Discurso durante a 190ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão Especial destinada a comemorar os 180 anos do Grande Colégio de Ritos para o Brasil e os 300 anos de fundação da Grande Loja Unida da Inglaterra.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão Especial destinada a comemorar os 180 anos do Grande Colégio de Ritos para o Brasil e os 300 anos de fundação da Grande Loja Unida da Inglaterra.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2017 - Página 10
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, CELEBRAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, LOJA, OBJETIVO, ESTUDO, ANTIGUIDADE, CERIMONIA, MAÇONARIA, FUNDAÇÃO, GRUPO, REGIÃO, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras; Grande Chanceler e Presidente do Grande Colégio de Ritos, Sr. Max Hager; Reitor, pelo Estado de São Paulo do Grande Colégio de Ritos, Sr. Filipe Passos Marzano; Mestre Instalado da Loja Abrigo do Cedro nº 8, de Brasília, Sr. Almir Antônio Lustosa Vieira; todos os outros membros que aqui representam colégios e lojas maçônicas. Cito o Sr. Luiz Lustosa Vieira, que é Mestre da Loja Abrigo do Cedro nº 8, de Brasília; cito o Sr. Leonardo da Mota Bulhões, Mestre Grau 15 da Loja João Caetano 478.

    Senhoras e senhores, na história do Brasil, por trás da independência, que será comemorada em seu segundo centenário dentro de quatro anos, o próximo Presidente que estará no governo, Senador Hélio José, no primeiro ano do terceiro centenário da Independência... E eu lamento dizer que acho que nenhum dos candidatos que estão aí estão conscientes disso, estão conscientes de que significa que ele será o primeiro Presidente de um futuro centenário do Brasil, porque todo Presidente deveria sentir-se, porque cada dia começa um novo centenário... Mas o próximo Presidente, mais do que os outros, vai estar na cadeira quando comemorar o segundo centenário, quando dermos início ao terceiro centenário.

    Por trás dessa independência, 200 anos atrás, esteve a Maçonaria, lutando para conseguirmos as forças necessárias para a independência em relação ao reino de Portugal. A Maçonaria esteve por trás da luta contra a escravidão, quando, em 1888, depois de mais de 300 anos de um sistema abjeto, bárbaro, terrível, que era a escravidão, conseguimos fazer com que os seres humanos não fossem vendidos, nem tratados como animais para a produção econômica. Por trás daquela abolição, estava a Maçonaria; por trás da luta pela República, estava a Maçonaria, quando, em 1889, o Brasil saiu de ser um Império, com uma nobreza, e passou a ser uma República, com cidadãos, de iguais direitos.

    Apesar disso, tantos anos depois, nós continuamos com uma independência incompleta, com uma abolição incompleta, com uma República incompleta. Aqui nós temos foro privilegiado. Isso não é característica de República. Algumas crianças no Brasil nascem sabendo que vão ter educação à disposição, porque os pais poderão pagar, e outras sabendo que não terão educação, porque os pais não podem pagar e os Municípios onde elas vivem são pobres. Isso não é uma República.

    Nós continuamos com a escravidão, porque no mundo de hoje a abolição se chama conhecimento. E, se não oferecermos conhecimento a uma pessoa, o conhecimento de saber ler, por exemplo, ela será escrava. O analfabeto é um escravo no dia a dia e, pior, torturado por ter que viver num mundo letrado sem saber decifrar o que está escrito.

    Por isso, eu creio que há, diante de nós, um desafio muito grande ainda para a Maçonaria, militar, para completar a independência. O Brasil não é um País independente, pois tudo que nós usamos aqui foi inventado fora. Não há país independente se não houver ciência e tecnologia que lhe permita viver, não é nem isolado, convivendo, mas em grau de igualdade com os outros países. Nós somos subordinados aos países que criam ciência e tecnologia. Não somos independentes. Todos que tomaram um remédio hoje tomaram um remédio inventado, criado, formulado no exterior. Mesmo que aqui algum laboratório faça misturas para produzir a pílula, a fórmula veio de fora. Este microfone não existiria se não houvesse uma ciência lá fora. Tudo! Não somos independentes! Não abolimos a escravidão plenamente porque nossas crianças não têm escolas iguais. Não somos uma República por privilégios que a elite brasileira tem hoje, talvez mais ainda do que os nobres do tempo do Império.

