Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca da intervenção federal no Rio de Janeiro.

Registro de crise político-econômica por que passa a Venezuela e comentários sobre o número de imigrantes que adentram o Brasil.

Autor
Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
Nome completo: Ana Amélia de Lemos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Considerações acerca da intervenção federal no Rio de Janeiro.
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Registro de crise político-econômica por que passa a Venezuela e comentários sobre o número de imigrantes que adentram o Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 17/02/2018 - Página 6
Assuntos
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Indexação
  • APREENSÃO, INTERVENÇÃO FEDERAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CRITICA, POSSIBILIDADE, CRIAÇÃO, MINISTERIO, SEGURANÇA PUBLICA, COMENTARIO, INDICE, VIOLENCIA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ENFASE, MUNICIPIOS, PORTO ALEGRE (RS), CAXIAS DO SUL (RS).
  • REGISTRO, CRISE, POLITICA, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, APREENSÃO, NUMERO, IMIGRANTE, DESTINO, BRASIL, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, O ESTADO DE S.PAULO.

    A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Presidente desta sessão matinal desta sexta-feira, nossos telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, nossos servidores aqui atenciosos da Mesa e da segurança, nós amanhecemos hoje com a notícia de uma intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro. Não é um fato corriqueiro. É um fato extraordinário.

    Mesmo eu não sendo Senadora do Rio, brinco, às vezes, que sou a quarta Senadora, porque ajudamos muito – como todos poderiam ser o quarto Senador – as demandas do Estado do Rio de Janeiro. O Vice-Governador, Francisco Dornelles, é do meu Partido, a quem eu respeito muito, um grande político, Parlamentar, Senador que foi, Ministro de Estado. Mesmo eu não sendo representante do Rio de Janeiro, essa notícia é preocupante sob vários aspectos: primeiro, do aspecto institucional, segundo, do aspecto político, do aspecto da gestão e das apreensões. Num ano eleitoral, com os desafios gigantescos que temos aqui no Congresso, o que significa uma intervenção em relação à própria atividade legislativa com essa decretação, que não tem prazo determinado – pelo menos ainda não chegou mensagem nesse sentido ao Congresso, que terá que apreciar essa mensagem? Nós ficaremos impossibilitados de apreciar qualquer matéria de alteração constitucional. Como se isso não fosse pouco, basta lembrar que, precisamente, aquilo que o próprio Governo considera prioridade, que é a reforma da previdência, fica empacado na Câmara dos Deputados, onde está sob apreciação e com data marcada para ser votada. Prudentemente, o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pelas informações que temos, se opôs a essa intervenção no Estado do Rio de Janeiro exatamente para não comprometer aquilo que ele já havia colocado na agenda e no calendário das decisões importantes da Câmara Federal, matéria que depois virá para cá.

    Não é apenas esse o aspecto. Penso que os problemas do Rio de Janeiro são graves, gravíssimos do ponto de vista da segurança. Foram, digamos, colocados no período de Carnaval, embora com muita frequência nós tenhamos notícias de assassinatos ou de mortes de policiais militares, policiais civis, cidadãos comuns, cidadãos inocentes, crianças, balas perdidas, mas devem ocorrer iniciativas muito relevantes do ponto de vista da gestão. Aliás, o próprio Governador Pezão admitiu que, no Carnaval, a respeito do acúmulo e da repetição de arrastões e assaltos em pleno Sambódromo ou próximo à Sapucaí e junto aos blocos, houve um equívoco, um erro, admitido pelo Governador – e, na política, é muito importante quando se reconhece um erro cometido –, falhas no planejamento do policiamento durante o Carnaval.

    O Carnaval do Rio de Janeiro é um acontecimento que o mundo inteiro acompanha atento pela beleza e por tudo o que acontece no Sambódromo, uma criação, aliás, que lembra sempre Leonel Brizola quando foi Governador do Rio de Janeiro. E esse calendário do Carnaval do Rio de Janeiro continua sendo uma grande atração, mas vemos turistas estrangeiros e turistas brasileiros, aqui de Brasília mesmo, sendo assaltados, temerosos disso, mesmo considerando que a cidade é maravilhosa. O Rio de Janeiro é a Cidade Maravilhosa, mas não oferece segurança. Então, as pessoas se assustam e já prometem deixar de visitar o Rio de Janeiro.

