundo afora. E V. Exª toca aqui num ponto sensível. Ao ouvir agora a palavra transposição, em qualquer rio, eu me arrepio da ponta do pé à ponta da cabeça. Transposição é um crime, repito, se não foi feita previamente a revitalização da água que será transposta. O que foi feito no São Francisco nada adiantará de maneira perene ao Nordeste, se não houver imediatamente a revitalização da Bacia do São Francisco. Não haverá água a transpor. Hoje pela manhã, eu sobrevoei, vindo de Belo Horizonte para Brasília, a Barragem de Três Marias. É de estarrecer, mesmo com as chuvas na região, o nível da barragem, porque não há a revitalização. As barragens provisórias, que são colocadas no caminho, para colocarem de fato o nível razoável do rio, a dragagem, a desobstrução dos canais, como V. Exª coloca, tudo isso teria que ser feito, mas nada foi feito. Pensaram só na parte final. Como disse V. Exª, só no fim, que é importante, mas deveria ter sido a última etapa, e não a primeira. E, daqui a poucos anos, a transposição vai transpor poeira, vai transpor terra, areia, argila, e a miséria não será superada. Então, espero que não se repita esse erro com o Rio Tocantins, como V. Exª bem alerta. Meus cumprimentos e endosso total a esse alerta que V. Exª faz de maneira veemente, com o nosso aplauso. Muito obrigado, Senador Otto Alencar.

    O SR. OTTO ALENCAR (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) – Eu incorporo o aparte de V. Exª.

    Queria dizer, Senador Antonio Anastasia, que a morte do Rio São Francisco começou na década de 80. E um dos conterrâneos mais brilhantes de V. Exª, o poeta Carlos Drummond de Andrade, chegou a Pirapora em 1984 – ele faleceu em 1987 – e vaticinou que, em 50 anos, o rio estaria morto. Naquela época, ele já via as dificuldades de se embarcar em Pirapora, no Porto de Pirapora. Hoje, o rio está a quase 1,5km de distância do porto, e não há mais a hidrovia do São Francisco.

    O Brasil, Senadora Marta Suplicy, é o país mais irresponsável do mundo com as águas e com os seus rios. Para se ter uma ideia, não existe estrutura no Brasil para manter...

(Soa a campainha.)

    O SR. OTTO ALENCAR (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) – ... para revitalizar os rios. Eu defendo inclusive, apesar de tantos ministérios, que se acabassem alguns ministérios e se criasse o Ministério da Infraestrutura Hídrica, para revitalizar os rios, levando os recursos alocados de todos esses fundos que nós temos para fazer a revitalização.

    Mas cedo o aparte ao Senador Omar Aziz, com muito prazer, meu Líder do PSD.

    O Sr. Omar Aziz (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - AM) – Meu querido amigo Otto Alencar, parece até que V. Exª, desde o primeiro dia do seu mandato, tem sido uma voz isolada em relação à questão da morte do Rio São Francisco. Eu tenho certeza de que não é uma voz isolada, até porque o Brasil precisa de uma política efetiva. Eu me recordo de que, na década de 70, 80, nós tínhamos o DNOS, que fazia a dragagem de alguns rios. Depois, aquilo acabou, simplesmente acabou. Havia grandes dragas para que não permitissem o assoreamento dos rios acontecer da forma rápida como tem acontecido.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Omar Aziz (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - AM) – Com o crescimento da população e, muitas vezes, a ocupação irresponsável nas margens dos rios, tem acontecido isso de uma forma muito rápida, muito rápida. E eu sou testemunha de que V. Exª procurou a Presidente Dilma, procurou o Presidente Temer, procurou as autoridades competentes, Ministério da Integração, discutindo essa questão da transposição do Rio São Francisco e da falta de água que o Rio São Francisco vai ter, mesmo com a transposição concluída. E não é um caso isolado. O Brasil todo está cheio de casos parecidos. No São Francisco, já é uma realidade, mas, se nós não cuidarmos hoje, não tenho dúvida alguma de que os rios na Amazônia também terão o mesmo tipo de problema.

    O SR. OTTO ALENCAR (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) – Vão caminhar para a mesma coisa.

