Discurso durante a 188ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Lamento pela demora na aprovação, pelo Senado, do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

Críticas à possibilidade de se incluir "religião" como disciplina obrigatória nas escolas laicas.

Comemoração do dia nacional da mobilização dos homens pelo fim da violência contra as mulheres, celebrado em 6 de dezembro.

Autor
Marta Suplicy (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SP)
Nome completo: Marta Teresa Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CIDADANIA:
  • Lamento pela demora na aprovação, pelo Senado, do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
EDUCAÇÃO:
  • Críticas à possibilidade de se incluir "religião" como disciplina obrigatória nas escolas laicas.
HOMENAGEM:
  • Comemoração do dia nacional da mobilização dos homens pelo fim da violência contra as mulheres, celebrado em 6 de dezembro.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2017 - Página 25
Assuntos
Outros > CIDADANIA
Outros > EDUCAÇÃO
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, AUTORIZAÇÃO, CASAMENTO CIVIL, HOMOSSEXUAL.
  • CRITICA, POSSIBILIDADE, INCLUSÃO, ENSINO, CRENÇA RELIGIOSA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, AUSENCIA, VINCULAÇÃO, RELIGIÃO.
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, MOBILIZAÇÃO, HOMEM, COMBATE, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER.

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Obrigada, Sr. Presidente.

    Eu vou fazer algumas considerações sobre o que aconteceu ontem aqui nesta Casa em relação à votação do projeto do casamento entre pessoas.

    Nós poderíamos ter votado esse projeto já na semana passada, mas, no dia 29, quando começou essa discussão, e depois, de novo, não houve o quórum necessário. Nesse dia, por uma coincidência da vida, a Austrália também discutia a mesma coisa no Senado de lá. Eles aprovaram, e nós aqui protelamos mais uma vez. Na Austrália, já seria um direito consagrado, porque era uma votação final no Senado; e nós aqui ainda teríamos de enviar o nosso projeto para a Câmara dos Deputados.

    Pois bem. Eu defendo o casamento civil desde 1995 – faz muito tempo. E, hoje, depois das decisões do Supremo, do Conselho Nacional de Justiça, está ficando muito claro que nós falamos de direitos civis, de direitos humanos. Há falas muito bonitas de quando foi votada a extensão dos direitos da união estável heterossexual também para os homossexuais, há falas dos ministros muitos comoventes em relação aos direitos das pessoas que hoje são excluídas.

    O projeto que nós estamos apresentando aqui e que ora se discute é um projeto claro. O substitutivo do Senador Requião é claríssimo também sobre se tratar de algo civil. Não tem nada a ver com igreja. Mesmo assim, por insistência de pastores importantes e por insistência de alguns Senadores, nós resolvemos considerar que a palavra "casamento civil" deveria estar explicitada. Eu achei meio redundante, porque, na verdade, se está no Código Civil, se está no capítulo de casamento, é óbvio que é uma proposta para o Código Civil, que altera o Código Civil – hoje é casamento entre homem e mulher, e está-se propondo casamento entre pessoas –, mas, tudo bem, se isso ajudava a compreensão e a aprovação do projeto.

    Depois, também pediram para ter uma inserção dizendo que não se estende o casamento civil, em nenhuma hipótese, para uma obrigatoriedade de uma igreja fazer o casamento. Tudo bem. Eu nunca vi um casal homossexual chegar a uma igreja que não acolhe o casamento entre pessoas do mesmo sexo e fazer essa exigência, porque as pessoas não gostam de ser mal recebidas. Se elas sentem que elas não serão acolhidas, elas vão procurar outra coisa, não vão ficar levando porta na cara, sendo desrespeitadas, humilhadas ou levando "não". Então, eu entendi que isso estaria muito claro, porque Código Civil não se estende a religião nenhuma. Acho também que era uma brecha de misturar religião com Código, mas, até aí, foi feito esse entendimento.

    Mesmo assim, na hora da votação, nós nos sentimos aqui bastante sabotados pelo que aconteceu, principalmente... E não por mim, porque eu faço essa luta, faço a das mulheres, faço a das minorias, faço a dos pequenos empresários, faço a luta contra a desigualdade social, porque essa é uma luta muito querida, uma luta que vem da minha vida na TV Mulher, quando tive as primeiras experiências com pessoas que sofriam com a discriminação. Foi aí que eu consegui entender a dimensão nacional que era esse sofrimento de não poder falar para a família, de ficar com crise de ansiedade, de nunca poder assumir nada na vida. Isso mudou. E o Supremo mudou isso de uma forma muito positiva. Há um vácuo na legislação. O Ministro do Supremo na época Cezar Peluso colocou com clareza o vazio legislativo que tem que ser preenchido – nós temos que fazer a lei. É isto que nós estamos tentando fazer: adequar o Código Civil à lei que já existe. Parece muito difícil aqui de se entender uma coisa desse tipo.