    Nesse caso, uma força-tarefa poderia resolver o problema sem recorrer a uma força extrema, que é uma decretação de intervenção no Estado sob o comando militar. Eu penso que as Forças Armadas têm tido um zelo e uma preocupação muito grande, mesmo quando a Força Nacional de Segurança é convocada, com relação à contaminação que eventualmente aqueles soldados que estão dentro dessa tropa, a Força Nacional, podem sofrer pelo assédio do crime organizado. Não há dúvida sobre esses riscos.

    É preciso também, do ponto de vista institucional, que essa intervenção tenha prazo muito curto, para evitar a contaminação, como eu disse, das instituições militares. E isso será seguramente aproveitado pela oposição com razão de sobra, apesar de reconhecermos claramente as dificuldades pelas quais o Rio de Janeiro está passando.

    E não é só o Rio de Janeiro. No meu Estado do Rio Grande do Sul, diante das dificuldades financeiras, mesmo tendo conseguido aprovar um regime especial para uma renegociação com o Governo Federal – que talvez esteja impossibilitado, porque depende da Assembleia a aprovação de outras medidas que são exigências para a formação desse novo acordo –, há policiais militares, professores recebendo salários com atraso. É uma situação difícil, mas há um esforço para evitar esse tipo de ação radical, como uma intervenção num Estado como o Rio de Janeiro, uma vitrine, um cartão-postal do nosso País. Triste a situação a que chegou o Estado do Rio de Janeiro.

    E quero repetir: possivelmente pode haver ações administrativas envolvendo a parceria com o Governo Federal, o Estado e os Municípios do Rio de Janeiro, a Prefeitura do Rio de Janeiro, que agora também foi abalada por um temporal violento, com mortes e ventos de mais de 100 km/hora. Então, o Rio de Janeiro precisa de um olhar diferente e não necessariamente de uma intervenção, que também penso que seja desnecessária pelo momento de dificuldades financeiras em que está a gestão federal, de desajuste no Estado brasileiro por gestões que levaram o caos ao País, com uma situação de absoluta ingovernabilidade. Os Estados estão padecendo, e os Municípios ainda mais, porque são os primos pobres da Federação. Nesse cenário de dificuldades, é preciso, sobretudo, muita prudência, muita temperança e muita cautela para evitar medidas radicais que venham a criar mais dúvidas na população, que deveria receber mais tranquilidade.

    Criar uma secretaria para cuidar da segurança me parece também um ato que não convém ao momento de dificuldade em que estamos passando. Ora, se temos o Ministério da Justiça, se temos um Gabinete de Segurança Institucional, se temos a Presidência da República, com seus diversos gabinetes, se temos o Ministério da Integração Nacional, se temos o Ministério das Cidades, todos esses podem fazer um comitê conjunto para auxiliar, para dar atenção, para ajudar a gestão nessa área de segurança em Estados como o Rio de Janeiro ou como o Ceará, recentemente também vítima de ataque do crime organizado.

    E é preciso fazer investimentos maciços, investimentos em inteligência e informação. Nós estamos pecando muito, porque, no caso do Rio de Janeiro, a falta de informação é que gerou a situação de caos no Carnaval. E por isso é preciso um investimento cuidadoso em tecnologia, em informação, em inteligência.

    Enquanto não tivermos isso, o crime organizado vai ganhando do Estado brasileiro. Vai ganhando, porque está mais preparado, com armas, com poder, com toda a tecnologia necessária. Se usam o celular dentro dos presídios para orientar o cometimento de crimes e orientar as ações criminosas desses bandos, seja com assaltos a bancos, cofres, caixas eletrônicos, assaltos nas estradas, com ônibus ou com cargas, tudo isso está dentro de um espectro a que, tendo informação, tendo inteligência, o Governo pode chegar primeiro, como aconteceu no Estado do Paraná, e abortar uma ação criminosa, o que muitas vezes podem fazer não só seguranças, mas também policiais militares, policiais civis. Há cidadãos comuns, inocentes que estão trabalhando, crianças sendo atingidas, como acontece com frequência no Rio de Janeiro, por balas perdidas.

    Então, eu penso que existem muitos caminhos, muitos caminhos para que o Governo possa, numa parceria entre o Governo Federal, o Estado do Rio de Janeiro ou outros Estados que venham, como já aconteceu, a sofrer esse processo – o Rio Grande do Norte, aconteceu também em Alagoas, aconteceu no Ceará mais recentemente... E são administrações de governos de partidos diferentes. No Ceará é o Partido dos Trabalhadores; em Alagoas, o PMDB; no Rio Grande do Norte, da mesma forma. Não se trata de uma questão de agremiação, mas um problema e um desafio conjunto de todas as forças da sociedade de qualquer Estado que está enfrentando essa grave situação, caótica situação na área de segurança.

