Pronunciamento de Roberto Requião em 30/11/2017
Discurso durante a 184ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal
Considerações sobre o centenário da greve geral dos trabalhadores brasileiros, ocorrida entre junho e julho de 1917, em São Paulo.
- Autor
- Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
- Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
MOVIMENTO SOCIAL:
- Considerações sobre o centenário da greve geral dos trabalhadores brasileiros, ocorrida entre junho e julho de 1917, em São Paulo.
- Publicação
- Publicação no DSF de 01/12/2017 - Página 34
- Assunto
- Outros > MOVIMENTO SOCIAL
- Indexação
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- COMENTARIO, MOVIMENTO SOCIAL, HISTORIA, GREVE, TRABALHO, APOIO, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, LOCAL, CIDADE, SÃO PAULO (SP), COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, CRITICA, REFORMA, PREJUIZO, TRABALHADOR, CONQUISTA (MG), DIREITOS, ATO ANTERIOR.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Presidente, antes que este ano se encerre, relembro hoje o centenário de um dos mais importantes acontecimentos da história brasileira: a greve dos trabalhadores de 1917.
Foi a maior greve havida no País até hoje, com a adesão de mais de 70% da mão de obra ativa, além de que a paralisação obteve um grau de apoio de parte da população jamais visto nestes últimos cem anos.
O movimento despertou uma corrente de solidariedade que alimentava, protegia, dava refúgio, coletava recursos e ia às ruas em defesa dos grevistas. E foi também a mais reprimida e a mais sangrenta das greves operárias brasileiras. Cerca de 200 operários assassinados, centenas feridos, várias centenas presos e milhares demitidos, além de dezenas de trabalhadores expulsos do País por serem estrangeiros.
As execuções sumárias, a tortura, as prisões em massa, a proibição de organização sindical, a censura à imprensa foram os instrumentos de repressão largamente usados em 1917.
Não à toa que o Prefeito de São Paulo, centro irradiador da onda sísmica que abalou o País, era Washington Luís, para quem "a questão social era caso de polícia".
Neste ano do centenário da grande greve, exatamente neste ano, como que para se vingar dos trabalhadores de 1917, as classes dominantes, aliadas a um governo que não está coberto pela legitimidade de uma eleição, com o apoio de um Congresso que renunciou ao papel legislativo e com o suporte da mídia monopolista e venal, aprovaram a reforma trabalhista.
Essa reforma, que agora passa a viger, reequipara, realinha as condições de trabalho, salariais e de direitos dos trabalhadores de hoje às condições de trabalho, salariais, de direitos e de organização de 1917. Um retrocesso secular!
Envergonhem-se, senhoras e senhores, com o que aprovamos aqui.
Vejam o que os trabalhadores de São Paulo, do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, principais centros grevistas de um século atrás, reivindicavam e comparem com o que foi sancionado aqui pelo Presidente da República.
Em 1917, eles queriam jornada de oito horas de trabalho. Hoje, estamos flexionando a jornada, permitindo que ela seja estendida a 12 horas diárias, como, aliás, era a jornada de cem anos atrás.
Como há cem anos dizia o representante de São Paulo neste Senado, Alfredo Ellis: "Nós, do Poder Legislativo, não podemos decretar horas de trabalho." A mesma omissão adotada agora pela Bancada paulista, pela Câmara e pela maioria desta Casa.
Em 1917, os trabalhadores brasileiros queriam férias e descanso remunerados, aposentadoria, salário mínimo, contrato de trabalho assinado, condições de trabalho salubres e seguras, especialmente para as mulheres e as crianças. E vejam só: queriam também, em 1917, intervalo para o almoço.
Hoje, um século depois, as senhoras e os senhores da Bancada patronal e governista aprovam uma reforma que não garante férias, descanso remunerado, intervalo para o almoço, salário mínimo. E a proposta de reforma da previdência tornará a aposentadoria tão impossível como era àquela época.
Hoje, como há cem anos, as senhoras e os senhores admitem que grávidas, lactantes trabalhem em ambientes insalubres. Cem anos depois, a máxima de Washington Luís pode ser recolocada como dístico, como símbolo dessa reforma e, quem sabe, até mesmo escrita em placa de bronze para entronização neste plenário, ao lado de Rui Barbosa.
É uma falácia dessas trapaças de jogador de baralho de botequim dizer que todos os direitos dos trabalhadores estarão preservados com a reforma. Mentira! Mentira em que apenas alguém absolutamente idiota, muitíssimo idiota, acreditaria. Com a supremacia do negociado sobre o legislado, o trabalho intermitente e a terceirização, nada, absolutamente nada estará garantido, zero, Senador Cidinho – nem o salário mínimo, nem férias, nem o décimo terceiro, nem o descanso remunerado, nem o recolhimento do Fundo de Garantia e da previdência. Logo, sequer a aposentadoria estará garantida, independentemente de ela ser reformada ou não.
