Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao Congresso Nacional pela aprovação do teto dos gastos públicos.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Críticas ao Congresso Nacional pela aprovação do teto dos gastos públicos.
Publicação
Publicação no DSF de 06/02/2018 - Página 27
Assunto
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • CRITICA, CONGRESSO NACIONAL, MOTIVO, APROVAÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), AUTORIA, MICHEL TEMER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBJETO, LIMITAÇÃO, ACRESCIMO, GASTOS PUBLICOS, NATUREZA SOCIAL, EQUIVALENCIA, INFLAÇÃO, EXERCICIO FINANCEIRO ANTERIOR, ALTERAÇÃO, REGIME FISCAL, RESULTADO, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, REFERENCIA, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ROTA, SEDA, CHINA, LEITURA, TEXTO, AUTOR, PROFESSOR, FILOSOFIA, UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO (UFES).

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Duas notícias de investimentos econômicos comovem o mundo hoje: a rota da seda, na China, e, mais recentemente, quando o Presidente "Donaldo" Trump pede ao Congresso americano a liberação de US$1,5 trilhão para investimento em infraestrutura, fazendo girar novamente a economia dos Estados Unidos. Mas aqui nós continuamos com uma proibição de investimentos por 20 anos, essa loucura aprovada pelo Congresso Nacional.

    Presidente, há tempo que a ciência, os fatos da vida comprovam que nada é por acaso. No entanto, embora a ideia medieval da abiogênese, a geração espontânea, seja a representação paradigmática daqueles tempos terríveis, ainda hoje a proposição do espontaneísmo resiste e é amplamente aceita quando se trata da política ou mesmo da economia.

    Diariamente, a mídia empresarial espalha a intrujice de que do acúmulo de lixo nascem insetos e ratos, de que é possível originar vida da matéria não viva. Se Humberto Eco foi assertivo ao dizer que a internet liberou infindáveis legiões de néscios, ele se esqueceu de acrescentar à turma os comentaristas e ditos analistas de política e de economia que infestam as televisões, rádios e jornais da mídia privada e monopolista.

    É notável a incapacidade de raciocinar, de somar dois e dois. Gramsci dizia que não existe o canalha absoluto, que o canalha absoluto é uma figura de ficção, de literatura. Essa generosidade do filósofo, que sofreu no corpo debilitado os horrores do fascismo, sempre me impressionou. Então, se concebemos que nem todos sejam canalhas plenos, integrais, resta outra suposição: a burrice é córnea. A ceratina penetrou de tal forma na cabeça dessa gente que as tornou duras, resistentes, impermeáveis à verdade dos fatos.

    Se, ato contínuo, a ampliação do nosso mar territorial de 12 para 200 milhas marítimas, em 1970, sob Garrastazu Médici, os norte-americanos movimentaram sua quarta frota, por mais que o governo militar fosse um aliado incondicional, não o fazem certamente para competir com os franceses na pesca da lagosta.

    Se, sob Ernesto Geisel, em 1975, de repente os Estados Unidos tornam-se guardiões dos direitos humanos e pressionam a ditadura brasileira, não é porque a tortura, os assassinatos, o desaparecimento de opositores os preocupassem, e sim os preocupavam os acordos do Brasil com a Alemanha, os acordos nucleares do Brasil com a Alemanha.

    Mais recentemente, quando os norte-americanos grampeiam a Presidente Dilma, monitoram as suas conversas, perscrutam suas decisões e controlam sua comunicação com ministros, auxiliares e políticos, não estão, Senadora Lídice da Mata, à procura da receita da sua eficiente dieta para emagrecer.

    Quando os serviços de espionagem dos Estados Unidos invadem, vasculham, devassam todas as informações da Petrobras, não são os Cerveró, os Duque, os Paulo Roberto Costa, os Youssef, os Baruscos ou os Sérgio Machado que os mobilizam. A corrupção é um segredo de polichinelo; o pré-sal é o prêmio.

    Se antigamente a Escola das Américas, no Panamá, era o centro formador dos torturadores, dos assassinos estatais, dos sabotadores, dos governos populares e nacionalistas, hoje o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, em comparação com o FBI, a CIA e a NSA, encarrega-se de seduzir, domesticar e abduzir juízes, procuradores, policiais e políticos, é claro – políticos, sem dúvida alguma.