    O Sr. Omar Aziz (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - AM) – Vão caminhar, até porque – veja bem – o que a natureza construiu durante milhões de anos o homem não pode querer mudar do dia para a noite, sem um estudo muito profundo sobre isso.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Omar Aziz (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - AM) – A natureza do homem não é mudada. Imagine a natureza da natureza ser mudada por um simples projeto de engenharia que nós façamos. Então, eu digo que V. Exª não é uma voz isolada, e, aliás, a Bancada do Nordeste é muito grande. São nove Estados do Nordeste, e, na grande maioria desses Estados, o Rio São Francisco banha as suas cidades. Quer dizer, é uma Bancada forte, com 27 Senadores. Um terço do Senado, praticamente, está no Nordeste, incluindo Minas Gerais também, porque o São Francisco está lá dentro. Então, são 30 Senadores da área do Nordeste, e V. Exª terá a solidariedade de nós, do Amazonas, com certeza absoluta, em relação a essa sua luta, porque eu sou testemunha desde o primeiro dia. Desde o primeiro dia em que assumiu a cadeira no Senado, V. Exª tem procurado o Presidente. A própria Presidente Dilma V. Exª procurou, levou uma camisa para ela, ela vestiu a camisa "Salve o São Francisco".

    O SR. OTTO ALENCAR (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) – Salve o Velho Chico.

(Interrupção do som.)

    O Sr. Omar Aziz (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - AM) – E até agora não vimos nenhum resultado prático. (Fora do microfone.)

    Sou solidário ao Senador.

(Interrupção do som.)

    O SR. OTTO ALENCAR (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) – V. Exª não vai me discriminar, de maneira nenhuma. Estou falando sobre o Rio São Francisco aqui.

    Então, eu queria esclarecer bem que eu nunca me coloquei contra a transposição do Rio São Francisco. Os Estados como o Ceará... O Estado da Paraíba, então, é o Estado que tem o menor potencial aquífero de superfície, de subsolo para abastecimento da população, até porque essa água que está indo para a transposição ia para o mar. Não vai mais para o mar, porque o mar já entrou 15km no rio. E este é o principal sintoma da morte de um grande rio: quando mar começa a entrar no rio. Eu nunca fui contra isso. Eu fui contra fazer a transposição, e não começar a revitalização.

    Essa privatização da Chesf só poderá acontecer se o Governo se dispuser ou a revitalizar o rio e depois privatizá-lo ou a privatizá-lo e depois direcionar os recursos da privatização para a revitalização completa do Rio São Francisco. Na minha opinião, Senador Anastasia, os recursos não serão suficientes.

    O Rio São Francisco, para ter a sua revitalização feita por completo em dez anos, vai precisar de investimentos da ordem de quase R$2 bilhões por ano. A transposição já consumiu R$10 bilhões, Senadora Marta. E para revitalizar o rio todo, que tem uma extensão de 2.780 quilômetros; sair da Serra da Canastra e chegar ao Atlântico, na divisa de Sergipe com Alagoas, e percorrer esse espaço inteiro de rio, será preciso um investimento muito alto.

    E o Rio São Francisco tem uma coisa que nenhum rio do Brasil tem: a menor inclinação por quilômetro. São seis centímetros de inclinação por quilômetro, de desnível por quilômetro, para chegar lá. Então, ele está quase completamente parado, obstruído. E eu sei que o Ceará precisa dessas águas, eu sei que o Estado da Paraíba precisa, o Agreste de Pernambuco precisa, Alagoas precisa, mas é necessário tomar uma decisão logo, imediatamente, para fazer essa revitalização.

    Eu tenho falado aqui permanentemente sobre isso – e o Senador Omar Aziz falou em 27 Senadores do Nordeste –, mas a minha voz não tem sido ouvida. Se tivesse sido ouvida, nós já teríamos marchado, primeiro, no governo da Presidente Dilma – fui lá sozinho – e, agora, no Governo do atual Presidente Michel Temer.

    Essa é uma coisa grave, de segurança para o povo nordestino, para o povo da Bahia, de Alagoas, de todos os nove Estados do Nordeste – sete Estados, porque o Piauí e o Maranhão não têm necessidade dessas águas.

    Portanto, a situação é de uma gravidade muito grande. Se chover como choveu agora em Minas Gerais... Três Marias está com 7,17% de volume útil. Sobradinho – Senador Garibaldi Alves, que se interessa muito por isso –, hoje, depois de muita chuva, está com 2,54%...

(Soa a campainha.)

    O SR. OTTO ALENCAR (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) – ... de volume útil. A água ficou no meio do caminho, ficou nas lagoas, nos deltas artificiais, porque o rio perdeu a profundidade e, consequentemente, a água se espalha e não chega à barragem. As águas do Rio São Francisco não vão chegar absolutamente mais como chegavam a Sobradinho.

    Esse é o meu alerta. Eu chamo a atenção do Governo, dos Senadores do Nordeste, que devem se unir para salvar o único bem que pode garantir futuramente água em qualidade e em quantidade suficiente para as futuras gerações nordestinas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/2017 - Página 41