O empregador não se verá obrigado a respeitar qualquer direito. Com a pejotização indiscriminada da força de trabalho, cada trabalhador será transformado em uma empresa, sem direito a férias, décimo terceiro, descanso remunerado, recolhimento do Fundo de Garantia, desconto para a previdência. Enfim, será cada um por si e todos contra os trabalhadores.
As empregadas domésticas, só recentemente reconhecidas como trabalhadoras com direitos – isso mesmo, só recentemente reconhecidas como trabalhadoras –, voltarão rapidamente à condição anterior ou como contratadas, como trabalhadoras intermitentes, pejotizadas.
E quem não sabe disso? Alguma Senadora ou algum Senador desconhece que isso tudo vai acontecer, que todos os direitos conquistados com tanto suor e tanto sangue pelos trabalhadores serão impiedosamente surrupiados?
Além dessa mentira – a mentira de que nenhum direito será cancelado –, é preciso que se desnude outra patifaria: a patifaria de que a reforma resultará, automática e milagrosamente, na criação de mais empregos.
As senhoras e os senhores se lembram daquele rapaz da Riachuelo, que dizia, como o vendedor de óleo de capivara em feira, que a destituição de Dilma provocaria, no dia seguinte, o espocar do crescimento econômico do Brasil? Pois é, tentam nos vender, agora, o mesmo óleo santo, curador de todos males. Aceitar mais essa intrujice é, de duas uma: ou é burrice córnea ou é má-fé cínica.
A reforma é destruidora de empregos formais, já que os empregadores irão, imediatamente, trocar os empregados celetistas por trabalhadores autônomos, não registrados, intermitentes, pejotizados. O trabalho intermitente, especialmente, provocará a ceifa de milhares de empregos.
Diante da possibilidade de demitir um trabalhador registrado, titular de todos os direitos garantidos pela CLT, e contar com um escravo voluntário à disposição, qual será a escolha do empregador?
Será que não entra na cabeça das senhoras e dos senhores – não estou querendo dizer na cabeça do Líder do Governo, que aí seria querer demais –, será que não entra na cabeça dos empregadores, dos dirigentes da FIESP, da CNI e que tais que a retomada do desenvolvimento jamais será feita com a precarização do trabalho? Nunca, em lugar algum do mundo capitalista, a precarização do trabalho impulsionou o desenvolvimento. Jamais, país que seja, emergiu da depressão com o massacre dos assalariados e a contratação da demanda. A essência vital do capitalismo é o consumo e o consumo só acontece com o aumento do emprego e o aumento dos salários.
Não é tão óbvio que sem emprego e salário não haverá demanda e que sem demanda não haverá produção?
Bom, eu não estou falando da volta à escravidão, de uma sociedade escravocrata, em que tudo o que eu disse acima não seria levado em conta, por desnecessário e irrelevante, em que todas as minhas críticas à reforma seriam ociosas.
E, sinceramente, espero que os proponentes da reforma e também os seus apoiadores não estejam idealizando uma sociedade escravocrata, onde a demanda de parte da força de trabalho é desprezível...
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... irrisória para a economia. Aí, sim, nesse caso, as reformas se ajustariam maravilhosamente.
É este o caso, Srªs e Srs. Senadores?
Faço aqui dois parênteses: primeiro, até agora, o Governo não editou uma nova portaria revogando a portaria anterior, que abriu a porta para a volta do trabalho escravo no Brasil. Quer dizer, depois da reforma trabalhista veio um retrocesso ainda mais tenebroso. Segundo parêntese, Senador Cidinho, no dia 16 passado, finalmente, o Governo mandou uma medida provisória para alterar alguns itens mais escabrosos da reforma trabalhista, como no caso do trabalho de grávidas e lactentes em ambientes insalubres. Mas, como até agora sequer foi criada a comissão especial para examinar a medida provisória, a tramitação da medida ficará para o ano que vem.
Até lá, é permitido e legal o trabalho de grávidas e lactentes em ambientes insalubres e perigosos para a saúde e das crianças.
Senhoras e senhores, contam que, no aceso do conflito de 1917, os empregadores decidiram responder à greve com um lock-out. Aprovada a resolução, eis que chega à assembleia patronal o conde Francisco Matarazzo, então o maior industrial da América Latina. Ele deu uma espinafrada geral e exortou seus pares a negociar com os trabalhadores e interromper o massacre.
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – Pelo jeito, hoje, faltam-nos Matarazzos e sobram Skafs.
Por fim, saúdo e homenageio as mulheres, os homens e as crianças que protagonizaram a gloriosa greve de 1917. Uma greve, como se vê, pelo o que pretende essa reforma atualíssima.
E caso os senhores não desejem para o Brasil um outubro de 1917, tratem de aprender as lições de julho de 1917. Dia 5, para o Brasil, pelo direito dos trabalhadores, pelo processo...
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... civilizatório, pela fraternidade, pela justiça social e pela dignidade deste País.
E vai parar de verdade.