Pela Liderança durante a Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Alerta para as diversas causas que contribuem para a existência da violência no País.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Alerta para as diversas causas que contribuem para a existência da violência no País.
Publicação
Publicação no DSF de 09/02/2018 - Página 23
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, GUERRA CIVIL, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL, NECESSIDADE, MELHORIA, SEGURANÇA PUBLICA.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Srª Presidente, Srs. Senadores, estes primeiros dias de debate de 2018 me passam a sensação de que vamos repetir o nada dos últimos anos.

    Nós nos concentramos em um debate, a meu ver, de forma superficial, que é esse debate sobre a violência. Nós não estamos debatendo a realidade de um País em guerra civil não partidarizada. Eu, como estou aqui já algum tempo, desde 2005, falo na ideia de que há uma guerra civil. Não se vai barrar a violência na Síria apenas, como estamos comemorando desde ontem, controlando o telefone celular dos terroristas. É algo mais profundo na estrutura social que faz com que este País seja hoje o mais violento de todos os países no mundo. Talvez o Iêmen, que tem uma guerra começada há alguns anos, esteja passando por uma situação pior. Num desses dias, Srª Senadora, recebi a visita de um ex-Embaixador do Brasil no Líbano, país que se considera em guerra, e ele me disse que sentia mais segurança dos filhos deles adolescentes nas ruas de Beirute do que nas ruas das cidades brasileiras – e não falou apenas no Rio. Nós não estamos debatendo aqui com a profundidade devida o que já vem há décadas: uma guerra civil descontrolada por bandidos sem ideologias, diferente das outras guerras, sem ser uma questão sectária, mas é uma guerra civil.

    Claro que é preciso controlar os telefones, e, por isso, eu votei favoravelmente. Mas comemorar isso é um desplante diante da opinião pública. Essa superficialidade exige de nós que entendamos as causas da violência. Nós próprios, aqui, com nossos privilégios, assim como os juízes que julgam os bandidos, com seus privilégios de auxílio-moradia, tendo apartamento na cidade... E mesmo que não tivessem apartamento na cidade: o salário deles, assim como o nosso, aqui, dá para pagar um aluguel. Claro que dá! Esses privilégios são uma causa de violência, assim como a desigualdade social, porque vai haver desigualdade de renda enquanto houver liberdade. É impossível renda igual com liberdade. Mas o grau da desigualdade brasileira, que, por décadas e décadas, sem mantém entre as cinco piores do mundo... E passam governos autoritários, passam governos democráticos, governos social-democratas, e continuamos campeões de desigualdade social! Essa é uma violência em si. E essa violência causa violência.

    Nós temos a corrupção como causa da violência. Se é possível roubar centenas de bilhões da Petrobras, os bandidos se sentem no direito de roubar alguns milhõezinhos ou de ganhar milhõezinhos no ilícito crime da droga, que é outra coisa que nós não estamos conseguindo analisar na sua causa estrutural. Por que esse excesso de drogas na sociedade? E por que continuar com o proibicionismo radical, que não dá resultado e aumenta a violência? Porque uma parte do crime vem do tráfico de drogas.

    Nós não estamos querendo enfrentar – e aí dizem que é mania – a causa da violência na violência que há dentro das escolas, pela desigualdade como ela é dada.

    Quando nós vemos – e disse aqui o Senador Eduardo Braga há pouco – que gastamos R$60 mil por ano com um preso – R$60 mil por ano! – e R$6 mil com um aluno... Isso não é uma causa de violência? Mas não queremos enfrentar isso. E mais grave, como ele também falou: se nós gastássemos R$15 mil por ano, por aluno, nós teríamos uma educação – desde que gastando bem, porque, se chover dinheiro no quintal de uma escola, vira lama na primeira chuva –, se aplicarmos bem, R$15 mil por aluno permitem termos uma educação da qualidade dos países com melhor educação no mundo inteiro. Não é preciso mais do que R$15 mil por ano para se fazer uma boa educação. Mas só gastamos R$6 mil, e mal. Parte desse dinheiro, eu calculo que 30%, vai embora, não chega à educação. Entra na educação, mas não chega a ela. Entra na escola, mas não chega ao cérebro das crianças. Nós gastamos pouco, e o pouco que gastamos desperdiçamos com vazamentos constantes. E não queremos discutir essa realidade de uma guerra civil que há no País.

    Eu temo que os próximos dias, semanas, meses, até o fim deste ano, vamos continuar com um debate superficial, com um debate que não aprofunda as verdadeiras causas da criminalidade no País.

    E, com isso, vamos continuar frustrando a população brasileira, que não percebe aqui as decisões fundamentais da mudança na estrutura social brasileira, que permitiriam não apenas trazer segurança, mas trazer aquilo que é a nossa obrigação: a paz. Não basta ter segurança. É preciso ter paz. A diferença é que segurança é prender bandido; paz é não ter bandido. Segurança é prender criminosos; paz é não chegar a ter crime, como na maioria das sociedades do mundo.