    Uma pesquisa feita por sindicatos dos policiais rodoviários, policiais federais, policiais civis no Rio Grande do Sul mostrou que 77% dos porto-alegrenses têm medo de sair às ruas à noite. Isso é um dado alarmante. Uma cidade, nossa capital, a minha capital. Alarmante do ponto de vista do receio que têm as pessoas de sofrerem um assalto. Isso decorre exatamente da falta de policiamento e da falta de organização. E justifica-se isso pela escassez de recursos financeiros dos Estados e também dos Municípios, com suas guardas municipais.

    Ontem veio aqui o Vice-Prefeito de Caxias do Sul exatamente para pedir o nosso apoio, porque são quase 150 agentes que integram a Guarda Municipal de Caxias do Sul, uma cidade icônica para nós, uma cidade muito importante na Serra Gaúcha. Em Caxias do Sul, são os agentes que trabalham na segurança municipal. Os guardas municipais reclamam de viaturas já sucateadas, sem condições de andar nos bairros e percorrer os bairros, dos coletes já com prazo de validade vencido e assim por diante.

    Então, assumi a responsabilidade de ir ao Governo, ao Ministério da Justiça ver quais são os programas que podem, através de convênios, ajudar a melhorar as condições de trabalho. Falei com o Prefeito também da cidade, Daniel Guerra, e com o Vice-Prefeito, Ricardo Fabris, sobre essas questões que nós temos que tratar em conjunto, sejam os Municípios, com as suas guardas municipais; sejam os Estados, com as suas polícias militar e civil; seja a União, com a Força Nacional.

    Talvez o caso de uma atuação ou uma convocação da Força Nacional por um determinado período resolvesse esse problema sem a necessidade de uma intervenção na segurança pública, que tem consequências nesta Casa – e teremos aqui também que apreciar esse ato da Presidência da República.

    Renovo, aí, a desnecessária iniciativa anunciada pelo Governo de criar uma secretaria ou um ministério para cuidar da segurança. Não há necessidade disso. Seria um desserviço e seria também um equívoco político fazer a criação de mais um ministério, e a população entenderia isso como um gesto de abrigar mais um aliado político num momento de fragilidade ou de dificuldades políticas que vive o Presidente da República.

    Para terminar, Presidente desta sessão, Senadora Gleisi Hoffmann, eu trago de volta aqui o tema grave que já ocupou a atenção dos nossos colegas Senadores na sessão de ontem à tarde sobre a questão que também está vivendo o Estado de Roraima. Em apenas 45 dias, um mês e meio, 18 mil venezuelanos estão pedindo para ficar no Brasil, muito mais do que o número total registrado em 2017. O número de imigrantes venezuelanos que entrou com pedido de refúgio ou autorização de residência já supera o do ano passado. De 1º de janeiro até ontem, a Polícia Federal registrou 18 mil solicitações apenas em Boa Vista, capital de Roraima. No ano passado, foram 17,8 mil pedidos em todo o Brasil. Um estudo da Polícia Federal mostra que há engenheiros, médicos entre esses imigrantes, quando se imaginava que estavam ali, primeiro, pessoas despreparadas, de serviços de nível médio ou básico de educação. Mas agora, nos registros da Polícia Federal, que tem a responsabilidade do controle da imigração, está se percebendo que também profissionais liberais com essa profissionalização na Engenharia e na Medicina estão chegando.

    É exatamente uma situação muito complicada, e uma matéria publicada ontem mostrou que esse perfil dos imigrantes que fogem do Governo Maduro e da aguda crise que a Venezuela enfrenta é variado e não se resume a parcelas da população de baixa escolaridade e de regiões periféricas. É o que mostra o estudo da Polícia Federal feito com base numa amostra de 13 mil refugiados venezuelanos que chegaram ao Brasil no ano passado. É exatamente a situação que está vivendo, também com a emergência decretada, Roraima, em função da falta de estrutura para acolher, inclusive com problemas de epidemia ou risco de epidemia com sarampo, que foi identificado numa criança que veio da Venezuela.

    E uma matéria, para terminar – o caso da Venezuela é uma coisa grave –, publicada no jornal The Washington Post – e vou tratar de ler essa matéria, porque ela revela um pouco a situação dramática que a Venezuela está passando e que, lamentavelmente, não é reconhecida por muitos aqui no Brasil que louvam e aplaudem o regime e a ditadura de Maduro:

Sem comida [é o texto da matéria], pais entregam filhos para adoção na Venezuela.