    Por isso, a Maçonaria tem uma tarefa. Mas, Senador Hélio José, tem uma tarefa a mais, ou seja, além de não termos completado esses três grandes fatos da nossa história, chegamos a este momento em um processo político sem razão. Está faltando razão. Duas formas de razão estão faltando: razão no sentido do propósito – para que fazer política – e razão no sentido da lógica – como fazer política. Lamento dizer, mas nós os políticos brasileiros estamos sem uma razão de propósito de para onde queremos levar o Brasil nas próximas décadas e estamos sem razão no sentido da lógica da convivência e do diálogo. Estamos sem saber o rumo e sem coesão de caminhar. Vejam que tragédia! Nem um rumo definido para onde ir e nem um diálogo para tentar construir esse rumo.

    Estamos batendo cabeça entre nós sectariamente, sem debates respeitosos, cada um na sua posição, sem querer nem ouvir o que o outro diz, e perdidos no presente sem construir um futuro para onde levar nossa Nação. Eu creio que esta é a tragédia que nós temos hoje: perdemos a capacidade de definir o rumo e a capacidade de dialogar no presente. Sem rumo e sem diálogo, sem coesão e sem rumo, o País está se perdendo, porque o resto do mundo está avançando, e nós estamos ficando para trás, e num clima de distúrbio tal que o Brasil corre o risco de se desagregar dentro de alguns anos ou décadas, desagregar-se pela violência, desagregar-se pela desigualdade de renda, desagregar-se pela falta de conhecimento, desagregar-se pela falta de lógica como se faz política, desagregar-se porque há gente que não acredita na aritmética e, portanto, acha que o País, tendo dois mais dois, pode gastar cinco. Existe a percepção nos políticos brasileiros de que, se o Governo arrecada quatro, pode gastar cinco, graças àquele truque maldito chamado inflação, em que todos são enganados recebendo 100, que o Governo não tem para pagar, mas que só vale 80, porque não tinha 100 de verdade.

    Nós precisamos trazer a lógica no processo de debate, precisamos trazer o respeito que caracteriza o diálogo e temos que trazer um propósito para onde caminhar. O mais grave é que a grande esperança que a democracia nos oferece de, a cada quatro anos, podermos nos reencontrar na escolha de um líder que nos representa talvez esteja sendo hoje perturbada pela falta de lógica, de razão, de propósito e pela sobra de uma coisa chamada raiva na cabeça do eleitor – raiva que dá para explicar sim, que tem razão de ter, porque nós frustramos os sonhos e ainda caímos em corrupção, em ilegalidades, em irresponsabilidades. Nós caminhamos para uma eleição na qual, em vez de esperança, vai prevalecer a raiva, a ira. A ira não é uma boa conselheira para ninguém, individualmente, na hora de tomar uma decisão. A ira é ainda pior quando um país decide.

    Por isso, eu vim aqui, a pedido do Senador Raupp, para fazer um apelo: que a Maçonaria nos ajude a trazer a razão de volta à política; as duas razões: a razão no sentido de propósito, uma razão para fazer política; e a razão no sentido da lógica, a política com inteligência, com cérebro, não com o fígado, e com diálogo, não com desavenças.

    Eu creio que a Maçonaria pode ter um papel. Se vocês olharem ao redor, estão surgindo muitas entidades buscando isso. Há uma que se chama Cervantes, há uma que se chama Hoje, há outra que se chama... Nem vou citar os nomes. A falência dos partidos ocorre porque não têm razão de propósito hoje. Não vejo qual é o propósito de qualquer dos partidos. Não vejo. Talvez no estatuto esteja escrito. Mas, na prática, no dia a dia, não têm – e eu disse todos e sou de um deles – nem a razão de dizer: isso é lógico ou isso é apenas o que o meu eleitor quer ouvir?