    A produção de cabos Anselmo não foi interrompida, sofisticaram-se os meios e os métodos. Ao invés dos sicários a soldo, temos, Senadora Lídice, os heróis de almanaques: os superjuízes, os superprocuradores. E, como contrafacção, já que nenhuma exageração escapa do ridículo, temos o japonês da Federal e o coreano do MBL.

    Quando o Presidente Lula sanciona, em 2010, a Lei da Ficha Limpa e a Presidente Dilma, em 2013, assina a Lei das Organizações Criminosas, disciplinando a delação premiada; quando se desequilibra a harmonia entre os poderes e produz-se a hipertrofia do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal; quando o presidencialismo de coalizão cede a um Parlamento que se transformou em mandalete dos financiadores de campanha; quando o Presidente Lula coloca, no Banco Central e no Ministério da Fazenda, homens de confiança do mercado financeiro; quando a Presidente Dilma, na crise de 2013 e 2014, adota políticas neoliberais, aprofundando a crise; quando tanto um como outro presidentes constrangem-se diante das pressões da mídia monopolista e comercial e fogem de adotar aqui as mesmas legislações que os norte-americanos e alguns países europeus adotaram para democratizar os meios de comunicação; quando tudo isso somado produz salto qualitativo, temos o golpe e seu corolário de horrores: a alienação da soberania nacional; a entrega do petróleo, dos minérios, das terras, da água; a destruição da República Social; a sabotagem da Petrobras e as privatizações; e o aceleramento da marcha da desindustrialização e da precarização da ciência e da tecnologia.

    Na divisão internacional do trabalho, é o papel que nos reservam: celeiro do mundo, exportador de grãos e de matérias-primas minerais, fornecedor de petróleo e de água, afinal vimos, em Davos, a Nestlé e a Coca-Cola renovarem a cobiça pelo Aquífero Guarani, uma das maiores reservas de água doce do Planeta.

    Srªs e Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado e da TV Senado, esses são os fatos da realidade. Essa é a verdade que os fatos revelam por mais que o cinismo e a estultícia da grande mídia tentem perverter e adulterar a natureza das coisas.

    Como antídoto para um massacre diário do discurso antinacional, antidemocrático e antipopular que se estabeleceu no País, quero oferecer um texto, aqui da tribuna, do Professor de Filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo, Maurício Abdalla, publicado no Le Monde Diplomatique.

    Os 13 pontos do Prof. Abdalla são uma leitura necessária para quem ama o Brasil e acredita que ainda é possível vencer esses tempos tão sinistros, tão terríveis de nossa história.

    Vamos ao contraveneno às sandices daqueles que acreditam que do lixo que produzem é possível brotar alguma vida.

    Vamos lá.

1 – O foco do poder não está na política, mas na economia. Quem comanda a sociedade é o complexo financeiro-empresarial com dimensões globais e conformações específicas locais.

2 – Os donos do poder não são os políticos. Estes são apenas instrumentos dos verdadeiros donos do poder.

3 – O verdadeiro exercício do poder é invisível. O que vemos, na verdade, é a construção planejada de uma narrativa fantasiosa com aparência de realidade para criar a sensação de participação consciente e cidadã dos que se informam pelos meios de comunicação tradicionais.

4 – Os grandes meios de comunicação não se constituem mais em órgãos de “imprensa”, ou seja, instituições autônomas, cujo objeto é a notícia, e que podem ser independentes ou, eventualmente, compradas ou cooptadas por interesses. Eles são, atualmente, grandes conglomerados econômicos que também compõem o complexo financeiro-empresarial que comanda o poder invisível. Portanto, participam do exercício invisível do poder utilizando seus recursos de formação de consciência e opinião.

5 – Os donos do poder não apoiam partidos ou políticos específicos. Sua tática é apoiar quem lhes convém e destruir quem lhes estorva. Isso muda de acordo com a conjuntura. O exercício real do poder não tem partido e sua única ideologia é a supremacia do mercado e do lucro.

6 – O complexo financeiro-empresarial global pode apostar ora em Lula, ora em um político do PSDB, ora em Temer, ora em um aventureiro qualquer da política. E pode destruir qualquer um desses de acordo com sua conveniência.