"Quer ver os meninos?”, perguntou-me Magdelis Salazar, assistente social, e me levou a um playground cheio de crianças. Estávamos em um dos maiores orfanatos da Venezuela, logo após o almoço. O espaço era uma corrida de obstáculos de crianças abandonadas. Um garotinho de 3 anos estava sentado em um velocípede. Era chamado de Gordo. Mas quando foi abandonado, há alguns meses, era pele e osso.

As taxas de pobreza e fome aumentaram à medida que a crise econômica na Venezuela deixou as prateleiras dos mercados vazias.

    Prossegue a matéria de The Washington Post, que foi reproduzida pelo jornal O Estado de S. Paulo, no dia 15 deste mês:

Alguns pais não podem mais sustentar a família e estão fazendo o que era impensável: abandonando os filhos. “As pessoas não conseguem mais comida. Estão abandonando os filhos, não porque não os amam, mas exatamente porque os amam”, disse Salazar [à assistente social].

Antes de minha viagem à Venezuela [essa é a narrativa do repórter que fez a matéria], eu já ouvira falar que famílias estavam entregando seus filhos para instituições. Mas foi um desafio encontrar realmente as pequenas vítimas. Meus pedidos para entrar em orfanatos do governo ficaram sem resposta. Uma encarregada da agência de proteção à infância confidenciou que a visita seria “impossível”.

Minha colega venezuelana Rachelle Krygier levou-me à Fundana – um imponente complexo de concreto no sudeste de Caracas. Sua família fundou o orfanato e um centro de acolhimento de crianças em 1991 e sua mãe era diretora da instituição. Rachelle havia trabalhado como voluntária – as crianças acolhidas tinham sofrido abusos ou sido abandonadas.

Não há estatísticas oficiais sobre o número de crianças abandonadas por razões econômicas. Mas entrevistas de funcionários da Fundana e de nove outras organizações indicam que são centenas de casos em todo o país. A Fundana recebeu 144 solicitações em 2017, um aumento em relação aos 24 de 2016 – a maioria dos pedidos está relacionada a dificuldades econômicas. [Pais entregando os filhos aos orfanatos.]

“Não sabia mais o que fazer”, disse Angélica Pérez, de 32 anos, mãe de três crianças. Recentemente, ela apareceu na instituição com o filho de 3 anos e as duas filhas, de 5 e 14 anos. Ela havia perdido o emprego de costureira e o filho mais novo pegou uma grave doença de pele, em dezembro, mas o hospital não tinha remédio. Então, ela gastou todo o dinheiro que tinha para comprar pomada.

Angélica planejava deixar as crianças no centro, sabendo que ali seriam alimentadas – e ela poderia trabalhar na Colômbia. Esperava um dia tê-las de volta. Normalmente, as crianças podem ficar no centro por seis meses a um ano, mas, depois, são colocadas sob a guarda de uma família ou para adoção. “Você não sabe o que é ver um filho com fome, não tem ideia. Eu me sinto responsável, como se tivesse falhado com eles. Mas tentei de tudo. Não há trabalho e eles estão ficando cada vez mais fracos.” [O relato dramático dessa mãe, a Angélica, que deixou as crianças no centro.]

Durante anos, a Venezuela teve instituições públicas encarregadas de crianças vulneráveis e abrigos para as que necessitavam de proteção. Assistentes sociais, no entanto, afirmam que hoje as instituições estão desmoronando, algumas em risco de fechamento por falta de recursos. Assim, cada vez mais, os pais vêm deixando os filhos na rua [ou imigrando ao Brasil, como está acontecendo lá em Roraima e outras regiões da Amazônia].

Leonardo Rodríguez, que administra 10 orfanatos, afirmou que, anteriormente, as crianças vinham de lares onde haviam sofrido abusos mentais e físicos. Mas, em 2017, seus orfanatos receberam dezenas de telefonemas – cerca de dois por semana – de mães desesperadas desejando entregar seus filhos para que pudessem ser alimentados. A demanda é tão alta que muitos orfanatos têm até listas de espera.

    Esse é o quadro dramático, e contra fatos não há argumentos.

    O jornalista de The Washington Post que fez essa matéria traz ao conhecimento de todos os leitores do jornal – agora reproduzida pelo jornal O Estado de S. Paulo – uma realidade que nós também não conhecíamos, mas sabíamos das dificuldades e da gravidade de uma ditadura sanguinária que está levando as pessoas, pais e mães, a entregarem os filhos, porque não têm comida para dar-lhes no dia a dia.

    Obrigada, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/02/2018 - Página 6