    E é isso que nós também não aprofundamos aqui, o fato de que a violência que nós temos aqui não é uma característica de todas as sociedades, nem da maioria das sociedades. Aqui mesmo, ao redor, na América Latina, você pode andar tranquilamente em ruas das nossas cidades sem o medo que nós temos ao andar em qualquer das cidades brasileiras.

    E isso não está no sangue português que nós temos, nem no sangue índio, nem no sangue negro, porque, nos países deles, não há essa violência. Está na estrutura social. E, lá embaixo, fundamentalmente, no atraso e na desigualdade educacional.

    Mas, quando se diz isso, alguém diz que é mania. Além disso, que vai demorar muito para que a educação surta efeitos. Claro que vai demorar. Mas vai demorar mais se não começarmos agora. Cada ano atrasado é um ano a mais para ter os resultados. É preciso ter medidas claras, concretas, para enfrentar a violência, trazendo segurança. Mas é preciso não pararmos nisso.

    É de uma modéstia estúpida querer apenas segurança, mais grade nas nossas casas, mais bandidos nas cadeias, mais supervisão de televisões, olhando por onde todo mundo anda. Tudo isso é necessário, mas é uma estupidez querer manter isso, como se a guerra civil brasileira fosse uma coisa permanente! E como se não dependesse de nós. Como se violência fosse uma questão só dos policiais. É uma questão nossa! Nós, aqui, somos fabricantes de violência, ou pelas leis que fazemos, ou por aquelas que deixamos de fazer; ou por ações nossas, ou por omissões nossas.

    Por favor, vamos tentar começar o ano...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – ...indo além da superficialidade como os problemas nos aparecem. E tentando ir além da superficialidade.

    Um policial tem direito de ficar na aparência do crime, prendendo. Esse é o seu papel. O Ministério Público também; o juiz, condenando. Isso é o papel deles. O nosso é transformar a sociedade, para que ela não apenas tenha segurança, mas viva em paz.

    E, para isso, é preciso fechar a fábrica de violência e não apenas trancafiar os bandidos. É preciso fazer com que não haja crime, e não apenas condenar os criminosos. É preciso ir além da superficialidade.

    Pena que eu hoje não esteja otimista de que, nas próximas semanas, meses e anos, nós aqui vamos fazer o que o Brasil precisa da gente.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – E temo, pelo que eu vejo dos candidatos que estão surgindo à Presidência da República, que nenhum deles vá trazer uma mensagem para ir além de colocar o bloqueio no telefone do bandido preso. E vai definir as linhas para fazermos um País, uma sociedade em paz.

    Finalmente, Senador, por favor, não basta, além de sermos superficiais, sermos imbecis, como temos sido. Bloquear os telefones dos criminosos, o que é necessário, não vai durar muito, porque a tecnologia rapidamente vai encontrar brechas nos bloqueios. Além disso, mesmo que funcionem bem os bloqueios dos telefones dos chefes que estão presos, imediatamente vão surgir novos líderes, comandantes, bandidos, criminosos...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – E o que a gente hoje comemora aqui, como um grande feito, rapidamente vai deixar de mostrar resultado, e aumentará a desconfiança em relação a nós, incapazes de enfrentarmos a verdadeira dimensão da guerra civil que vivemos e de eliminarmos as causas estruturais da violência, causada por uma sociedade violenta, devido às nossas irresponsáveis omissões ou incompetentes ações.

    É uma pena que o meu primeiro discurso aqui – segundo, aliás – seja pessimista. Mas eu prefiro ser pessimista, dizendo a verdade, do que ser otimista com demagogia.

    Era isso, Srª Presidente.

    A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – Cumprimento o Senador Cristovam Buarque pela forma realista de abordar esse tema. E aqui há um conceito de que sempre, quando acontecem esses momentos de grande perplexidade social, como acontece hoje, nós criamos uma comissão, discutimos e fazemos algumas propostas.

    Eu lembro o episódio ocorrido há dez anos, em caso de momentos semelhantes, quando aquele garoto, no Rio de Janeiro, foi arrastado por criminosos, e a mãe, aos olhos da mãe, uma das cenas mais terríveis, sobre a qual nós, lamentavelmente, nos envergonhamos muito. Naquele momento aconteceram movimentações semelhantes. E, de lá para cá, como prevê V. Exª, com um senso de realidade, pouca coisa aconteceu e pouca coisa mudou. A violência, pelo contrário, continua aumentando.

    Então, pelo menos é uma crença de que a iniciativa vá fazer essa questão. Mas, hoje, as prisões brasileiras são administradas pelos chefes do crime organizado.

    Cumprimento, Senador.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Quero fazer mais um comentário para a senhora. E, aí, isso que a gente está fazendo – e que é necessário, e eu votei favoravelmente – é um reconhecimento de que nossas polícias não funcionam. Se elas funcionassem, os telefones não entrariam. A gente aceita que elas não funcionam e vamos bloquear. Necessário. É preciso fazer isso. Mas sem enganar o povo. Isso não vai barrar nem diminuir a criminalidade no Brasil. Vai ficar um pouco mais difícil para os bandidos. Vamos dar mais trabalho para eles quebrarem o bloqueio, elegerem substitutos, mas não é isso que vai fazer do Brasil uma sociedade pacífica.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/02/2018 - Página 23