    E aqui eu não vou ficar enumerando as estatísticas de assassinato, de xingamento, porque isso tem a ver com autoestima também e é muito diferente. Perguntam: "Mas por quê? Vocês não estão satisfeitos, pois já podem casar?". Fora a questão de que tem que estar na legislação, uma vez que sempre se pode mudar alguma coisa que não está na legislação, é uma questão também de autoestima, de respeito para a pessoa, há um valor simbólico. As pessoas que têm a sua sexualidade resolvida e que não têm estigmatização de nada não percebem o que é, não percebem a dificuldade dos que têm que enfrentar uma situação de cidadania de segunda categoria.

    E nós não vamos combater o ódio, o preconceito se não se respeitarem as diferenças. E o Brasil está numa radicalização que eu considero muito perigosa, uma radicalização que faz com que as pessoas se odeiam, que as pessoas se xinguem. Isso é o contrário do que nós temos que buscar.

    Ontem, desperdiçamos mais uma chance de dizer "sim" para milhares de brasileiros terem mais segurança jurídica. O trabalho pela aprovação do projeto continua.

    Eu lembro uma frase do Ministro Ayres Britto: "Se os homossexuais ganham esses direitos na lei, nenhum heterossexual será prejudicado." Agora, mudando de assunto, mas não mudando, hoje de manhã nós tivemos uma audiência pública sobre bullying. E foi muito importante, porque um dos bullyings mais sérios que ocorrem é o bullying homofóbico nas escolas também.

    Mas mais que isso, o que se viu na discussão: eram seis especialistas, quatro especialistas e dois professores de escolas que conseguem ter um clima de segurança emocional para os alunos, onde o bullying é zero. Uma era uma escola religiosa, Santa Terezinha; outra, uma escola laica do Município de Ceilândia. Escolas exemplares.

    Bom, agora nós estamos acompanhando essa luta no MEC, que é a questão de colocar, Senador Acir, a questão da religião como equivalente à obrigatoriedade de matemática e português. Eu acho isso um absurdo num País que é laico, que tem uma história laica. Já é aberrante colocar como opção, porque, como opção, nas escolas privadas, você pode estudar numa escola católica, evangélica, judaica – as escolas privadas oferecem essa opção religiosa. As laicas é bom manter como estão. Elas são laicas. A família dá os seus valores religiosos para a criança.

    É claro, ninguém está dizendo que vai a escola laica, se passar esse projeto, ser de religião "x" ou "y." Vai ser de uma história de espiritualidade. Mas sabemos que na prática não é isso.

    Agora, pior, quando eu li hoje, é que estão querendo que essa obrigatoriedade da religiosidade vá ser conjunta com o ensinamento da sexualidade. Aí, eu penso que eles estão é doidos. Porque como é que vai fazer uma aula de religião com sexo? O trabalho, eu diria, até se fosse para fazer um trabalho de religião e de sexualidade juntas, você poderia fazer em casa; mas, numa escola, não. Isso seria completamente equivocado.

    E, aí, há um caminho que está sendo percorrido, que é um caminho, Senadora Regina, que é muito perigoso. Por que é que estão querendo tirar a discussão de questão de gênero? Estão querendo porque... Agora eu estou vendo, porque querem entrar na questão da religião. E questão de gênero, eles têm que entender, não tem a ver com sexualidade do jeito que entendem. Porque eles dizem: "Vai discutir questão de gênero, então vai transformar as crianças. Vai ver brincadeira de futebol, vai ser agora para menina." Gente, não existe isso, não é?

(Soa a campainha.)

    A SRª MARTA SUPLICY (PMDB - SP) – Isso não é o que se pretende. Pretende-se discutir a questão de homem e mulher, igualdade entre homem e mulher.

    E hoje nós estamos exatamente no Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres. É um dia de muita reflexão, como nós precisamos desses parceiros todos, para não cometermos abusos no sentido de retirar questões importantes das escolas, onde há que ser discutido no que é realmente, e não no que se imagina, de que, em se discutindo gênero, nós vamos transformar meninos em meninas, porque não há cabimento qualquer pessoa que estuda a sexualidade dizer um absurdo desse.

    Então, todas essas questões me fazem lamentar o momento que nós estamos vivendo e a possibilidade de isso ocorrer. Espero que não ocorra, porque vai ser um desastre absoluto e um retrocesso gigantesco.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2017 - Página 25