    Essas entidades estão surgindo porque os partidos não estão preenchendo o papel deles. E, se essas entidades estão surgindo, criadas, todas elas, há menos de 180 dias, por que uma que tem 180 anos não pode nos ajudar nesse processo? E não apenas 180 anos, com uma imensa quantidade de não apenas militantes, mas irmãos, como vocês se chamam entre vocês. E não apenas entidades que visam uma religião, um grupo, um interesse, mas uma entidade que transcende essas coisas menores e que pensa a humanidade inteira. Não é nem só o Brasil. Que pense o Brasil, não o partido.

    Eu não vejo discursos, como eu já ouvi, de maçons, falando no interesse da Maçonaria. Eu sempre ouço os discursos deles da Maçonaria para o Brasil. Nem sempre a gente vê isso nos partidos. Nem sempre a gente vê isso mesmo nessas novas organizações que estão surgindo, com belos propósitos, ou seja, com a razão no sentido de propósito.

    Daí que eu vim aqui para fazer um apelo: ajude o Brasil a trazer a razão de volta à política; as duas razões: a razão no sentido de propósito e a razão no sentido da lógica. Nós precisamos de vocês, dessas outras entidades e ONGs que estão surgindo, desses grupos de pressão que estão aparecendo, dos grupos de reflexão que estão sendo criados. Nós os políticos precisamos, até porque todo político sem causa é um corrupto em potencial. Pode até não ser um corrupto ainda, mas ele é potencialmente. O que faz um político não se corromper é algo que está dentro dele: o caráter. Mas é, sobretudo, ter uma causa pela qual lutar. É a causa que serve como vacina anticorrupção. E a causa não surge de dentro de nós políticos ou partidos, surge de fora, surge dos filósofos.

    Eu tenho dito por aí – muitos não gostam ou não entendem – que, além de muitos maus políticos, o problema do Brasil é a existência de poucos bons filósofos, que formulem causas para o futuro, até porque mesmo alguns dos políticos que ainda têm causa, em geral, estamos trabalhando com causas antigas. Diante da globalização, diante da robótica, diante dos novos costumes que estão surgindo no mundo da cultura, nós estamos trabalhando sem causas ou com causas antigas, superadas pela realidade. E não vejo muitas entidades e pessoas, filósofos, economistas, sociólogos, formulando causas novas que penetrem aqui nesta Casa. De dentro dela dificilmente surgirão causas.

    Vocês podem trazer causas. Vocês podem trazer a razão de ser da política no Brasil, e vocês podem ajudar a trazer a razão no sentido da lógica que permite o diálogo, e não do confronto sectário em que se transformou a política brasileira pela frustração com tudo que a gente tem feito nessas últimas décadas. A frustração gerou a raiva, mas a raiva não gera solução. A raiva não gera uma nação. A ira não é boa conselheira, e é ela que está dominando o processo eleitoral de 2018. Por favor, ajudem a nós políticos a cumprirmos nosso papel com causas, com razão, com duas razões: propósito, a razão do propósito, e a razão da lógica de como funcionar.

    Eu espero que esse evento não apenas sirva para comemorar os 180 anos – aliás, os 300 anos, se formos lá atrás na Inglaterra –, mas sirva para pensarmos o próximo século, que começa em 2022, da Nação brasileira. Que ela seja independente, que ela não tenha mais qualquer resíduo de escravidão e que ela seja, de fato, uma República.

    Nós precisamos de vocês, e eu vim aqui para dizer isto: muito obrigado por existirem. Mas eu gostaria de vir aqui, daqui a alguns anos, e dizer muito obrigado por terem nos ajudado a trazer de volta razão à política brasileira.

    Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2017 - Página 10