7 – Por isso, o exercício do poder no campo subjetivo, responsabilidade da mídia corporativa, em um momento demoniza Lula, em outro Dilma, e logo depois Cunha, Temer, Aécio, etc. Tudo faz parte de um grande jogo estratégico com cuidadosas análises das condições objetivas e subjetivas da conjuntura.

8 – O complexo financeiro-empresarial não tem opção partidária, não veste nenhuma camisa na política, nem defende pessoas. Sua intenção é tornar as leis e a administração do país totalmente favoráveis para suas metas de maximização dos lucros.

9 – Assim, os donos do poder não querem um governo ou outro à toa: eles querem, na conjuntura atual, a reforma na previdência, o fim das leis trabalhistas, a manutenção do congelamento do orçamento primário, os cortes de gastos sociais para o serviço da dívida, as privatizações e o alívio dos tributos para os mais ricos.

10 – Se a conjuntura indicar que Temer não é o melhor para isso, não hesitarão em rifá-lo. A única coisa que não querem é que o povo brasileiro decida sobre o destino [...] [do nosso] país.

11 – Portanto, cada notícia é um lance no jogo. Cada escândalo é um movimento tático. Analisar a conjuntura não é ler notícia. É especular sobre a estratégia que justifica cada movimento tático do complexo financeiro-empresarial (do qual a mídia faz parte), para poder reagir também de maneira estratégica.

12 – A queda de Temer pode ser uma coisa boa. Mas é um movimento tático em uma estratégia mais ampla de quem comanda o poder. O que realmente importa é o que virá depois.

13 – Lembremo-nos: eles são mais espertos. Por isso estão no poder.

    Srªs e Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado e da TV Senado, brasileiros, os pressupostos estão aí, mas essa compreensão incisiva da realidade obriga-nos a um passo seguinte: a ação.

    Depois que Hitler invadiu a França, despojando-a de sua soberania, anulando-a como Nação, Charles de Gaulle chamou os seus compatriotas à resistência acima dos interesses de cada um, o que estava em jogo era a existência do país, seus valores, suas tradições, suas crenças, sua identidade, a identidade da França. Até mesmo os contrabandistas, que tão bem conheciam as fronteiras da França, até eles foram convocados à grande tarefa de libertação do país [foram os primeiros partisans].

    Não estou insinuando que, no caso da grande tarefa de libertação do Brasil, até os corruptos devam ser convocados, mesmo porque boa parte deles estão de papo para o ar, refestelados nos milhões com que foram premiados pela delação.

    Convoco homens e mulheres que amam este País, que abominam a corrupção e o entreguismo, que rejeitam ser escravos do dinheiro, que não aceitam a prevalência do capital financeiro sobre o capital produtivo, que não querem ver este País tão rico transformado em uma plantation colonial, a ofertar ao mundo desenvolvido grãos, minérios, petróleo, terras, água e trabalho semiescravizado, que não querem ver nossos trabalhadores transformados em mão de obra semiescravizada para o desfrute global.

    Com Shakespeare e Henrique V, antes da Batalha de Agincourt, encerro dizendo: aqui estão conosco os brasileiros que deviam estar. E os que conosco não estiverem vão se arrepender até o fim de suas vidas por não terem estado. Nada temos a perder, pois o que tínhamos está sendo surrupiado, desbaratado e vendido a preço de banana pelos entreguistas do Brasil, com a prestimosa colaboração de alguns tolos, que se arvoram em heróis da pátria.

    A China investe bilhões, trilhões na rota da seda. "Donaldo" Trump pede R$1,5 trilhão para investir na infraestrutura norte-americana e reviver a economia e viabilizar o desenvolvimento tecnológico e técnico do seu país. Mas aqui os entreguistas e a tolice do Congresso Nacional votara. Votamos uma paralisação de investimentos públicos em vinte anos.

    O investimento do Trump é francamente deficitário, porque ele sabe que esse dinheiro, voltando a fazer circular a economia, como ele quer e deseja, vai viabilizar empregos, arrecadação de tributos e o levantamento da economia americana para os americanos...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... porque ele não está leiloando o seu país na feira dos interesses internacionais.

    Obrigado, Presidente. Eu acho que consegui pronunciar o meu discurso no tempo regulamentar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/02/2018 - Página 27